Acórdão Nº 0311334-87.2018.8.24.0064 do Câmara de Recursos Delegados, 30-11-2022

Número do processo0311334-87.2018.8.24.0064
Data30 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoCâmara de Recursos Delegados
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
AGRAVO INTERNO EM Apelação Nº 0311334-87.2018.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador GETÚLIO CORRÊA

AGRAVANTE: DEYCON COMERCIO E REPRESENTACOES LTDA (IMPETRANTE) AGRAVADO: GERENTE DA GERÊNCIA REGIONAL DA RECEITA ESTADUAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA (IMPETRADO) AGRAVADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Deycon Comercio e Representações Ltda, interpôs o presente agravo interno contra a decisão proferida pela 2ª Vice-Presidência desta Corte que, nos termos do art. 1.030, inciso I, "a" do Código de Processo Civil, negou seguimento ao recurso extraordinário, por considerar que o acórdão combatido está em consonância com a posição firmada no bojo do recurso representativo da controvérsia - RE 582.461/SP, rel. Ministro Gilmar Mendes, j. 18-05-2011 - Tema 214/STF - e, quanto às demais assertivas, não o admitiu (Evento 56).

Em suas razões recursais, sustenta a parte agravante: (i) que o acórdão objeto do apelo extraordinário, que foi contrário à exclusão do ICMS de sua própria base de cálculo, desconsiderou a autoridade da Corte Suprema ao manter a aplicação de uma sistemática que, por entendimento de caráter vinculante, "apoia-se em acepção conceitual tida por inconstitucional e, portanto, inexistente no nosso sistema jurídico nacional"; (ii) que a partir da alteração do conceito de faturamento, ocorrida no julgamento do RE 574.706/PR, "passou-se a entender forma definitiva que o ICMS não compõe das mercadorias e serviços comercializados pelos contribuintes"; (iii) que, "muito embora o foco do debate no Tema 69 fosse o conceito de 'faturamento', percebe-se que para chegar a tal conclusão, a Suprema Corte teve que, necessariamente, concluir que o valor do ICMS não faz parte da parcela de custo na composição do preço de venda da mercadoria ou serviço, não integrando, assim, o valor da operação mercantil"; (iv) que a inclusão do próprio imposto na sua base de cálculo é incompatível com a regra-matriz de incidência tributária prevista na Constituição, pois adota elementos estranhos ao critério material estabelecido para o tributo; (v) que não desconhece que o STF, no julgamento do RE 582.461/SP (Tema 214/STF), entendeu ser constitucional a inclusão do valor do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços na sua própria base de cálculo; (vi) que, no entanto, com o julgamento do RE 574.706, submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 69), ocorreu o fenômeno "conhecido por 'overrulling', que consiste na superação de entendimento com caráter vinculante anterior, e implicitamente reconhecido pelo ordenamento jurídico no art. 489, §1º, inciso V, do Código de Processo Civil, que impõe o dever de explicitação dos motivos pelo qual tal entendimento enseja a negativa de seguimento a eventual insurgência".

Ao final, requereu o provimento do agravo, com a admissão do apelo excepcional (Evento 68).

Conquanto regularmente intimada, a parte agravada deixou de apresentar contrarrazões (Evento 72).

É a síntese do essencial.

VOTO

O recurso é cabível, tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

Superado esse introito, procedo à análise das razões declinadas na presente insurgência recursal.

Em apertada síntese, defende a agravante que, a partir do julgamento do RE 574.706/PR (Tema 69/STF), aliado à interpretação da Constituição Federal, houve modificação de entendimento da Corte Suprema quanto à constitucionalidade do cálculo "por dentro" do ICMS.

Nessa toada, entende que, desde o julgamento em questão, ocorreu o fenômeno "conhecido por 'overrulling', que consiste na superação de entendimento com caráter vinculante anterior, e implicitamente reconhecido pelo ordenamento jurídico no art. 489, §1º, inciso V, do Código de Processo Civil, que impõe o dever de explicitação dos motivos pelo qual tal entendimento enseja a negativa de seguimento a eventual insurgência".

Malgrado o esforço argumentativo, a tese articulada pela recorrente não merece prosperar.

De fato, não se ignora que o Pretório Excelso julgou recentemente, sob a sistemática da repercussão geral, o Recurso Extraordinário n. 574.706/PR (Tema 69/STF), no qual sedimentou a seguinte tese jurídica: "O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS".

Nesse sentido, vale transcrever a ementa do aresto utilizado como referência (RE 574.706/PR - Tema 69/STF):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO.1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS.2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação.3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. 4. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações. 5. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS (STF, RE 574706, rel. Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, j. 15-03-2017).

Fixada essa premissa inicial, desvela-se que a insurgente pretende, no presente reclamo, transportar para o campo de incidência do ICMS as razões de decidir que levaram à exclusão desse imposto da base de cálculo do PIS e da COFINS.

No entanto, o julgamento do paradigma em questão (Tema 69/STF) não antagoniza com o Tema 214/STF (RE 582.461/SP) da mesma Corte, que firmou orientação, também em sede de repercussão geral, no sentido de que "é constitucional a inclusão do valor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS na sua própria base de cálculo".

Eis a ementa do julgado (RE 582.461/SP - Tema 214/STF):

1. Recurso extraordinário. Repercussão geral. 2. Taxa Selic. Incidência para atualização de débitos tributários. Legitimidade. Inexistência de violação aos princípios da legalidade e da anterioridade. Necessidade de adoção de critério isonômico. No julgamento da ADI 2.214, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 19.4.2002, ao apreciar o tema, esta Corte assentou que a medida traduz rigorosa igualdade de tratamento entre contribuinte e fisco e que não se trata de imposição tributária. 3. ICMS. Inclusão do montante do tributo em sua própria base de cálculo. Constitucionalidade. Precedentes. A base de cálculo do ICMS, definida como o valor da operação da circulação de mercadorias (art. 155, II, da CF/1988, c/c arts. 2º, I, e 8º, I, da LC 87/1996), inclui o próprio montante do ICMS incidente, pois ele faz parte da importância paga pelo comprador e recebida pelo vendedor na operação. A Emenda Constitucional nº 33, de 2001, inseriu a alínea "i" no inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal, para fazer constar que cabe à lei complementar "fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço". Ora, se o texto dispõe que o ICMS deve ser calculado com o montante do imposto inserido em sua própria base de cálculo também na importação de bens, naturalmente a interpretação que há de ser feita é que o imposto já era calculado dessa forma em relação às operações internas. Com a alteração constitucional a Lei Complementar ficou autorizada a dar tratamento isonômico na determinação da base de cálculo entre as operações ou prestações internas com as importações do exterior, de modo que o ICMS será calculado "por dentro" em ambos os casos. 4. Multa moratória. Patamar de 20%. Razoabilidade. Inexistência de efeito confiscatório. Precedentes. A aplicação da multa moratória tem o objetivo de sancionar o contribuinte que não cumpre suas obrigações tributárias, prestigiando a conduta daqueles que pagam em dia seus tributos aos cofres públicos. Assim, para que a multa moratória cumpra sua função de desencorajar a elisão fiscal, de um lado não pode ser pífia, mas, de outro, não pode ter um importe que lhe confira característica confiscatória, inviabilizando inclusive o recolhimento de futuros tributos. O acórdão recorrido encontra amparo na jurisprudência desta Suprema Corte, segundo a qual não é confiscatória a multa moratória no importe de 20% (vinte por cento). 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento (STF, RE 582461, rel. Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 18-05-2011, grifou-se).

Ora, as interpretações jurídicas realizadas para aferir a base de cálculo do PIS e da COFINS não podem ser consideradas para, por si só, caracterizarem overruling do entendimento consolidado quanto à constitucionalidade da inclusão do valor do ICMS na sua própria base de cálculo.

Isso porque a questão envolve tributos distintos, que possuem legislação específica, e por isso devem ser interpretados de forma individualizada, em julgados próprios, com análise aprofundada de suas peculiaridades, para definir orientação jurisprudencial acerca de suas bases imponíveis.

A propósito, nos autos dos Embargos de Declaração opostos contra a decisão proferida no RE 574.706/PR - Tema 69/STF, o STF fez constar, in verbis:

[...]2...

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