Acórdão Nº 0313002-90.2016.8.24.0023 do Quinta Câmara de Direito Público, 12-08-2021

Número do processo0313002-90.2016.8.24.0023
Data12 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualRemessa Necessária Cível
Tipo de documentoAcórdão
Remessa Necessária Cível Nº 0313002-90.2016.8.24.0023/SC

RELATORA: Desembargadora DENISE DE SOUZA LUIZ FRANCOSKI

PARTE AUTORA: INEPAR S.A. INDUSTRIA E CONSTRUCOES EM RECUPERACAO JUDICIAL PARTE RÉ: ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso de apelação cível interposto pelo Estado de Santa Catarina contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados nos autos da Ação Indenizatória c/c Pedido de Reparação por Perdas e Danos n. 0313002-90.2016.8.24.0023, ajuizada por Inepar S.A. Industria e Construções em Recuperação Judicial, bem como de reexame necessário.

1.1 Desenvolvimento processual

Adota-se o relatório da sentença proferida pelo magistrado singular Luis Francisco Delpizzo Miranda (evento 25 na origem):

Inepar S/A Industria e Construções ajuizou a presente Ação Indenizatória c/c Pedido de Reparação por Perdas e Danos contra o Estado de Santa Catarina, alegando que na data de 13/07/1998 investiu na aquisição de 3.155 (três mil, cento e cinquenta e cinco) Letras do Tesouro do Estado de Santa Catarina (LTESC), pelo valor de R$ 5.087.318,68 (cinco milhões, oitenta e sete mil, trezentos e dezoito reais e sessenta e oito centavos), as quais tinha vencimento previsto para 01/05/2001.

Discorreu que não foram resgatadas na data de seu vencimento em razão da sentença proferida na Ação Popular n. 023.97.243870-7, a qual, por conta da constatação de irregularidades, declarou a nulidade dos atos de emissão das LTESCs. Referida sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e aguarda julgamento de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça.

Requereu indenização em relação aos valores utilizados na aquisição das LTESCs, bem como reparação das perdas e danos suportados a partir do inadimplemento.

Devidamente citado, o Estado de Santa Catarina apresentou contestação suscitando inépcia da petição inicial, prescrição e ilegitimidade passiva. Também argumentou sobre a nulidade das letras financeiras, ausência de pagamento ao Estado passível de ressarcimento, ausência de comprovação da titularidade dos títulos, bem como da comprovação do valor da negociação e, por fim, em caráter sucessivo, discorreu acerca dos critérios de atualização do valor. Requereu a extinção da ação sem julgamento de mérito, ou subsidiariamente, a sua improcedência.

Houve réplica e o Ministério Público optou por não oficiar no feito.

É, no essencial, o relatório

A causa foi valorada em R$ 5.087.318,68 (cinco milhões, oitenta e sete mil, trezentos e dezoito reais e sessenta e oito centavos).

1.2 Sentença

O MM. Juiz Luis Francisco Delpizzo Miranda, declarou a procedência dos pedidos formulados na inicial, nos seguintes termos:

Cabível o julgamento do feito no estado em que se encontra, porquanto a solução da demanda dispensa dilação probatória haja vista que versa sobre questões eminentemente de direito.

Segue decisão, pois, nos termos do art. 355, I do CPC: "O STJ possui orientação no sentido de que cabe ao magistrado verificar a existência de provas suficientes nos autos para ensejar o julgamento antecipado da lide ou indeferir a produção de provas consideradas desnecessárias, conforme o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional". (STJ, AgRg no AREsp n. 852.090/SC, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. em 10-5-2016, DJe 17-5-2016).

Preliminares:

Inépcia da inicial

A cobrança desprovida de memória de cálculo relativa ao valor que entende-se devido baseia a assertiva de inépcia da petição inicial, porquanto, segundo a autora, dificulta a defesa técnica em razão da falta de especificação dos critérios de atualização.

Contudo, o pedido elaborado nos autos é pautado no ressarcimento do valor desembolsado com a aquisição das LTESC, o qual, do modo informado na inicial, não está embutido de acréscimos legais. Ainda que tenha se sugerido índices de correção e juros específicos, estes não foram calculados, mesmo porque os parâmetros serão definidos conforme entendimento deste juízo.

Após a definição dos índices é que será calculado o valor devido, isso já em sede de cumprimento de sentença e eventual impugnação poderá ser feita, se for o caso.

De mais a mais, a defesa não foi prejudicada, tanto que na peça de contestação o réu citou dois itens, intitulados como "argumento sucessivo" (fls. 242-244), através dos quais divaga sobre a aplicação de juros e correção. Por conta disso, afasto a preliminar de inépcia da inicial.

Prescrição

Há, também, com fundamentado no art. 1º do Decreto n. 20.910/32, afirmação de ocorrência de prescrição da pretensão deduzida na exordial pois teria decorrido prazo superior a 05 (cinco) anos desde o vencimento das LTESC (01/05/2010) até a interposição desta ação (23/11/2016).

A autora opõe-se ao pedido destacando que a Ação Popular n. 023.97.243870-7 cujo julgamento invalidou as Letras ainda não transitou em julgado, atraindo assim, a aplicação do art. 199, inciso I do Código Civil: "Art. 199. Não corre igualmente a prescrição: I - pendendo condição suspensiva". Além disso, busca valer-se do caráter erga omnes que, em regra, detém as sentenças proferidas em ações populares.

Para resolver a questão, adota-se o posicionamento firmado no julgamento da Apelação Cível n. 2006.021310-0, que em caso semelhante afastou a prescrição nos seguintes termos: "(...) enquanto pendente a Ação Popular n. 023.97.243870-7, em que se discute a validade dos títulos, não corre a prescrição. Essa é a orientação firmada na doutrina a partir da exegese do art. 199, I, do CC/2002". (TJSC, AC 2006.021310-0, Relator Des. César Abreu).

Referida Ação Popular ainda está em grau de recurso, atualmente aguardando resolução do REsp 997141/SC.

Por derradeiro, afasto a preliminar de prescrição.

Ilegitimidade Passiva

Suscita-se a ilegitimidade passiva do réu para responder pela pretensão buscada na inicial. Esta preliminar tem como alicerce o fato dos títulos terem sido adquiridos de terceiro e não do Estado de Santa Catarina, portanto, seria aquele o detentor de legitimidade para fins de indenização.

Neste passo, alega-se que a partir da nulidade reconhecida na Ação Popular n. 023.97.243870-7, as Letras perderam os atributos próprios do título portável e eventuais perdas e danos deveriam ser solucionadas de acordo com a ordem de negociações efetivada, como numa cadeia sequencial, e não pelo titular do título diretamente contra o Estado.

Conforme esclarecido na inicial, e não contestado, a aquisição dos títulos pela parte autora ocorreu por intermédio do Banco Fator S/A e a operação de compra restou liquidada pela Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Tírulos - CETIP.

Isto porque na época em que houve a negociação o registro de comitentes não era regulamentado, sendo este o motivo pelo qual deixou de ser registrada a identidade da adquirente das Letras e estas ficaram somente com a denominação da instituição custodiante, qual seja, o Banco Fator S/A.

Ratificando o exposto, tem-se a declaração do próprio Banco Fator S/A que, às fls. 77/78, declarou ser a autora a titular dos títulos.

Isto posto, percebe-se que a preliminar de ilegitimidade passiva não se sustenta pois o crédito sequer foi transferido.

E ainda que a portabilidade tivesse sido levada a efeito tal ação não influenciaria no dever do Estado de ressarcir os valores, conforme julgado a seguir transcrito:

"AÇÃO DE COBRANÇA - CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE LETRAS FINANCEIRAS DO TESOURO DO ESTADO - TÍTULOS DECLARADOS NULOS EM AÇÃO POPULAR - OBJETO ILÍCITO - PRETENSÃO AUTÔNOMA NO SENTIDO DE AUFERIR TRÊS ÚLTIMAS PARCELAS DO RESGATE - NATUREZA INDENIZATÓRIA - TERCEIRO ADQUIRENTE DE BOAFÉ - DEVER DO ESTADO DE SANTA CATARINA DE RESSARCIR - ENCARGOS PARA ALÉM DO PERÍODO DA NORMALIDADE - DESCONSIDERAÇÃO - INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA PELOS ÍNDICES OFICIAIS - RECURSO DA AUTORA DESPROVIDO - REMESSA PARCIALMENTE PROVIDA

(...) Em sede de reexame, reputa-se correta a conclusão adotada pelo douto sentenciante no que toca ao dever do Estado de Santa Catarina -- legitimado passivo em razão do compromisso formalmente assumido por seu órgão - de ressarcir os valores que percebeu por conta das operações de venda das LFTSC então emitidas com a inconsistente invocação do art. 33 dos ADCT, sob pena de se chancelar o locupletamento do ente público em desfavor de terceiros presumivelmente de boa-fé. (TJSC, AC 2007.023394-7, Relator Des. Rodrigo Collaço) (sublinhou-se)".

Fica, pois, superada esta preliminar.

Mérito

No mérito discute-se sobre indenização dos valores despendidos com a aquisição de 3.155 LTESC, emitidas em 31/07/1997 cujo vencimento estava previsto para 01/05/2001 mas nunca puderam ser resgatadas, haja vista terem sido invalidadas na Ação Popular n. 023.97.243870-7.

Em razão desta situação ficou consignado no julgamento da apelação cível n. 1999.019464-7, interposta nos autos da supracitada Ação Popular, que, caso demonstrada a boa-fé na aquisição das Letras do Tesouro do Estado de Santa Catarina, haveria possibilidade de indenização em ação autônoma.

Não há nos autos elementos que macule a presunção de boa-fé na aquisição dos títulos por parte da autora. Logo, ela não poderá ser penalizada por conta da declaração de nulidade, pelo contrário, deve ser indenizada pelos valores despendidos na operação.

Neste sentido, causas semelhantes a presente já foram apreciadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina:

"APELAÇÃO CÍVEL, RECURSO ADESIVO E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA CUMULADA COM PEDIDO INDENIZATÓRIO. PERDAS E DANOS. LETRAS FINANCEIRAS DO TESOURO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE, DESDE A ORIGEM. SITUAÇÃO CONSTITUÍDA EM AÇÃO POPULAR. AQUISIÇÃO DE BOA-FÉ. DIREITO INDENIZATÓRIO RECONHECIDO. RESSARCIMENTO PELO VALOR DE FACE. CAPITALIZAÇÃO PREVISTA NO ART. 1º, INC. III, DA LEI ESTADUAL N.º 10.168/96, DEVIDA ATÉ O VENCIMENTO. CORREÇÃO MONETÁRIA, A PARTIR DE ENTÃO. JUROS DE MORA, COM INCIDÊNCIA A PARTIR DA CITAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT