Acórdão Nº 0311550-31.2018.8.24.0005 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 27-10-2022

Número do processo0311550-31.2018.8.24.0005
Data27 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0311550-31.2018.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador JAIME MACHADO JUNIOR

APELANTE: SANVIS ADMINISTRADORA DE BENS LTDA (RÉU) APELANTE: MARIANA ESTELA CRISTIANA SANTORO (RÉU) APELANTE: ANA LUCIA MARINA SANTORO (RÉU) APELANTE: LEONARDO MAXIMO SANTORO (RÉU) APELANTE: MIRELLA VINSENTIN IN SANTORO (RÉU) APELADO: GABRIELA PIA SANTORO (AUTOR)

RELATÓRIO

Sanvis Administradora de Bens Ltda. e outros interpuseram recurso de apelação cível contra sentença proferida pelo juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Balneário Camboriú que, nos autos da ação anulatória ajuizada por Gabriela Pia Santoro, julgou procedente a pretensão inicial, nos seguintes termos:

3 - Dispositivo

Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na petição inicial e, em consequência, procedo à anulação da decisão tomada na assembleia de quotistas da empresa Sanvis Administradora de Bens Ltda., realizada no dia 4/1/2019, em que foi aceita a proposta de compra do imóvel de matrícula n.º 80141, do 1º Registro de Imóveis de Balneário Camboriú, pela empresa Construtora e Incorporadora J. A. Russi Ltda., e declaro nulos quaisquer efeitos dela decorrentes.

Condeno a parte ré à satisfação das custas e despesas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da autora, fixados em 15% sobre o valor da causa atualizada. A adoção do percentual médio justificasse por causa da complexidade da matéria e da extensão da causa de pedir, mas sopesando a simplicidade da fase instrutória (fora ouvida apenas 1 pessoa).

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Comunique-se com urgência o relator do AI n.º 4031062-83.2019.8.24.0000, enviando-lhe cópia desta sentença.

Oportunamente, arquive-se.

Inconformados com a prestação jurisdicional entregue, alegam os apelantes, em síntese, a inexistência de decisão judicial de interdição da requerida Mirella Vinsentin in Santoro na data da assembleia, bem como que a questão referente ao quórum exigido no contrato social para a alienação do bem já restou superada no julgamento do Agravo de Instrumento n. 4003583-18.2019.8.24.0000 por esta Terceira Câmara de Direito Comercial, com trânsito em julgado.

Pautou-se, nesses termos, pelo provimento do apelo.

Com contrarrazões, os autos ascenderam a esta Corte e vieram conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

Considerando que o decisum objurgado restou proferido sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, a análise do reclamo ficará a cargo do mencionado diploma legal.

A celeuma envolve a deliberação assemblear que autorizou a alienação do imóvel de matrícula de n. 80141 do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Balneário Camboriú/SC por 87,50% do capital social.

Na sentença, acerca do quórum de votação para tal deliberação, o togado singular fundamentou que:

2.5 Do quorum necessário para a alienação de imóvel da sociedade

Com relação ao quorum necessário para a votação, sorte socorre a autora.

É que a cláusula 8ª da 3ª alteração contratual da empresa ré (vigente na data da assembleia ora em discussão) prevê:

"A administração da sociedade cabe única e exclusivamente à sócia MIRELLA VISENTIN IN SANTORO com os poderes e atribuições de ADMINISTRADORA, autorizado o uso do nome empresarial, vedado, no entanto, em atividades estranhas ao interesse social ou assumir obrigações seja em favor de qualquer dos quotistas ou de terceiros, bem como onerar ou alienar imóveis da sociedade, sem autorização expressa dos outros sócios. (artigos 997, VI; 1.013, 1.015, 1064, CC/2002)" (grifado no original, sic).

Entendo, destarte, que há quorum qualificado previsto na 3ª alteração do contrato social da empresa que exige unanimidade entre os sócios para a venda dos imóveis pertencentes à sociedade.

Os réus, na contestação, argumentam que esta cláusula só se aplica à venda de imóveis por parte do administrador da empresa, de forma isolada, e que a interpretação é de que se exige maioria simples e não unanimidade.

No entanto, confiro interpretação diferente à tal cláusula, concordando com a tese da autora.

Primeiro, porque na frase "onerar ou alienar imóveis da sociedade, sem autorização expressa dos outros sócios" (sublinhei), pela expressão "outros sócios" entende-se todos os demais sócios precisam aquiescer com o negócio, porque se um não autoriza (como no caso em tela), não há propriamente dito "autorização expressa dos outros sócios" (já que um não autorizou). Se fosse por maioria, por exemplo, isso deveria constar no texto, e não o contrário. A ausência das palavras "todos" ou "maioria" enseja a conclusão inequívoca que é preciso que todos concordem, diversamente do que aduzem os réus, e não apenas uma parte deles.

Segundo, porque o fato de a cláusula 8ª estar localizada topologicamente, na alteração contratual, logo abaixo do subtítulo "da administração", não denota que tudo abaixo disso refira-se apenas ao administrador. Basta ver que as cláusulas 11 em diante não dizem respeito à figura do administrador e mesmo assim não há outro substítulo separando os assuntos.

De qualquer forma, na contestação os réus admitem que a 3ª alteração do contrato social "exige que as discussões envolvendo oneração ou alienação de bens imóveis da sociedade sejam submetidas para debate e deliberação entre os sócios". É evidente que isso refere-se a todas as discussões sobre a venda do patrimônio imobiliário da empresa, pois não haveria qualquer razoabilidade em exigir unanimidade (como é a redação da parte final da cláusula 8ª) quando a intenção de venda partir do administrador nomeado e uma maioria simples quando a iniciativa partir de outro sócio, que não exerça a administração da sociedade. Se em ambos os casos é imprescindível a realização de assembleia/reunião extraordinária de quotista para votação sobre a venda do imóvel, inexiste explicação razoável que imponha quóruns diferentes. Inclusive, isso poderia ensejar até simulação entre os sócios para, a depender do interesse pessoal, escolher o quórum a que a votação seria submetida, o que não se pode admitir.

Tanto é equivocada a interpretação dos réus que, prevalecendo o entendimento deles, isso impactaria na interpretação do art. 1015 do CC/02, que se encontra na seção "da administração" e prevê que "os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir".

Destarte, julgando necessária a unanimidade dos sócios para alienação do imóvel da empresa e não havendo concordância da autora - afora a questão da incapacidade da ré Mirella -, reconheço a ilegalidade da votação ocorrida na assembléia do dia 4/1/2019, em que foi aceita a proposta de compra enviada pela construtora J. A. Russi.

Ocorre, todavia, que tal entendimento adotado pelo juízo de origem viola a coisa julgada, ao passo que a questão já restou analisada por este Órgão Fracionário na sessão de 15-08-2019, cujo acórdão de minha relatoria afirmou a inexistência de disposição contratual quanto à aprovação por unanimidade, sendo, portanto, válida a venda aprovada por 87,50% do capital social, com trânsito em julgado em 24-06-2020.

O aresto restou assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSEMBLEIA GERAL. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL DA SOCIEDADE. DECISÃO RECORRIDA QUE DEFERIU O PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA FORMULADO PELA SÓCIA MINORITÁRIA CONSISTENTE NA ORDEM DE SUSPENSÃO DOS EFEITOS DA DELIBERAÇÃO EM ASSEMBLEIA PARA A VENDA DO BEM. INSURGÊNCIA DOS SÓCIOS REMANESCENTES. PRETENDIDA REFORMA DO DECISUM. ACOLHIMENTO. INEXISTÊNCIA DE EXPRESSA DISPOSIÇÃO NO CONTRATO SOCIAL QUANTO À APROVAÇÃO POR UNANIMIDADE PARA A REALIZAÇÃO DE ATOS TENDENTES À ALIENAÇÃO OU À ONERAÇÃO DE BENS IMÓVEIS DA EMPRESA. VENDA APROVADA POR 87,50% DO CAPITAL SOCIAL, COM NEGATIVA APENAS DA AGRAVADA, QUE É IRMÃ E FILHA DOS DEMAIS SÓCIOS. ALEGAÇÃO ADICIONAL DE INCAPACIDADE CIVIL DA GENITORA. AUSÊNCIA DE PROVA INEQUÍVOCA. INEXISTÊNCIA DE REGULAR INTERDIÇÃO. CAPACIDADE CIVIL QUE SE PRESUME. FALTA DE FUNDAMENTO JURÍDICO NA EXORDIAL A SUSTENTAR TAL QUESTÃO COMO VÍCIO DE CONSENTIMENTO, NAS HIPÓTESES LEGAIS DO ART. 171 DO CÓDIGO CIVIL. MANIFESTAÇÃO GENÉRICA. É preceito basilar no nosso ordenamento jurídico de que a capacidade civil se presume, ou seja, é a regra, e a incapacidade a exceção. Logo, no caso, não havendo ainda interdição, há de se presumir a capacidade da sócia majoritária, cabendo a quem de direito realizar prova cabal acerca da incapacidade, sendo que até a data da decisão combatida sequer existia pedido judicial de interdição. "A regra geral, como é óbvio, é que todas as pessoas maiores são capazes; as incapacidades devem ser declaradas pelo ordenamento, decorrendo de procedimento próprio. A capacidade se presume; a incapacidade deve ser comprovada" (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. vol. VI, 3ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 423/424) (TJSC, Apelação Cível n. 0300338-98.2014.8.24.0119, de Garuva, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 21-06-2018, grifou-se). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 4003583-18.2019.8.24.0000, de Balneário Camboriú, rel. Jaime Machado Junior, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 15-08-2019). (Grifou-se).

Extrai-se do voto:

Alegam os agravantes que a discussão reside na interpretação equivocada pelo juízo de origem da cláusula oitava da terceira alteração do contrato social quanto à aprovação por unanimidade dos sócios para os atos que resultem na oneração ou alienação de bens imóveis da sociedade.

Relatam que "A disposição contida na cláusula 8ª do contrato social representa, evidentemente, uma limitação da atuação do administrador em face dos sócios, ou seja, exige que as discussões envolvendo oneração ou alienação de bens imóveis da sociedade sejam submetidas para debate e deliberação entre os sócios. Entretanto, a referida cláusula não cria um quórum qualificado para deliberação, e, definitivamente, não exige unanimidade dos sócios para prática do referido ato".

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT