Acórdão Nº 0312376-70.2018.8.24.0033 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 10-06-2021

Número do processo0312376-70.2018.8.24.0033
Data10 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0312376-70.2018.8.24.0033/SC

RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN

APELANTE: BANCO J. SAFRA S.A (AUTOR) APELADO: DJONATHAM MACEDO (RÉU)

RELATÓRIO

1.1) Da inicial.

BANCO J. SAFRA S.A ajuizou Ação de Busca e Apreensão em face de DJONATHAM MACEDO, alegando, em síntese, que foi firmado contrato de financiamento para aquisição do veículo Honda EXL 4X4, placas EWS0011, com garantia de alienação fiduciária, a ser pago em 48 parcelas de R$981,83 .

Contudo, o réu encontra-se em mora desde a parcela n. 7, vencida em 18/08/2018, acarretando o vencimento antecipado da dívida.

Em razão do inadimplemento, não restou outra alternativa à parte autora senão a constituição em mora do devedor.

Ao final, requereu, liminarmente a busca e apreensão do objeto e, no mérito, a consolidação da posse e propriedade.

Atribuiu valor à causa e juntou documentos (evento 1, docs. 2/8).

1.2) Da contestação.

Devidamente citado, a parte requerida apresentou resposta, na forma de contestação, sustentando, preliminarmente, a cassação da liminar, ante a não constituição da mora e a infração ao direito de ampla defesa e contraditório.

No mérito, a descaracterização da mora ante a utilização da tabela price, a cobrança de tarifa de cadastro e avaliação de bem, além dos juros acima da média de mercado.

Destacou a quitação do contrato com a apreensão do veículo e a devolução do saldo, requerendo a improcedência dos pedidos.

1.3) Do encadernamento processual.

Deferiu-se a liminar (evento 5).

Impugnação à contestação ofertada (evento 32).

1.4) Da sentença.

Prestando a tutela jurisdicional, o Dr. Stephan Klaus Radloff prolatou sentença para:

"[...] Isso posto, JULGO, por sentença, EXTINTA a presente Ação de Busca e Apreensão, o que faço com suporte no art. 485, IV, do Código de Processo Civil. Condeno o autor ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 15% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º do Código de Processo Civil. Intime-se a instituição financeira para que, em 05 (cinco) dias a contar do trânsito em julgado, proceda à restituição do bem apreendido à parte ré, ou, na sua impossibilidade, deposite nos autos o equivalente em pecúnia devidamente atualizado pelo INPC, de acordo com a Tabela Fipe da época da apreensão, para fins de apuração de perdas e danos.(TJSC,AgravodeInstrumenton.4017561-33.2017.8.24.0000)."

1.5) Dos embargos declaratórios

O autor opôs embargos declaratórios, os quais foram rejeitados (evento 48).

1.6) Do recurso.

Inconformado com a prestação jurisdicional, o autor Banco J Safra SA interpôs o presente recurso de Apelação Cível, aduzindo, a falta de provas a comprovar a abusividade dos juros remuneratórios, a legalidade dos juros pactuados, pois não destoam da média de mercado, a aplicação do pacta sunt servanda, a existência de julgamento ultra e extra petita, a preclusão da purgação da mora, a minoração dos honorários advocatícios, a impossibilidade de revisar o contrato em sede de busca e apreensão.

Ao final, requereu o provimento do recurso.

1.6) Das contrarrazões

Aportada (evento 63).

Este é o relatório.

VOTO

.1) Do objeto recursal.

Compulsando os anseios recursais, observa-se que o cerne da celeuma em comento está atrelado à análise dos juros remuneratórios, mora e honorários advocatícios.

2.2) Do juízo de admissibilidade.

Conheço do recurso porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, eis que ofertado a tempo e modo, recolhido o devido preparo e evidenciado o objeto e a legitimação.

2.3) Das preliminares

2.3.1) Da impossibilidade da revisão

O banco apelante menciona que a presente ação não tem a finalidade de revisar qualquer valor, pois objetiva a retomada forçada do bem ante a mora do apelado.

Dispõe o Decreto-Lei 911/69:

Art 3º O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida Iiminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor.

[...]

§ 3o O devedor fiduciante apresentará resposta no prazo de quinze dias da execução da liminar.

Veja-se que, ao mencionar resposta, possibilitou o legislador a oferta de todas as modalidades de defesa previstas ao réu, quais sejam, contestação, reconvenção ou exceção. Assim, a parte poderá "invocar todos os argumentos de direito material ou processual que seriam aduzíveis em quaisquer outros procedimentos" (PEREIRA, Hélio do Valle. A nova alienação fiduciária em garantia: aspectos processuais. 2. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 87).

Já me manifestei a respeito:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO EMPRESARIAL E DECRETO-LEI 911/69. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONEXA COM AÇÃO REVISIONAL. IMPROCEDÊNCIA DAQUELA E PROCEDÊNCIA DESTA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PRELIMINARES. - I) REVISÃO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE. OFENSA AO PACTA SUNT SERVANDA. INOCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PROEMIAL AFASTADA. - II) NULIDADE DA SENTENÇA. REVISÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. PEDIDO FEITO EM CONTESTAÇÃO À AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. POSSIBILIDADE. [...] - II) A revisão das cláusulas contratuais do contrato de alienação fiduciária requerida na contestação a ação de busca e apreensão é admitida e não causa nulidade da sentença, porque poderá "invocar todos os argumentos de direito material ou processual que seriam aduzíveis em quaisquer outros procedimentos" (PEREIRA, Hélio do Valle. A nova alienação fiduciária em garantia: aspectos processuais. 2. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 87). [...]~. (TJSC, Apelação Cível n. 2010.076090-1, de Abelardo Luz, rel. Des. Guilherme Nunes Born, j. 12-08-2011).

No mesmo sentido, é da jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONTESTADA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO PARA PESSOA JURÍDICA COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. ANÁLISE, DE OFÍCIO, DE EVENTUAIS ABUSIVIDADES EXISTENTES NO CONTRATO BANCÁRIO QUE É VEDADA, EM RESPEITO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA OU DA CORRELAÇÃO. SÚMULA N. 381 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REVISÃO QUE É POSSÍVEL EM FACE DA ONEROSIDADE EXCESSIVA. ARTIGOS 6º, INCISOS IV E V, E 51, INCISO IV, AMBOS DOCÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. JUROS REMUNERATÓRIOS QUE NÃO ESTÃO LIMITADOS EM 12% (DOZE POR CENTO) AO ANO. ENUNCIADO N. I DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL.INADIMPLÊNCIA SUBSTANCIAL. MORA CARACTERIZADA ACOLHIMENTO DO PLEITO INICIAL, CONSOLIDANDO-SE A PROPRIEDADE E A POSSE PLENA EM FAVOR DO CREDOR DO NEGÓCIO FIDUCIÁRIO. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Apelação cível n. 2010.077668-1, de Brusque. Relator: Jânio Machado. Julgada em 30/06/2011).

Ademais, ressalva-se, a revisão da cláusulas contratuais é vedada quando procedida de ofício, conforme súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça, o que não ocorre no presente caso.

2.3.2) Da sentença extra petita

O apelante alega que inexistindo provas da abusividade do contrato, torna-se extra petita a sentença proferida, devendo ser reformada.

É cediço que o Magistrado não pode proferir sentença diversa daquela pedida ou considerar questões não levantadas pelas partes, sob pena de incorrer em julgamento extra ou ultra petita, ferindo o art. 492 do CPC, o que enseja a nulidade total ou parcial da sentença.

Disciplina o CPC:

Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional.

De acordo com DIDIER JR., BRAGA e OLIVEIRA:

[a] a decisão é ultra petita quando: [a.1] "concede ao demandante mais do que ele pediu"; [a.2] "analisa não apenas os fatos essenciais postos pelas partes como também outros fatos essenciais"; ou [a.3] "resolve a demanda em relação aos sujeitos que participaram do processo, mas também em relação a outros sujeitos, não-participantes" (op. cit. p. 344); [b] a decisão é extra petita quando: [b.1] "tem natureza diversa ou concede ao demandante coisa distinta de que foi pedida"; [b.2] "leva em consideração fundamento de fato não suscitado por qualquer das partes, em lugar daqueles que foram efetivamente suscitados"; ou [b.3] "atinge sujeito que não faz parte da relação jurídica processual" (op. cit. p. 347); e [c] a decisão é citra petita quando deixa de analisar: [c.1] "pedido formulado"; [c.2] "fundamento de fato ou de direito trazidos pela parte"; ou [c.3] "pedido formulado por um ou em face de um determinado sujeito do processo" (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação da tutela. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2013. v. 2. p. 350).

Neste prumo, no que concerne a decisão extra petita, sua ocorrência se dá quando os pedidos inaugurais são ignorados, sendo debatidos pleitos e fundamentos estranhos ao processo ou aos limites da causa de pedir, caracterizando-se verdadeira invenção por parte do juízo, não restando outra solução que a anulação do ato compositivo da lide por inegável error in procedendo.

No caso em apreço não se vê tal hipótese, uma vez que na contestação foi pleiteada a descaracterização da mora, em razão de vários encargos abusivos, tais como: tabela price, juros remuneratórios, capitalização de juros, tarifas administrativas (evento 32, CONT36), o que foi analisado, com base no contrato e verificado a inocorrência da mora.

Logo, não há qualquer vício na sentença recorrida.

Assim, esta preliminar é afastada.

2.4) Do mérito

2.4.1) O pacta sunt servanda.

A tese defendida pela parte apelante se esteia no fato de que o contrato deve ser mantido conforme pactuado, pois livremente aderido pela parte.

Entendido como aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor, fica valendo aqui a regra prevista no art. 6º, V, do CDC que prevê como direito básico do consumidor "a...

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