Acórdão Nº 0311494-84.2017.8.24.0020 do Terceira Câmara de Direito Público, 12-04-2022

Número do processo0311494-84.2017.8.24.0020
Data12 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0311494-84.2017.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador SANDRO JOSE NEIS

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA APELANTE: SONIA COSTA RÉU: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de Recursos de Apelação interpostos pelo Estado de Santa Catarina e por Sônia Costa, representada por seu curador Luiz Carlos Costa, contra a sentença prolatada nos autos da "Ação de Revisão de Valor de Pensão Especial c/c Restabelecimento do Benefício" n. 0311494-84.2017.8.24.0020, que julgou procedente o pedido, condenando o Estado ao restabelecimento da pensão especial em um salário mínimo mensal e ao pagamento das importâncias suprimidas desde o cancelamento do benefício, devendo ser adimplidos os valores de uma só vez, com correção monetária e juros de mora na forma do art. 1º-F, da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09. (Evento 33, SENT44, Eproc/PG).

Os Embargos de Declaração opostos pela Autora restaram rejeitados (Evento 38, PET47, e, Evento 53, DEC57, Eproc/PG).

Em suas razões, o Estado defende a reforma da sentença ao argumento de que a Apelada não preenche os requisitos legais exigidos para ser beneficiária com a verba assistencial por possuir renda familiar superior a 2 (dois) salários mínimos. Aduz que a concessão da pensão por meio de decisão judicial, representa a violação "não só do princípio da separação dos poderes (art. 2º, CRFB) como da justeza (conformidade funcional), vez que o ato é de competência exclusiva dos Poderes Executivos e Legislativo". Insurge-se, também, quanto aos consectários legais, entendendo que o índice base da correção monetária deve ser a TR a partir do trânsito em julgado, e ainda, no que se refere à fixação de honorários advocatícios, requereu a minoração da verba. Por fim, pugna pelo prequestionamento da matéria (Evento 42, PET51, Eproc/PG).

Por sua vez, a Autora/Apelante defende a reforma do decisum apenas para que seja fixado como índice de correção monetária "sobre as parcelas vencidas de benefícios conquistados na via judicial, a partir de 30/06/2009, o IPCA-E" (Evento 59, PET132, Eproc/PG).

Contrarrazões pelas partes (Evento 60, PET133, e, Evento 66, PET138, Eproc/PG).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em manifestação do eminente Procurador de Justiça João Fernando Quagliarelli Borrelli, opinou pelo declínio da competência ao Juizado Especial Fazendário, remetendo-se o feito à Turma Recursal competente (Evento 14, PET6, Eproc/SG).

Vieram os autos.

É o relatório

VOTO

1. Justiça gratuita.

Defiro a gratuidade da justiça em favor da Autora/Apelante, eis que comprovada a sua hipossuficiência.

2. Admissibilidade Recursal.

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço dos Recursos.

3. Mérito do Recurso interposto pelo Estado.

Benefício Assistencial - Pensão Graciosa.

O Estado considera indevido o restabelecimento do benefício assistencial à Apelada, porquanto possui renda familiar superior a 2 (dois) salários mínimos, conforme "os comprovantes de renda apresentados pela recorrida quando do recadastramento anual deram conta de que a renda familiar mensal é de R$ 2.385,35 (dois mil e trezentos e oitenta e cinco reais e trinta e cinco centavos)" (Evento 42, PET51, Eproc/PG).

Pois bem.

Ressalto que, ao tempo do ingresso da demanda judicial, estava em vigor a Lei Estadual n. 16.063/2013 (que embasou a sentença combatida), posteriormente revogada pela consolidação da Lei Estadual n. 17.428/2017, que manteve a previsão de que o benefício em questão possui caráter assistencial, e, sobre a sua concessão e o seu cancelamento estabelece as seguintes condições (com destaques adicionados):

Art. 1º Fica o Estado autorizado a conceder mensalmente pensão especial:

I - a pessoa com hanseníase, egressa do Hospital Santa Teresa de Dermatologia Sanitária e incapacitada para o trabalho;

II - a pessoa com deficiência intelectual grave ou profunda, catalogada sob os códigos F72 ou F73 na Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10), e definitivamente incapaz para o trabalho; e

III - a pessoa com epidermólise bolhosa, seja qual for a sua classificação, desde que definitivamente incapaz para o trabalho.

§ 1º São requisitos para a concessão da pensão especial, além dos demais constantes desta Lei:

I - estar domiciliado no Estado há, no mínimo, 2 (dois) anos; e

II - possuir renda familiar mensal inferior ou igual a 2 (dois) salários mínimos nacionais.

§ 2º Para fins do requisito de que trata o inciso II do § 1º deste artigo:

I - será majorado em 1 (um) salário-mínimo o limite da renda familiar mensal quando houver mais de um beneficiário na mesma família, desde que possuam o mesmo representante legal e domicílio; e

II - não será computado o valor do benefício de que trata a Lei federal nº 11.520, de 18 de setembro de 2007.

Art. 9º Constituem causas para o cancelamento do pagamento das pensões especiais de que trata esta Lei:

I - morte do beneficiário;

II - exercício de atividade laboral remunerada pelo beneficiário;

III - comprovação de que os pais, tutores ou curadores passaram a perceber renda mensal familiar superior ao limite estabelecido para a concessão do benefício;

IV - alteração positiva do laudo de seguimento;

V - mudança de domicílio para outro Estado ou para o exterior; e

VI - ausência de recadastramento ou não apresentação da documentação necessária, observado o disposto nos §§ 4º e 5º do art. 8º desta Lei.

Na espécie, verifica-se que a Autora é portadora de retardo mental severo CID F32 e não possui condições de exercer qualquer atividade laboral, sendo absolutamente dependente de seus familiares, acamada e desprovida de qualquer rendimento financeiro, percebendo o benefício assistencial desde 09/08/1983, no valor de 1 (um) salário mínimo (conferido pela Lei Estadual n. 6.185/82), o qual foi cancelado, administrativamente, por ocasião do recadastramento anual obrigatório, exigido pela Lei Estadual n. 16.063/2013. Narra na inicial, entretanto, que "a cessação o benefício, com base em lei nova, feriu o direito já adquirido pela Requerente no ano de 1983, que lhe garantiu o recebimento de uma pensão mensal por mais de 32 (trinta e dois anos), cujo pagamento jamais poderia ter sido interrompido por requisitos instituídos em lei nova" (Evento 1, PET1, INF4 a INF7, Eproc/PG).

Ainda assim, demonstra que foram acostados os documentos que comprovam a "renda da única pessoa responsável pela Beneficiária, seu irmão e curador, que recebia, naquela oportunidade, o salário base de R$ 1.155,47 (mil cento e cinquenta e cinco reais e quarenta e sete centavos), decorrente do seu labor na Fundação Educacional de Criciúma (CNPJ n.º 83.661.074/0001-04), além de uma pensão por morte previdenciária, no importe de R$ 788,00 (setecentos e oitenta e oito reais), que, somados, ultrapassam o requisito financeiros de 02 (dois) salários mínimos" (Evento 1, PET1, INF4 a INF7, Eproc/PG).

O fundamento utilizado para a interrupção do benefício usufruído pela Autora, que se deu na suposta aferição de renda familiar superior ao teto fixado, não deve ser analisado de maneira isolada, devendo ser levado em consideração o contexto familiar em que a beneficiária está inserida.

Resta clarividente, portanto, que o valor auferido pelo irmão e atual curador da Autora não é suficiente para a manutenção do núcleo familiar. Frise-se que o benefício é pago pelo Estado à Autora desde 09/08/1983, ou seja, há mais de 35 (trinta e cinco) anos, restando comprovado que compõe parte indispensável à subsistência familiar.

Neste sentido, colhe-se da jurisprudência, com os destaques pertinentes:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTABELECIMENTO DE PENSÃO GRACIOSA. BENESSE CANCELADA, NA VIGÊNCIA DA LEI ESTADUAL N. 16.063/2013, EM VIRTUDE DA GENITORA DO PENSIONISTA AUFERIR PROVENTOS DE APOSENTADORIA SUPERIORES A POUCO MAIS DE 2 (DOIS) SALÁRIOS MÍNIMOS. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA QUE COMPROVA A CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO GRUPO FAMILIAR. BENEFÍCIO DEVIDO. PRECEDENTES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "Vê-se que o critério de aferição da renda mensal prevista no art. 1º da Lei Estadual n. 16.063/2013 deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4029580-53.2018.8.24.0900, de Tubarão, rel. Jorge Luiz de Borba, Primeira Câmara de Direito Público, j. 12-02-2019). (TJSC, Apelação n. 0306581-20.2017.8.24.0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Júlio César Knoll, Terceira Câmara de Direito Público, j. 04-05-2021).

APELAÇÃO CÍVEL. PENSÃO GRACIOSA. CANCELAMENTO. RENDA FAMILIAR MENSAL SUPERIOR A 2 SALÁRIOS MÍNIMOS. DIFERENÇA POUCO EXPRESSIVA. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO QUE JUSTIFICAM A RELATIVIZAÇÃO DO CRITÉRIO LEGAL. GARANTIA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RESTABELECIMENTO DEVIDO...

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