Acórdão Nº 0310532-29.2019.8.24.0008 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 02-06-2022

Número do processo0310532-29.2019.8.24.0008
Data02 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0310532-29.2019.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: ROGERIO LUIZ REIF (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

ROGERIO LUIZ REIF interpôs recurso de apelação da sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Rafael Milanesi Spillere, nos autos da ação de declaratória com obrigação de fazer cumulada com indenizatória proposta contra BANCO BMG S.A, em curso perante o juízo da Vara de Direito Bancário da Comarca de Blumenau, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

ROGÉRIO LUIZ REIF devidamente qualificado(a) nos autos em epígrafe, ajuizou AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS em face de BANCO ITAU CONSIGNADO S.A., igualmente qualificado(a).

A parte autora requereu a declaração de nulidade do contrato com a consequente liberação da margem consignável, cumulando com pedido de indenização por danos morais e repetição do indébito dos valores pagos a maior.

Alegou, em apertada síntese, que foi induzida a erro quando celebrou com a parte ré contrato de empréstimo consignado, desconhecendo o correto teor das cláusulas pactuadas, notadamente, por se tratar, em verdade, de empréstimo rotativo na modalidade cartão de crédito.

A tutela antecipada foi indeferida (eventos 4 e 5).

Citado, o Banco Itaú Consignado S/A suscitou, no evento 19, ilegitimidade passiva, dizendo que o contrato foi celebrado com o Banco BMG S/A. No mérito, defendeu a legalidade da operação financeira atacada.

O Banco BMG S/A contestou voluntariamente a ação no evento 21, deduzindo que houve a adesão pela demandante a contrato financeiro para administração de cartão de crédito e que tal situação não seria ilegal. Tece comentários sobre a forma de operação deste meio de pagamento e, negando qualquer irregularidade, postulou a improcedência dos pedidos iniciais.

Houve réplica (evento 29), oportunidade em que a parte autora suscitou falsidade da assinatura constante do contrato apresentado com a contestação.

É o breve relato.

DECIDO

Considerando que para o exame do presente processo não é necessária a produção de nenhuma outra prova além da já constante dos autos, o julgamento antecipado é medida que se impõe, na forma do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil.

Assevero que, no comparativo da assinatura lançada pela parte autora em seus documentos pessoais e procuração anexados à inicial (evento 1) com a assinatura do contrato apresentado pelo Banco BMG S/A na contestação vinculada ao evento 21, não se constata divergência grosseira a ponto de justificar a realização de perícia grafotécnica, motivo pelo qual o pedido de sua produção resta indeferido.

Passo à análise da prefacial de ilegitimidade passiva suscitada pelo Banco Itaú Consignado S/A.

Referida instituição financeira alegou não ser parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda, sob o argumento de que não há relação jurídica entre ela e a parte autora, sendo o Banco BMG S/A, a instituição financeira responsável legal pelo contrato objeto da lide.

Arguiu que a ação deve ser direcionada ao Banco BMG S.A, tendo em vista que o banco réu não tem qualquer ingerência sobre os negócios jurídicos realizados por aquela instituição financeira, de modo que como o réu não prestou o serviço à autora e não concedeu empréstimo ou cartão que originasse a reserva de margem consignável.

No caso concreto, verifica-se dos documentos colacionados, que o contrato objeto da lide foi firmado com o Banco BMG S/A.

Muito embora se saiba que a ação pode ser intentada contra pessoa jurídica diversa da contratada quando pertencerem ao mesmo grupo econômico, em virtude da teoria da aparência, o próprio Banco BMG S.A, informou em sua contestação que são pessoas jurídicas distintas, com registros de CNPJ diferentes, afirmando que é o único legitimo a figurar na demanda.

Ademais, não se olvida que o Banco BMG S/A pertence ao conglomerado BMG, ao passo que o Banco Itaú Consignado S/A é controlado pelo Itaú Unibanco Holding S/A.

Assevero que os Bancos BMG S. A. e Itaú BMG Consignado S. A. faziam parte do mesmo grupo econômico até 28 dezembro de 2016, momento em que o Itaú Unibanco Holding S. A. adquiriu a totalidade da participação do Banco BMG S. A. no Banco Itaú BMG Consignado S. A, que era correspondente à 40% (quarenta por cento) do capital total (consulta em 09/12/2020 no sítio eletrônico disponível em: https://www.itau.com.br/relacoes-com-investidores/Download.aspx?Arquivo=TNZR6gj61cR1/Zs7Gj3xog==).

Assim, acolho a prefacial de ilegitimidade passiva suscitada pelo Banco Itaú Consignado e determino a inclusão no cadastro processual, como demandado, apenas do Banco BMG S/A.

Passa-se ao mérito da causa.

Aduz a parte autora que o contrato celebrado é nulo, posto que foi induzida em erro, ao desconhecer o real teor das cláusulas pactuadas.

O erro substancial é um defeito do negócio jurídico e, nos termos do artigo 138 do Código Civil, é causa de sua anulação.

A respeito do erro, cabe transcrever a lições de Fábio Ulhoa Coelho:

O conceito de erro é o da decisão tomada em função de falsa representação da realidade. [...]. Nem todo erro compromete a validade do negócio jurídico. Há erros sem importância, referentes a aspectos acidentais do negócio ou de seu objeto, que não são fatos jurídicos. Quando alguém incorre num erro assim, nada aconteceu para o direito. Há, também, erros indesculpáveis, que decorrem da culpa do sujeito que errou. Nesses casos, anular o negócio jurídico seria estimular negligências e subtrair das pessoas a responsabilidade por seus atos.

[...]

Para configurara-se como defeito de consentimento, assim, o erro deve ser substancial e escusável. Considera-se substancial o erro se a pessoa não teria praticado o negócio jurídico em questão caso o tivesse percebido a tempo; escusável, por sua vez, é o erro imperceptível às pessoas com diligência normal. [...]

É substancial o erro, em primeiro lugar, quando interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração ou a alguma das qualidades a ele essenciais. Desse modo, se uma parte considerava estar contratando a doação de um bem como donatária, mas, a rigor, estava participando de contrato de compra e venda deste, o erro é substancial. [...].

Também define a lei como substancial o erro concernente à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante. [...] Se o proprietário de um terreno não edificado contrata os serviços de um arquiteto pensando tratar-se de renomado profissional, com o intuito de valorizar, com o projeto, o imóvel a construir, e, depois, vem a saber que se trata, na verdade, de arquiteto desconhecido homônimo, verifica-se o erro substancial relativo à qualidade da pessoa com quem se entabula o vínculo negocial.

Finalmente, há erro substancial de direito quando for o motivo único ou principal do negócio jurídico, e desde que não implique recusa à aplicação da lei.[...].

Além de substancial, o erro deve ser escusável. Quer dizer, a falsa representação da realidade não pode ser produto de falta de empenho da pessoa em se informar adequadamente antes de praticar o negócio jurídico. É escusável o erro que não poderia ser percebido por pessoa de diligência normal (o art. 138 do CC está imprecisamente redigido, e omitiu a locução "não"). Aquele proprietário do meu exemplo anterior, que desejava contratar o famoso arquiteto para projetar seu imóvel, incorreu em erro substancial, mas não escusável. Qualquer pessoa de diligência normal visitaria o ateliê do profissional antes de contratá-lo e, lá estando, perceberia o erro sem maiores dificuldades (Curso de Direito Civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 344 a 346).

No caso dos autos, a existência da relação jurídica resta materializada pelos documentos vinculados ao evento 21.

A mera alegação de ausência de ciência acerca do real teor das cláusulas pactuadas não pode, neste caso, ser o único sustentáculo para a sua invalidação, em violação ao ato jurídico perfeito e da autonomia de vontades.

Anoto, por oportuno, embora compreendam os ajustes bancários a natureza de contratos de adesão, nos quais as condições são frequentemente estabelecidas unilateralmente, tal fato não implica em defeito do negócio jurídico por erro, coação ou simulação. A parte autora estava ciente da operação de crédito e de que os encargos do contrato estavam devidamente prefixadas quando da assinatura do mesmo.

Sobre a questão, assim se posiciona Washington de Barros Monteiro: "De conformidade com a lição de Espínola, para que o dolo constitua vício do consentimento é preciso: a) - haja intenção de induzir o declarante a praticar o ato jurídico; b) - que os artifícios fraudulentos sejam graves; c) - sejam a causa determinante de declaração de vontade; d) - procedam do outro contratante, ou sejam deste conhecidos, se procedentes de terceiro" (in Curso de Direito Civil, Parte Geral, 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 1982, p. 196).

A propósito do tema, ensina Arnaldo Rizzardo:

(...) Com realismo, observa o advogado Luiz Zenun Junqueira: "O contrato bancário contém mesmo inúmeras cláusulas redigidas prévia e antecipadamente, com nenhuma percepção e entendimento delas por parte do aderente. Efetivamente - é do conhecimento geral das pessoas de qualidade média - os "contratos...

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