Acórdão Nº 0312167-05.2016.8.24.0023 do Segunda Câmara de Direito Civil, 30-01-2020

Número do processo0312167-05.2016.8.24.0023
Data30 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0312167-05.2016.8.24.0023, de Capital

Relator: Desembargador Rubens Schulz

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CUSTEIO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO PROSTÁTICO. RECUSA ADMINISTRATIVA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE RÉ.

COBERTURA DE PROCEDIMENTO QUE ATENTA CONTRA DIRETRIZES DA AGÊNCIA REGULADORA DE PLANOS DE SAÚDE. NEGATIVA FUNDADA EM SUPOSTA BOA-FÉ. INSUBSISTÊNCIA. PROCEDIMENTO QUE CONTA COM MINUDENTE RELATÓRIO MÉDICO E INDICAÇÃO EXPRESSA DOS MOTIVOS PARA SUA IMPLEMENTAÇÃO. OBJETIVO DE DAR CONTINUIDADE AO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DA SAÚDE E EXTIRPAÇÃO DA DOENÇA. VALORAÇÃO DO APONTAMENTO MÉDICO. PRECEDENTES.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0312167-05.2016.8.24.0023, da comarca da Capital (3ª Vara Cível), em que é Apelante Bradesco Saúde S/A e Apelada Pedro Manoel dos Santos.

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar parcial provimento apenas no ponto quanto à limitação do dever de indenizar, a fim de que o montante de reparação patrimonial possa ser limitada pelas tabelas de remuneração de honorários médicos da apelante, com valor a apurar em fase de liquidação. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Jorge Luis Costa Beber, presidente com voto, o Exmo. Sr. Des. Rubens Schulz e a Exma. Sra. Desa. Rosane Portella Wolff.

Florianópolis, 30 de janeiro de 2020.

Desembargador Rubens Schulz

RELATOR


RELATÓRIO

Pedro Manoel dos Santos ajuizou ação indenizatória em face da Bradesco Seguros. Aduziu que firmou com a ré contrato de seguro de serviços médicos e hospitalares e que, no curso do pacto, em razão de mal que lhe acometeu a próstata, recebeu a indicação para retirada integral do órgão por meio de assistência robótica. Argumentou que postulou administrativamente o custeio pelo réu, sendo este negado. Disse que, então, pagou por sua conta a despesa do procedimento. Requereu fosse a ré condenada a ressarcir o custo do procedimento e a também pagar indenização por dano moral.

A requerida apresentou a contestação alegando que o procedimento objeto desta lide não tem previsão no rol regulamentar da agência suplementar de saúde, que o autor não preencheu os requisitos da normatização administrativa para a concessão, que houve boa-fé na negativa da cobertura e, ainda, que o fato não constituiu dano moral indenizável (fls. 168-191).

Após a manifestação à contestação (fls. 495-507), sobreveio a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando a ré a restituir o prejuízo material na monta de R$ 53.600,00 (cinquenta e três mil e seiscentos reais) (fls. 508-515).

Irresignado, o réu interpôs a apelação. Sustent que o contrato objeto desta lide fez lei entre as partes, que a cobertura postulada pela parte autora e conferida pela sentença não observa diretrizes da ANS para a concessão de tal procedimento, que a negativa mostrou-se lícita e em conformidade com o ordenamento jurídico. Ainda, argui que o contrato tem cláusula que limita o reembolso em casos de procedimentos realizados fora da rede médica da parte ré. Apresenta prequestionamento de certos dispositivos de lei e postula o provimento do apelo, com a reforma do julgado (fls. 519-538).

Com as contrarrazões (fls. 543-557), ascenderam os autos.

Este é o relatório.


VOTO

Presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conhece-se do recurso e passa-se ao exame do seu objeto, à luz do Código de Processo Civil de 2015, pois a sentença recorrida foi publicada já na sua vigência.

Destaca-se, ademais, que a apreciação do presente recurso, em detrimento de outros que estão há mais tempo conclusos neste gabinete, não afronta o critério cronológico de julgamento dos processos, previsto no art. 12 do Código de Processo Civil. Ao revés, valendo-se da interpretação do parágrafo 2º do referido artigo, tratando-se de causa relativamente simples, antecipar o seu julgamento privilegia a celeridade e a economia processual e contribui para o desafogamento do Judiciário, uma das diretrizes da novel legislação.

A ré interpôs recurso de apelação objetivando a desconstituição da obrigação de pagar quantia certa determinadas no julgado da origem.

Aprecia-se, pois, os pontos da insurgência recursal.

1 COBERTURA CONTRATUAL DO TRATAMENTO

Cumpre de plano destacar que ao caso aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, ante o enquadramento da autora/apelante como consumidor final e a operadora do plano de como fornecedora de serviços. O art. 3º, § 2º, do Diploma Consumerista, prevê claramente que serviço "é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista", razão pela qual inegável a aplicabilidade das normas protetivas ao consumidor no caso, inclusive matéria sumulada pelo eg. Superior Tribunal de Justiça (Súm. 608, STJ).

A apreciação da lide, portanto, deve ser feita com este prisma consumerista.

Ora, perscrutando detidamente os autos, chama a atenção deste relator os pormenorizados aspectos fáticos que constituem a indicação médica para a realização do exame e que foi juntada pelo consumidor (fl. 134).

Dessome-se destas que, com os exames médicos realizados, ainda em 2016, verificou-se que o autor estava acometido de neoplasia relevante e considerável na próstata, havendo recomendação expressa da remoção radical do órgão:

Informo, com consentimento do paciente - o Sr Pedro Manoel dos Santos - que o mesmo foi diagnosticado como portador de adenocarcinoma de próstata Gleason 3+3 envolvendo as regiões da zona periférica médica direita, apical esquerda e média esquerda em biópsia prostática realizada em 02 de Junho de 2016.

Diante da possibilidade de cura através do tratamento cirúrgico, foi optado pela realização de prostatectomia radical robótica ao invés da técnica aberta considerando superior ou, no mínimo, mesma eficácia oncológica associado ao benefício de menor sangramento intra-operatório, mais rápida recuperação pós-operatória, menor tempo de sondagem vesical, melhores índices de preservação de ereção e de continência urinária.

A superioridade a cirurgia robótica tem sido sustentada por inúmeros trabalhos científicos, incluindo o mais recente editorial publicado no respeitado Journal of Urology: "End Controversy: Robótica Prostatectomy is Winner da edição de Junho de 2016.

A realização do procedimento como se vê mostrava-se indispensável, com maior possibilidade de acerto de tratamento e cura.

Ora, havendo a indicação médica para o procedimento cirúrgico, mostra-se por ilegal a negativa de cobertura perpetrada, sendo pacífico o entendimento de que, prevista a moléstia a ser tratada no contrato firmado, descabe à operadora do plano de saúde a interferência e restrição no exame requisitado pelo médico assistente a partir de critérios administrativos fixados em normas aplicáveis aos planos de saúde.

A propósito, deste órgão fracionário, colaciono julgado recente de minha relatoria:

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. NEGATIVA DE EXAME PET/SCAN ONCOLÓGICO. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DA RÉ. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. QUESTÃO JÁ ANALISADA E AFASTADA, SEM RECURSO OPORTUNO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. PEDIDO NÃO CONHECIDO. MÉRITO. NEGATIVA DE EXAME SOB ALEGAÇÃO DE RESTRIÇÃO DE UTILIZAÇÃO PELA AGÊNCIA NACIONAL DA SAÚDE - ANS. DIRETRIZES DE UTILIZAÇÃO (DUT). INSUBSISTÊNCIA. ROL DA ANS DE CARÁTER EXEMPLIFICATIVO E QUE TRAZ UM CONTEÚDO MÍNIMO DE COBERTURA OBRIGATÓRIA. PATOLOGIA PREVISTA EM CONTRATO. VEDAÇÃO DE RESTRIÇÃO E/OU INTERFERÊNCIA PELA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE NO MÉTODO ELEITO PELO MÉDICO ASSISTENTE PARA TRATAMENTO E ACOMPANHAMENTO DA PACIENTE. DEVER DA RÉ EM CUSTEAR O EXAME. DANO MORAL. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL, QUE POR SI SÓ, NÃO ACARRETA ABALO ANÍMICO. AUSÊNCIA DE MAIORES REPERCUSSÕES PARA A PACIENTE. EXAME AUTORIZADO EM MENOS DE 15 (QUINZE) DIAS DO PEDIDO MÉDICO. INDENIZAÇÃO AFASTADA. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PROVIDO PARCIALMENTE (Apelação Cível n. 0023017-47.2013.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. Rubens Schulz, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 24-5-2018).

Do tema, oportuno, da jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça, extrai-se:

As operadoras de planos de saúde podem, por expressa disposição contratual, restringir as enfermidades a serem cobertas, mas não podem limitar os tratamentos a serem realizados, inclusive os medicamentos experimentais (AgInt no AgREsp n....

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