Acórdão Nº 0311801-13.2019.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 29-07-2021

Número do processo0311801-13.2019.8.24.0038
Data29 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0311801-13.2019.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO


APELANTE: BARCELONA SECURITIZADORA S.A. (EXEQUENTE) APELADO: RECICOLOR ENOBRECIMENTO TEXTIL LTDA (EXECUTADO) APELADO: ANDRE ADAMI (EXECUTADO)


RELATÓRIO


BARCELONA SECURITIZADORA S.A. interpôs recurso de apelação da sentença proferida pelo juízo da 1º Vara de Direito Bancário da Comarca de Joinville, nos autos da ação de execução de título extrajudicial proposta pela ora apelante contra RECICOLOR ENOBRECIMENTO TEXTIL LTDA, que extinguiu o processo sem resolução do mérito, nestes termos:
Trata-se de ação de execução de título extrajudicial aforada por BARCELONA SECURITIZADORA S/A em desfavor de RECICOLOR ENOBRECIMENTO TEXTIL LTDA e ANDRE ADAMI, com fundamento no Contrato particular de promessa de cessão e transferência de direitos de crédito, responsabilidade solidária e outras avenças nº 95, de 12/02/2015.
Sustenta a exequente que firmou contrato de cessão de créditos relacionado a títulos da empresa sacada Tapetes São Carlos Ltda, assim como diversos termos aditivos. Afirmou que, não houve o adimplemento regular dos títulos, e que, por força de previsão contratual, os demandados deveriam recomprar as duplicatas emitidas e não pagas. Requereu a procedência da demanda e juntou documentos (evento 1).
Em respeito à decisão surpresa, nos termos dos arts. 9º e 10 do CPC/2015, foi determinada a intimação da exequente para esclarecimentos a respeito de eventual ilegitimidade passiva dos executados (evento 35).
Intimada, a exequente requereu o prosseguimento do feito sob o fundamento de que exerce atividade de securitização, e não de faturização, motivo pelo qual seriam legítimos os ocupantes indicados no polo passivo.
Além disso, reiterou o argumento de que haveria expressa previsão contratual de que o cedente se obrigaria a recomprar os títulos cujo pagamento não fosse devidamente realizado (evento 38).
Em seguida, os autos vieram-me conclusos.
É a síntese do necessário. Decido:
Consta no polo ativo desta demanda a empresa Barcelona Securitizadora S.A..
Alega a autora que exerce atividade de securitização, entretanto, pela análise dos autos, percebo que a relação exposta bem como os contratos apresentados assemelham-se à atividade de faturização.
A prática de atividade de fomento mercantil, pressupõe que a empresa de factoring preste serviços aos clientes com o objetivo de expandir ativos, avaliar fornecedores e sacados, aumentando as vendas e extinguindo eventuais endividamentos.1
Sobre o tema, destaco os ensinamentos constantes em trecho do acórdão lavrado pelo Desembargador Fernando Carinoni:
"Vejamos o escólio de Rogério Alessandro de Oliveira Castro:
'[...] atualmente, o factoring é um contrato celebrado entre uma empresa, geralmente aquela que tem carência de crédito junto a bancos, e uma sociedade de factoring, em que esta compromete-se a prestar àquela, de forma contínua e cumulativa, serviços de assessoria creditícia, mercadológica e contábil, como condição para compra dos créditos com minimização dos riscos e, por conseqüência, dos fatores (taxa de desconto aplicada para compra do título)' (ob. cit., p. 32).
Em verdade, da análise de todos os conceitos apresentados, o que realmente interessa à espécie é que a temática da atividade de factoring, basicamente, perfaz-se na obtenção de direitos de crédito que correspondem, segundo Fernando Netto Boiteux, "à venda do faturamento de uma empresa" (ob. cit., p. 232).
(...)
Importante frisar, ademais, que não há legislação específica sobre a matéria. Todas as questões são dirimidas pela legislação civil e comercial aplicáveis a cada caso.
Conforme Antonio Carlos Domini, inexiste legislação específica regulamentando o factoring. Entretanto, ressalta o referido autor que o direito positivo o socorre, destacando o direito civil quanto às questões referentes à cessão de crédito e prestação de serviços e o direito mercantil, o qual regula o direito cambiário, títulos de crédito, especialmente o endosso (ob. cit., p. 66).'
(...)
Isso porque as operações de factoring não se podem resumir à captação e intermediação de recursos financeiros de terceiros, visando à simples antecipação de crédito por títulos sacados contra terceiros, pois tal conduta, isoladamente, representa específica e privativa atividade das instituições financeiras, consoante o art. 17 da Lei n. 4.595/64, alterado pela Lei n. 7.492/86, que em seu art. 1o definiu-as como:
'Considera-se 'instituição financeira', para efeito desta Lei, a pessoa jurídica, de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.
Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:
I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança ou recurso de terceiros;
II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.'
Dessa forma, a fatorização deve corresponder a uma concreta soma de serviços prestados ao faturizado, sendo necessário que a empresa de factoring implemente ao menos duas operações ligadas ao seu conceito, para que possa reconhecer a legitimidade da compra e venda do respectivo faturamento, gerando recursos a fim de que o empresário realize sua atividade econômica.
Assim, o que resta vedado, podendo ser objeto de exame e investigação ex officio, é o desenvolvimento do factoring exclusivamente voltado a operação de compra e venda de créditos, representando mascarada, simulada concessão direta de empréstimo ao seu cliente, atuando como verdadeira instituição financeira, sem que para tanto tenha autorização ou pudesse desenvolver essa específica atividade conferida a entes específicos do Sistema Finaceiro Nacional (art. 192 da CRFB)" (Apelação Cível n. 2002.017623-6, de Blumenau, rel. Des. Fernando Carioni, j. 16/06/2005).
A atividade de securitização, por sua vez, é definida por Tomazette2
"representa uma oportunidade de captação de recursos junto ao público, com a emissão de novos títulos representativos de certos créditos (recebíveis) que foram adquiridos. Trata-se, em última análise, do uso de créditos futuros para emissão de valores mobiliários negociáveis no mercado".
Sobre o tema, destacam-se os arts. e , caput, da Lei nº 9.514:
"Art. 3º As companhias securitizadoras de créditos imobiliários, instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações, terão por finalidade a aquisição e securitização desses créditos e a emissão e colocação, no mercado financeiro, de Certificados de Recebíveis Imobiliários, podendo emitir outros títulos de crédito, realizar negócios e prestar serviços compatíveis com as suas atividades".
[...]
"Art. 8º A securitização de créditos imobiliários é a operação pela qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de crédito, mediante Termo de Securitização de Créditos, lavrado por uma companhia securitizadora, do qual constarão os seguintes elementos".
Por fim, é relevante mencionar a Resolução nº 2686 do Banco Central, a qual estabelece condições para a cessão de créditos à sociedades anônimas, sendo autorizada, de acordo com o art. 1º da referida resolução, a cessão dos créditos provenientes de "operações praticadas por bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades de arrendamento mercantil, companhias hipotecárias, associações de poupança e empréstimo e pela Caixa Econômica Federal a sociedades anônimas que tenham por objeto exclusivo a aquisição de tais créditos".
Ocorre que, no caso em apreço, analisando o contrato no evento 1, INF9 a INF12, constata-se que a essência do pacto e do seu objeto é de factoring, apenas recebendo o nome de securitização.
É o que se observa, por exemplo, pela leitura do contrato que em sua cláusula 1ª delimita o objeto do pacto como cessão e transferência de títulos de crédito emitidos em razão dos negócios comerciais (evento 1, INF10).
Ora, não há no contrato tampouco comprovação nos autos de que a empresa exequente adquiriu os ativos recebíveis da empresa executada para emitir novos valores mobiliários para negociação em mercado, operação que caracteriza a securitização.
Sobre a hipótese o e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina já manteve sentença de minha lavra. Neste sentido:
"APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. SENTENÇA PROCEDENTE. RECURSO DA EMBARGADA. PRELIMINARES QUE SE CONFUNDEM COM O MÉRITO. ANÁLISE POSTERGADA. MÉRITO. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE CESSÃO DE CRÉDITO, RESPONSÁVEL SOLIDÁRIO E OUTRAS AVENÇAS. ALEGAÇÃO DE QUE SE TRATA DE EMPRESA DE SECURITIZAÇÃO, O QUE EMBASARIA A REALIZAÇÃO DAS CESSÕES DE CRÉDITO, TRATANDO-SE NA VERDADE DE CONTRATO DE FACTORING E DE DESCONTO DE TÍTULOS. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE PREVÊ A RECOMPRA DOS TÍTULOS NO CASO DA NÃO LIQUIDAÇÃO DOS MESMOS. IMPOSSIBILIDADE. PRÁTICA INCOMPATÍVEL COM A ATIVIDADE DE FOMENTO MERCANTIL. RISCO ASSUMIDO PELA FATURIZADORA (APELANTE) EM RAZÃO DO DESÁGIO PAGO AO ADQUIRIR OS TÍTULOS DOS FATURIZADOS/EMBARGADOS. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DOS RESPECTIVOS VALORES. SENTENÇA MANTIDA. Recurso improvido." (TJSC, Ap. Cív. n. 0321561-59.2014.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 17-08-2017). (Destaquei).
Da íntegra do acórdão, colhe-se:
"A apelante/embargada destaca que o contrato firmado entre as partes não se enquadra como contrato de factoring, mas sim um contrato de securitização, que visa à cessão de crédito, o que é plenamente exequível.
Analisando...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT