Acórdão Nº 0313497-21.2018.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Público, 20-10-2020

Número do processo0313497-21.2018.8.24.0038
Data20 Outubro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão

3

Apelação Cível n. 0313497-21.2018.8.24.0038

Relator: Desembargador Pedro Manoel Abreu

AÇÃO DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL E EXTINÇÃO DO FEITO. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL NO PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE DO COMANDO JUDICIAL DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES (MACONHA, COCAÍNA E CRACK). INDICAÇÃO MÉDICA PARA QUE SE PROMOVA A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DO PACIENTE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, A FIM DE DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA O PROSSEGUIMENTO DO FEITO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0313497-21.2018.8.24.0038, da comarca de Joinville 1ª Vara da Fazenda Pública em que é Apelante Evandro Barreto Hartheman e Apelado Estado de Santa Catarina.

A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, por meio eletrônico, por unanimidade, dar provimento ao recurso para determinar o retorno dos autos à origem para prosseguimento do feito. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 20 de outubro de 2020, foi presidido pelo Desembargador Luiz Fernando Boller, com voto, e dele participou o Desembargador Jorge Luiz de Borba.

Florianópolis, data da assinatura digital.


Desembargador Pedro Manoel Abreu

Relator



RELATÓRIO

Cuida-se de apelação cível interposta por Evandro Barreto Hartheman contra sentença proferida em sede de ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada de urgência movida em face de Município de Joinville e do Estado de Santa Catarina.

Narrou o autor, em resumo, que pleiteia a internação compulsória do seu filho, dependente químico.

O decisum objurgado indeferiu a exordial, por ausência de interesse processual.

Em sua insurgência, a apelante argumenta que a sentença é equivocada, porquanto o interesse processual é evidente, na medida em que seu filho, dependente químico desde os 15 anos de idade, é resistente ao tratamento médico, conforme atesta o psiquiatra Dr. Moisés Santos Dias, que atesta a necessidade da internação compulsória.

Diz que a Lei n. 10.216/2001 é aplicável a dependentes químicos, mesmo que ausente anterior ação de interdição ou curatela provisória, haja vista que a dependência química de seu filho ocorre em razão do uso compulsivo de drogas. Além disso, ele não adere a tratamento médico, culminando na constante exposição a riscos, situação abarcada pela referida Lei.

O Estado de Santa Catarina apresentou as contrarrazões, requerendo a manutenção da sentença, ante a ausência de laudo médico circunstanciado acerca dos motivos da internação.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Dra. Walkyria Ruicir Danielski, manifestou-se pelo provimento do recurso.

Este é o relatório.


VOTO

Sem delongas, o recurso há de ser provido.

Matéria idêntica foi analisada pelo Eminente Desembargador Francisco Oliveira Neto, quando do julgamento da Apelação Cível n. 0314164-41.2017.8.24.0038, de Joinville, pelo que, ante a pertinência e adequação, tomo seus precisos termos como razões de decidir, in verbis:

Prevê o art. 485, inciso VI, do CPC/15, que "Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: [...] Vl - verificar a ausência de legitimidade ou de interesse processual;".

Portanto, nos termos do CPC/15, verificada a ausência de interesse processual, o processo deverá ser extinto.

Sobre o tema, leciona Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery que "existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida, e, ainda quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático. Verifica-se o interesse processual quando o direito tiver sido ameaçado ou efetivamente violado (v.g., pelo adimplemento da prestação e resistência do réu à pretensão do autor)" (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, 12 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 607).

E mais: "O conceito de interesse processual (arts. 267-VI e 295-caput-III) é composto pelo binômio necessidade-adequação, refletindo aquela a indispensabilidade do ingresso em juízo para a obtenção do bem da vida pretendido e se consubstanciando esta na relação de pertinência entre a situação material que se tenciona alcançar e o meio processual utilizado para tanto" (NEGRÃO, T.; GOUVÊA, J.R.F.; BONDIOLI, L.G.A. Código de processo civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 2011. p.107).

Logo, há de ser concluir que a parte detém interesse processual quando seu direito tiver sido ameaçado ou efetivamente violado.

Pois bem. Concessia venia ao posicionamento de primeiro grau, entende-se que a autora tem interesse no prosseguimento da presente demanda. Isso porque pretende a internação compulsória de sua filha que, segundo a exordial, há mais de 1 anos - ação ajuizada em 2016 - faz uso de substâncias químicas entorpecentes (crack e cocaína).

Para corroborar com a sua pretensão, colacionou aos autos um questionário médico que declara ter a demandada "não adere ao tratamento, expondo-se a riscos. Uso compulsivo. Paciente que se recusa a vir consultar. As informações foram dadas por familiares (mãe e tia)". Quando perguntado se é recomendável a internação compulsória da paciente para seu tratamento médico, o profissional respondeu que sim (fl. 16).

Neste contexto, afere-se que, em princípio, mostra-se necessária a intervenção estatal, pois há indícios suficientes para a aplicação de medida que visa garantir o amplo acesso à saúde, não só no que toca à saúde da ré, como também da autora, já que é agressiva, proferindo ameaças mediante violência física (fl. 2).

Ressalte-se que a falta de elementos (laudo circunstanciado, por exemplo) para fundamentar o interesse da autora justifica-se em razão do julgamento antecipado da lide.

Assim, o ajuizamento da demanda apresenta-se útil, adequado e necessário à satisfação do direito à saúde da ré.

Do mesmo modo, não merece prosperar a premissa do juízo a quo no sentido de que, para internação da ré, é imprescindível a sua interdição. Isso porque é pacífica a orientação desta Corte no sentido de que "independe de prévia sentença de interdição o manejo da internação compulsória" (n. 2012.075656-8, de Lages, rel. Des. Ronei Danielli, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 13-12-2012).

Confira-se também:

APELAÇÃO CÍVEL. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA (LEI N. 10.216/2001) E FORNECIMENTO DE VAGA. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INTERDIÇÃO DA PACIENTE. CARÊNCIA DA AÇÃO AFASTADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA PRODUÇÃO DA PROVA PERICIAL. LAUDO CIRCUNSTANCIADO PARA ATESTAR A INDICAÇÃO DA MEDIDA E A INEFICÁCIA DAS MEDIDAS EXTRA-HOSPITALARES. SENTENÇA CASSADA. RECURSO PROVIDO." (TJSC, Apelação Cível n. 0302614-78.2019.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de Direito Público, j. 24-09-2019);

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PROPOSTA CONTRA O PACIENTE E O PODER PÚBLICO. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTE QUÍMICO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL AO ARGUMENTO DE QUE A MEDIDA COMPULSÓRIA É DELETÉRIA AO DIREITO DO PACIENTE DE SE AUTODETERMINAR, ALÉM DO ESTRAGO SOCIAL PELO EMPREGO DA FORÇA ESTATAL, E A INTERDIÇÃO SERIA A ALTERNATIVA PARA O CASO. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INTERDIÇÃO. DOCUMENTOS MÉDICOS QUE ATESTAM A DEPENDÊNCIA QUÍMICA QUE AFETA O DISCERNIMENTO DO PACIENTE. HISTÓRICO DE AGRESSIVIDADE CONTRA OS PAIS. AÇÃO JUDICIAL PREVISTA NA LEI N. 10.216/2001. PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE. INTERESSE DE AGIR...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT