Acórdão Nº 0312530-88.2018.8.24.0033 do Segunda Câmara de Direito Civil, 30-09-2021

Número do processo0312530-88.2018.8.24.0033
Data30 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0312530-88.2018.8.24.0033/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0312530-88.2018.8.24.0033/SC

RELATORA: Desembargadora ROSANE PORTELLA WOLFF

APELANTE: FERPLAN CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA (RÉU) ADVOGADO: LUCIANE APARECIDA COELHO (OAB SC042050) APELADO: SERGIO LUIZ HEUSI (AUTOR) ADVOGADO: PEDRO TERRA TASCA ETCHEPARE (OAB SC024500) APELADO: ANDREA TONOLLI HEUSI (AUTOR) ADVOGADO: PEDRO TERRA TASCA ETCHEPARE (OAB SC024500)

RELATÓRIO

Sérgio Luiz Heusi e Andréa Tonolli Heusi ajuizaram a ação de rescisão contratual cumulada com indenização por danos materiais e morais e pedido de desconsideração da personalidade jurídica n. 0312530-88.2018.8.24.0033, em face de Ferplan Construtora e Incorporadora Ltda., perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Itajaí.

A lide restou assim delimitada, consoante relatório da sentença da lavra do magistrado Tanit Adrian Perozzo Daltoé (evento 36):

Cuida-se de ação ajuizada por SERGIO LUIZ HEUSI em face de FERPLAN CONSTRUTORA E INCORPORADORA LTDA, dizendo que o imóvel adquirido na planta através de contrato de promessa de compra e venda não foi entregue no prazo.

Requereram a resolução do contrato e a condenação da parte adversa ao pagamento da multa contratual, danos morais e a devolução dos valores pagos.

A tutela de urgência foi deferida.

Citada, a parte ré contestou afirmando que o atraso na entrega da obra ocorreu devidos à circunstâncias inesperadas.

Sucessivamente, rechaçou o pleito de aplicação da multa contratual, do pagamento de danos morais e à restituição dos valores pagos.

Houve réplica.

Na parte dispositiva da decisão constou:

ANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedentes os pedidos para:

a) declarar a rescisão do contrato.

b) condenar a demandada a restituir todos os valores pagos pela parte autora, corrigidos monetariamente pelo INPC a partir da data de cada pagamento até a efetiva devolução e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês desde a citação.

c) ao pagamento da multa contratual de 2% sobre o valor pago pela parte autora na data prevista para a entrega das chaves constante na fundamentação, com correção monetária pelo INPC a contar da data em que o imóvel deveria ter sido entregue, com juros simples de mora de 1% a.m., havidos da citação.

d) condenar a parte ré ao pagamento de R$ 10.000,00 para cada um dos autores por danos morais, corrigidos monetariamente pelo INPC do arbitramento (Súmula 362 do STJ) e acrescidos de juros simples de mora de 1% a.m., a contar do dano (data prevista para o término da obra constante na fundamentação) (Súmula 54 do STJ).

Diante da sucumbência mínima da parte autora, condeno a parte ré ao pagamento integral das custas e dos honorários, estes arbitrados em 15% do valor atualizado da condenação (art. 86, par. ún., do NCPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se.

Irresignada, a Requerida interpôs Recurso de Apelação (evento 45) aduzindo, em resumo, que: a) a demanda não poderia ter sido analisada tão somente e apenas sob a ótica da legislação consumerista, mas também considerando o disposto no Código Civil, notadamente no que concerne aos princípios da automia da vontade, força obrigatória do contrato, relatividade das convenções, boa-fé objetiva, equilíbrio econômico e função social do contrato; b) os Autores não são pessoas inexperientes, mas investidores, e a Autora é advogada, pelo que se conclui não serem hipossuficientes tecnicamente; c) a exordial apresenta versão inconsistente dos fatos; d) a cláusula 8ª, parágrafo único, do contrato, que dispõe sobre a prorrogação do prazo de entrega da obra por causas legítimas, não constitui afronta aos direitos do comprador, devendo ser reconhecida sua legalidade; e) as hipóteses de prorrogação previstas contratualmente consideram situações imprevisíveis ao controle do homem médio e da construtora Requerida; f) sempre foi de ciência dos Autores a possibilidade de extensão do prazo de entrega das chaves na hipótese de ocorrência de algum fato alheio à vontade da Requerida, que viesse a atrapalhar o normal andamento da obra, o que de fato ocorreu; g) "deve ser mantido ao contrato o exercício de liberdade em compromisso com o próximo, pautado exclusivamente em um interesse econômico particular não proibido, não cabendo ser revisado ou anulada suas condições por meras discordâncias interpretativas"; h) o ônus do atraso não restou transferido apenas aos Autores, uma vez que, incontroversamente, restou acertada a suspensão do pagamento das prestações a partir do atraso da obra, ainda em julho de 2017; i) o atraso se deu por fato alheio à vontade da Requerida, devendo ser reconhecida a ocorrência da causa excludente prevista no parágrafo único da cláusula 8ª; j) a interrupção do pagamento das parcelas gera prejuízo financeiro à Requerida ante a ausência de aporte do capital derivado do contrato, que seria investido na obra; k) mesmo que constatada a impontualidade da obra, tal circunstância não dá ensejo à rescisão do contrato por culpa da Requerida; l) em nenhum momento houve desequilíbrio contratual, pois, mesmo antes do termo contratual previsto para entrega da obra, restou ajustada a suspensão dos pagamentos pelos Autores; m) por consequência, mantido o contrato, deve ser afastada a condenação à devolução dos valores pagos pelos Autores; n) caso contrário, deve ser observada a dedução prevista na cláusula 6ª, § 1º, do instrumento contratual; o) ainda que mantida a rescisão, não faz jus a parte Autora ao pagamento da multa contratual, já que irão receber todos os valores pagos corrigidos e atualizados; p) ademais, a interrupção dos pagamentos afasta a incidência de qualquer penalidade pelo atraso na entrega; q) o atraso contratual constitui mero dissabor, sendo certo que os Autores não sofreram abalo psicológico e nem prejuízos à honra e moral; r) caso mantida a condenação, deve o montante indenizatório ser reduzido; e s) além disso, o atraso foi discutido entre as partes, que acordaram pela suspensão dos pagamentos.

Ao final, requereu o conhecimento e provimento do Recurso.

Com as contrarrazões (evento 53), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

Intimada (evento 2), a Requerida efetuou o pagamento do preparo mais uma vez, a fim de configurar o pagamento em dobro, haja vista não comprovado seu recolhimento no momento da interposição do Recurso (evento 10).

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do Recurso.

Trata-se, na origem, de ação de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel cumulada com indenização por danos materiais e morais e pedido de desconsideração da personalidade jurídica movida por Sérgio Luiz Heusi e Andréa Tonolli Heusi em face de Ferplan Construtora e Incorporadora Ltda., cuja causa de pedir está relacionada ao atraso na entrega de unidade habitacional adquirida pelos Autores, em que pleiteavam os Requerentes a rescisão do instrumento particular de compra e venda, a restituição dos valores pagos, a aplicação da multa contratual e a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos morais.

Em sentença, o magistrado de origem acolheu em parte os pedidos iniciais para declarar a rescisão do contrato, determinar a restituição dos valores pagos, ordenar o pagamento de multa contratual de 2% (dois por cento) sobre as quantias adimplidas pelos Autores, e condenar a Ré ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada Autor.

A Requerida, em seu Apelo, pleiteia a reforma da sentença sob os argumentos de que (i) a demanda deve ser analisada também sob a ótica do Código Civil, mormente porque os Autores não são pessoas hipossuficientes tecnicamente, (ii) não está em mora quanto à entrega do empreendimento, mormente porque o próprio contrato prevê hipóteses de prorrogação do prazo e houve a suspensão da cobrança das prestações ainda em julho de 2017, (iii) eventual impontualidade não autoriza a rescisão do contrato por culpa da Requerida e, por consequência, deve ser afastada a determinação de devolução dos valores e de pagamento de multa e indenização por danos morais, (iv) caso mantida a ordem de restituição dos valores pagos, imperiosa a dedução de 12% (doze por cento) prevista na cláusula 6ª, § 1º, do instrumento contratual, (v) o pagamento da multa contratual deve ser afastado, já que os Autores receberão todos os valores pagos, devidamente corrigidos e atualizados, (vi) a interrupção dos pagamentos afasta a incidência de qualquer penalidade pelo atraso na entrega, (vii) eventual atraso na entrega da obra constitui mero aborrecimento, sem o condão de gerar abalo anímico indenizável, e (viii) caso mantida a condenação, imperiosa a redução do quantum indenizatório.



1 Da legislação aplicável

Inicialmente, cumpre salientar que a presente demanda deve ser analisada sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, enquadrando-se os Autores no conceito de consumidores e a Requerida no conceito de fornecedora previstos na legislação consumerista.

Outrossim, ao contrário do que tenta fazer crer a Requerida, patente a vulnerabilidade técnica dos Autores, que, pelos elementos de prova amealhados, não atuam no ramo imobiliário.

Ademais, ainda que a unidade habitacional tivesse sido adquirida para fins de investimento, o que não restou demonstrado nos autos, tal circunstância, por si só, não teria o condão de afastar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

A propósito:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. RECURSO DA CORRÉ.ALEGADA NULIDADE DO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELA DECISÃO RECORRIDA. INVIABILIDADE DE ESQUADRINHAMENTO PELA CORTE. DOCUMENTOS APRESENTADOS NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO. CONHECIMENTO OBSTADO, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO NÃO CONHECIDO NO TÓPICO."Ventilada no recurso tese não apreciada na decisão recorrida, ainda que seja tema cognoscível de...

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