Acórdão Nº 0313208-41.2015.8.24.0023 do Primeira Câmara de Direito Civil, 09-06-2022

Número do processo0313208-41.2015.8.24.0023
Data09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0313208-41.2015.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador RAULINO JACÓ BRUNING

APELANTE: DANILO PEREIRA VIDOTTI APELANTE: RAFAELA VINOTTI SGROTT APELADO: MAGNO MARTINS ENGENHARIA LTDA

RELATÓRIO

Adoto o relatório da r. sentença proferida na Comarca da Capital, da lavra da Magistrada Daniela Vieira Soares, por refletir fielmente o contido no presente feito, in verbis:

DANILO PEREIRA VIDOTTI e RAFAELA VINOTTI SGROTT propuseram esta ação denominada de "ordinária de rescisão contratual com pedido de antecipação de tutela" em face da MAGNO MARTINS ENGENHARIA LTDA. alegando, em suma, que celebraram compromisso de compra e venda e, por motivos supervenientes, notificaram-na extrajudicialmente à rescisão, sob devolução de todas as quantias pagas, contudo, receberam contranotificação, dano conta de que haveria retenção da entrada e de mais 10% do valor do contrato, postura que colocou-os em situação de desvantagem exagerada, daí porque almejam, agora, a devolução da integralidade das quantias pagas, a rescisão do contrato e o ressarcimento dos honorários advocatícios contratuais.

Uma vez indeferido o pedido de antecipação da tutela, citada, a ré informou que não se opõe à rescisão do negócio jurídico, mas que, conforme avençado, cabível perda dos valores pagos a título de arras confirmatórias e aplicação da cláusula penal.

Houve réplica (fls. 156/164).

Acresço que a Juíza a quo julgou parcialmente extinto o processo, sem resolução do mérito e, na parte em que este foi resolvido, julgou improcedentes os pedidos iniciais de declaração de abusividade da cláusula décima quarta do contrato, entendendo ser possível, no caso, a retenção do importe dado como arras. Vejamos a parte dispositiva:

ANTE O EXPOSTO:

1) pela falta de interesse contraposto em relação ao rompimento da promessa de compra e venda e da devolução dos valores desembolsados no cumprimento do contrato, observada a respectiva cláusula décima quarta (fls. 26), julgo extinto o processo sem conhecimento do mérito nesta parte, pela fala de interesse de agir, a teor do art. 485, inciso IV, do CPC;

2) julgo improcedente o pedido de declaração de abusividade da cláusula décima quarta do compromisso de compra e venda de fls. 20 e seguintes.

Arcarão os demandantes, então, com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor da condenação - item b - (CPC/2015, art. 85 § 2º), dada a apresentação de petições sem relevante complexidade jurídica e o julgamento antecipado. Após o trânsito em julgado, cumpra-se o disposto no art. 320 e seguintes do CNCGJ.

Inconformados, Danilo Pereira Vidotti e Rafaela Vinotti Sgrott apelam, sustentando que: a) possuem interesse jurídico em ver declarada a rescisão do negócio jurídico, porquanto não houve concordância expressa da demandada; b) as arras são confirmatórias e, como não houve inadimplemento (o distrato é voluntário), devem ser devolvidas, podendo incidir ao caso unicamente a cláusula penal compensatória de 10% sobre os valores já adimplidos; c) pensar o contrário resultaria em violação ao Código de Defesa do Consumidor (pois impõe desvantagem excessiva ao consumidor) e transforma as arras confirmatórias em penitenciais; d) os ônus sucumbenciais devem ser readequados. Por fim, pleiteiam o conhecimento e provimento do recurso (EVENTO 31).

Ato contínuo, Magno Martins Engenharia Ltda. apresentou contrarrazões, alegando haver inovação recursal no que tange ao valor das arras (se R$35.000,00 ou R$5.000,00), bem como sobre os motivos do pedido de rescisão. No mais, rebateu as teses da parte contrária, pugnando pela manutenção da sentença (EVENTO 35).

Ambas as partes foram intimadas para se manifestar sobre a possibilidade da sentença recorrida ter sido citra petita, ao que responderam nos EVENTOS 15 e 16 do caderno de segundo grau.

VOTO

1. Preliminar em contrarrazões

A demandada defende que o recurso dos autores não pode ser conhecido no ponto em que se dirige ao valor das arras, pois em nenhum momento anterior afirmara ser essa de R$5.000,00, e não R$35.000,00. Ainda, assevera que os motivos pessoais da rescisão (mudança de cidade dos autores para São Paulo/SP) também inova a causa de pedir.

Com razão.

Isso porque, analisando-se os autos, conclui-se que em momento algum os autores informaram as razões pelas quais pretendem distratar o negócio e nem que o montante dado a título de arras fora de R$5.000,00.

Contudo, mesmo não se conhecendo do reclamo nos pontos, verifica-se que tais argumentos não influenciam na solução do litígio, haja vista serem questões reflexas ao pedido e causa de pedir dos demandantes.

É que, a despeito de não se ter afirmado expressamente o valor das arras na exordial, a causa de pedir é clara: a pretensão é de que 90% do montante pago seja devolvido e somente 10% sobre essa rubrica seja retida a título de cláusula penal compensatória. O valor dado a título de arras, outrossim, decorre de contrato e não há controvérsia quanto a este.

No mesmo sentido, os autores aduzem no reclamo que pediram o distrato do negócio pois iriam se mudar, por motivos profissionais, para São Paulo/SP. Na exordial, todavia, apenas afirmam que tencionam resilir o ajuste. Apesar disso, o fato dos autores terem pleiteado o distrato do negócio por este ou aquele motivo nada interfere no caso. Isto pois, é incontroverso que estavam adimplentes quando requereram a resilição e que esta decorre unicamente de suas vontades.

Não se cuida, pois, de rescisão por inadimplemento por quaisquer das partes - que é o que basta para solucionar a demanda.

De toda sorte, como aqueles pontos não foram levantados em momento anterior, em obediência ao duplo grau de jurisdição, deixa-se de conhecê-los.

No restante, satisfeitos os pressupostos de admissibilidade recursal, sobretudo a tempestividade e o preparo, conhece-se do apelo.

2. Recurso

2.1. Rescisão

Cuida-se de ação de resilição contratual por desistência voluntária dos compradores. Em suma, colhe-se dos autos que, em 10/1/2012, os demandantes firmaram promessa de compra e venda do apartamento 802 e as vagas de garagem 119 e 119/a do Residencial Plaza Saint Tropez (bairro Itacorubi - Florianópolis) pela quantia global de R$391.465,00.

Do valor total, teriam quitado o importe atualizado de R$147.425,35, estando adimplentes com sua parte do negócio. Ressalta-se que o imóvel fora vendido "na planta", sem ter sido entregue aos autores.

Entretanto, em maio de 2015, notificaram a requerida para resilir unilateralmente o negócio, pretendendo a devolução de 90% do montante já pago -ou seja, concordaram na retenção de apenas 10% do valor dado como pagamento (EVENTO 1, Informação 39).

A construtora/ré, por sua vez, apresentou contranotificação extrajudicial ressaltando a previsão contratual de perdimento das arras, somada da cláusula penal compensatória (EVENTO 1, Informação 41).

Na contestação, outrossim, a requerida afirmou o seguinte sobre o pedido de rescisão formulado na presente demanda (EVENTO 15, fl. 16):

59. Por fim, Excelência, registre-se que o pedido principal dos requerentes é o de rescindir o compromisso de compra e venda, sendo que toda a controvérsia que gravita em torno desta demanda diz respeito apenas à legitimidade dos valores a serem retidos no momento da extinção da relação jurídica estabelecida entre as partes.

60. Consoante já consignado no item "B" da presente defesa, a construtora requerida não se opõe à rescisão do negócio jurídico celebrado entre as partes, razão pela qual, ante a confluência de pretensões em relação à extinção da avença, considera rescindido de imediato o presente contrato, apenas restando passível de discussão o valor a ser restituído.

Nesse contexto, a Magistrada singular julgou este pedido extinto, sem resolução do mérito, por ausência de interesse de agir.

E o decisum, no ponto, deve ser mantido.

Apesar do Código de Processo Civil expressamente prever a possibilidade de ação com finalidade meramente declaratória, perfilho da posição de que a rescisão ou resilição do negócio tem caráter eminentemente desconstitutivo do negócio jurídico e, se solvido extrajudicialmente, não há sequer necessidade de decisão judicial. Mutatis mutandis, vejamos:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RURAL COM CLÁUSULA DE RESOLUÇÃO EXPRESSA - INADIMPLEMENTO DO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR QUE NÃO EFETUOU O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES AJUSTADAS - MORA COMPROVADA POR NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL E DECURSO DO PRAZO PARA A PURGAÇÃO - INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE JULGARAM PROCEDENTE O PEDIDO REINTEGRATÓRIO REPUTANDO DESNECESSÁRIO O PRÉVIO AJUIZAMENTO DE DEMANDA JUDICIAL PARA A RESOLUÇÃO CONTRATUAL - INSURGÊNCIA DO DEVEDOR - RECLAMO DESPROVIDO.Controvérsia: possibilidade de manejo de ação possessória fundada em cláusula resolutiva expressa decorrente de inadimplemento de contrato de compromisso de compra e venda imobiliária, sem que tenha sido ajuizada, de modo prévio ou concomitante, demanda judicial objetivando rescindir o ajuste firmado.[...]Inexiste óbice para a aplicação de cláusula resolutiva expressa em contratos de compromisso de compra e venda, porquanto, após notificado/interpelado o compromissário comprador inadimplente (devedor) e decorrido o prazo sem a purgação da mora, abre-se ao compromissário vendedor a faculdade de exercer o direito potestativo concedido pela cláusula resolutiva expressa para a resolução da relação jurídica extrajudicialmente.Impor à parte prejudicada o ajuizamento de demanda judicial para obter a resolução do contrato quando esse estabelece em seu favor a garantia de cláusula resolutória expressa, é impingir-lhe ônus demasiado e obrigação contrária ao texto expresso da lei, desprestigiando o princípio da autonomia da vontade, da não intervenção do Estado nas relações negociais, criando obrigação que refoge o texto da lei e a verdadeira intenção legislativa. A revisão do valor estabelecido a título de honorários nos termos do artigo 20, § 4º do CPC/73, só é permitido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT