Acórdão Nº 0310877-70.2017.8.24.0038 do Quinta Câmara de Direito Civil, 14-12-2021

Número do processo0310877-70.2017.8.24.0038
Data14 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0310877-70.2017.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora CLÁUDIA LAMBERT DE FARIA

APELANTE: DIEGO LIMA CUNHA (AUTOR) APELANTE: AUTO VIACAO CATARINENSE LTDA (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

DIEGO LIMA CUNHA ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais em face de AUTO VIAÇÃO CATARINENSE LTDA, alegando, em síntese, que contratou com a ré serviço de transporte interestadual rodoviário e, no dia 12/01/2017, iniciou sua viagem, na cidade de Joinville/SC, com destino a Curitiba/PR, contudo, ao chegar na rodoviária da referida capital, constatou que as suas duas malas despachadas haviam sido extraviadas, momento em que relatou o fato perante a companhia ré.

Disse que, mesmo sem os seus pertences, teve que continuar a sua viagem, pois iria pegar um voo até Salvador /BA, onde passaria suas férias com parentes.

Esclareceu que dentro das bagagens extraviadas havia, além de objetos pessoais, como roupas íntimas e produtos de higiene, jóias, instrumentos de trabalho, aparelhos eletrônicos, presentes para os seus familiares e roupas de grife importadas, as quais ganhou de seu irmão que reside em Portugal.

Afirmou que o ocorrido lhe acarretou constangimento perante os seus parentes e pessoas próximas e severo prejuízo financeiro, a ponto, inclusive, de ter que parar com o seu tratamento médico psicológico, que restou agravado, em decorrência dos transtornos sofridos.

Aduziu que, por diversas vezes, tentou resolver o problema extrajudicialmente, porém, nunca obteve uma resposta plausível da empresa demandada, bem como que não recebeu, no momento do embarque, qualquer formulário de declaração de bens.

À vista de tais considerações, requereu a procedência da ação, para condenar a ré ao pagamento de a) indenização por danos a.1) materiais, no importe de R$ 80.636,76; a.2) morais, no valor de R$ 15.000,00; e 3) custas e honorários advocatícios. Ainda, pleiteou a inversão do ônus da prova e a concessão do benefício da justiça gratuita.

O Juízo a quo deferiu a gratuidade da justiça e determinou a emenda da inicial (evento 3, Despacho 4), o que restou atendido (evento 15).

Na sequência, foi designada data para audiência conciliatória (evento 19, despacho 78).

Citada, a ré apresentou defesa na forma de contestação (evento 20, Petição 79), impugnando, preliminarmente, a gratuidade da justiça concedida ao requerente. No mérito, defendeu, em suma, a ausência do dever de indenizar, sob os seguintes argumentos: a) o autor não preencheu as informações relativas aos objetos que possuía na bagagem supostamente extraviada quando entregou o formulário de reclamação à ré, sendo bem diferente daquele que acostou junto à inicial, documento que ora impugna, já que foi claramente alterado; b) não há que se falar em inversão do ônus da prova à luz do CDC, pois não estão presentes seus requisitos legais; c) não possui meios para verificar se os objetos descritos foram efetivamente despachados, tal imposição configuraria a produção de prova negativa, a chamada prova diabólica, impossível de ser realizada; d) o requerente juntou diversas notas fiscais ou comprovantes de pagamento, totalmente incoerentes com o formulário e rol de bens supostamente extraviados, sendo, ainda, alguns ilegíveis e em nome de terceiros; e) o autor se limita a juntar orçamentos de algumas jóias aleatórias, sem nenhuma prova da efetiva compra destas; f) eventual indenização por danos materiais deve observar o limite fixado no Decreto Federal n. 2.521/98, qual seja, R$ 1.350,44; e g) os fatos narrados não caracterizam danos morais indenizáveis, os quais, em caso de condenação, devem ser fixados com observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Realizada a audiência, a parte ré apresentou proposta e o autor contraproposta, tendo a conciliação restado inexitosa (evento 29, Termo De Audiência 143).

Houve réplica (evento 30, Petição 144).

Após, sobreveio a sentença (evento 35), que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, constando em seu dispositivo:

[...] Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos para:

a) Condenar a ré ao pagamento de R$ 2.320,89 a título de indenização por danos materiais, corrigidos monetariamente pelo INPC a partir do evento danoso e juros legais a contar da citação (art. 406 do CC);

b) Condenar a ré ao pagamento de R$ 10.000,00 a título de indenização por danos morais, corrigidos monetariamente a partir deste arbitramento, na forma da súmula nº 362 do STJ, e juros legais a contar da citação (art. 406 do CC).

Como o autor formulou dois pedidos e decaiu da maior parte de um deles, reconheço a sucumbência recíproca, devendo as custas serem rateadas e os honorários advocatícios, que ora fixo em 15% sobre o valor da condenação, suportados na proporção de ½ por cada parte, ressalvada a gratuidade de justiça deferida ao autor. [...]. (Grifo no original)

Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso de apelação (evento 39 e 41). O autor pleiteia a majoração dos danos materiais e morais e a redistribuição dos ônus de sucumbência, sob os seguintes argumentos: a) não há como concluir que o formulário correto seria um ou outro, devendo prevalecer o entendimento em favor da parte menos favorecida e aceitar os bens ali descritos, sob pena de um ato ilícito ficar impune; b) provou o prejuízo material alegado (R$ 80.636,76); c) fazia revenda de produtos (roupas e de beleza, este da marca Mery Kay) para complementação de renda, e que amargou um prejuízo grande devido ao extravio causado pela má prestação de serviço da apelada; d) o dano moral foi fixado em valor que não atende a sua função; e e) a condenação em valor menor do que o pretendido não importa em sucumbência recíproca.

A ré, por sua vez, defende que a) a inversão do ônus da prova ope legis não se aplica à espécie; b) no caso, deve ser observado o Decreto 2.521/98; c) os danos materiais não restaram comprovados; d) não há dever de indenizar o dano extrapatrimonial por ausência do próprio dano material; e) o dano moral deve ser pautado nos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e f) não foram indicados os fundamentos pelo qual houve a exasperação do mínimo legal, previsto no art. 85,§ 2º, do CPC. Com isso, requereu o provimento do recurso, para, reformar a sentença, julgando totalmente improcedentes os pedidos iniciais ou, caso não seja esse o entendimento, pugna pela minoração dos danos materiais e morais, bem como dos honorários advocatícios de sucumbência, para o mínimo legal.

As partes apeladas apresentaram contrarrazões (eventos 48 e 49).

Os autos vieram conclusos para julgamento.

VOTO

Os recursos preenchem os pressupostos de admissbilidade, motivo pelo qual devem ser conhecidos, sendo o autor dispensado do recolhimento do preparo, por ser beneficiário da gratuidade da justiça (evento 3, Despacho 4).

De plano, cumpre consignar que a relação jurídica havida entre as partes é tipicamente de consumo, compreendendo-se o autor e a demandada aos conceitos de consumidor e fornecedor estabelecidos, respectivamente, nos arts. e , do Código de Defesa do Consumidor, in vebis:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Portanto, admite-se a aplicabilidade da lei consumerista ao caso.

Saliente-se que, a despeito do pretendido pela ré, as disposições do Decreto n. 2.521/1998, que disciplina os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional, não preponderam sobre as regras do Código de Defesa do Consumidor, por serem essas de ordem pública e de relevante interesse social, conforme resulta do disposto nos arts. 5º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal.

Nesse sentido:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E DANO MORAL. TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERMUNICIPAL. EXTRAVIO DE BAGAGEM. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DE AMBAS AS PARTES. RECURSO DA EMPRESA RÉ. DANO MATERIAL. 1) PRETENSO AFASTAMENTO DO DEVER DE INDENIZAR O DANO MATERIAL. NÃO ACOLHIMENTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ENTREGA DO FORMULÁRIO DE DECLARAÇÃO DE BENS AOS AUTORES NO EMBARQUE, ÔNUS QUE CABIA À PARTE RÉ. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL PREVISTAS NO ART. 14, § 3º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INCONTESTE FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. DANO MATERIAL CONFIGURADO. 2) ALMEJADA NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DO DECRETO N. 2.521/98. INVIABILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. UTILIZAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. FIXAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO EM CONSONÂNCIA COM OS DOCUMENTOS ACOSTADOS AOS AUTOS. PROVA DAS NOTAS FISCAIS RELATIVA À AQUISIÇÃO DE NOVOS ITENS EM RAZÃO DA PERDA DEFINITIVA DE SEUS PERTENCES. SENTENÇA MANTIDA. DANO MORAL. ALEGADA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. VIAGEM DE FÉRIAS. EXTRAVIO DEFINITIVO DA BAGAGEM. AUTORES QUE PERMANECERAM SEM A MALA DURANTE TODA A VIAGEM. NECESSIDADE DE AQUISIÇÃO DE NOVOS ITENS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INCONTESTE FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ABALO MORAL DEMONSTRADO. SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA OS LIMITES DO MERO DISSABOR. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE AMBAS AS PARTES. QUANTUM. PARTE RÉ QUE PRETENDE A MINORAÇÃO, ENQUANTO OS AUTORES OBJETIVAM A MAJORAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA DE AMBOS OS APELOS. MONTANTE ARBITRADO EM OBSERVÂNCIA AO CARÁTER PEDAGÓGICO E INIBIDOR, BEM COMO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. VALOR MANTIDO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. ALTERAÇÃO, DE OFÍCIO. APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DA DATA DO EFEITO PREJUÍZO COM RELAÇÃO AOS DANOS MATERIAIS. INCIDÊNCIA DOS JUROS DE MORA DE 1% AO MÊS A PARTIR DA CITAÇÃO RELATIVO AOS DANOS...

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