Acórdão Nº 0313518-13.2016.8.24.0023 do Sexta Câmara de Direito Civil, 28-01-2020

Número do processo0313518-13.2016.8.24.0023
Data28 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0313518-13.2016.8.24.0023, da Capital

Relator: Desembargador André Carvalho

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE AUTOMÓVEL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DA SEGURADORA.

CONTRATO DE SEGURO DE AUTOMÓVEL. NEGATIVA ADMINISTRATIVA DE COBERTURA FUNDADA EM AGRAVAMENTO DE RISCO PELO PRÓPRIO TITULAR DA APÓLICE. USO DE SUBSTÂNCIA PSICOATIVA. LAUDO PERICIAL EMITIDO PELO INSTITUTO GERAL DE PERÍCIAS (IGP/SC) QUE CONFIRMA A EXISTÊNCIA DA SUBSTÂNCIA TÓXICA. ÔNUS DA PROVA DA SEGURADORA EVIDENCIADO. EXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O ACIDENTE E O USO DE DROGAS. ACIDENTE GRAVE QUE NÃO ENVOLVEU OUTROS VEÍCULOS. ELEMENTOS A EVIDENCIAR O AGRAVAMENTO DO RISCO POR INGESTÃO DE TÓXICOS COMO FATOR PREPONDERANTE À OCORRÊNCIA DO ACIDENTE. PRECEDENTES DESTA CORTE ESTADUAL. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. ELEMENTOS NOS AUTOS SUFICIENTES PARA A FORMAÇÃO DA CONVICÇÃO QUANTO ÀS QUESTÕES DE FATO E DE DIREITO. SENTENÇA REFORMADA.

ÔNUS SUCUMBENCIAIS. REDISTRIBUIÇÃO. CONDENAÇÃO DA PARTE AUTORA AO PAGAMENTO INTEGRAL.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0313518-13.2016.8.24.0023, da comarca da Capital (3ª Vara Cível) em que é Apelante Allianz Seguros S/A e Apelado Maria de Fátima Campos.

A Sexta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido da Autora e condená-la ao pagamento dos ônus sucumbenciais, nos termos da fundamentação. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o(a)s Exmo(a)s. Sra. Desa. Denise Volpato e Sr. Des. Stanley Braga.

Florianópolis, 28 de janeiro de 2020.

Desembargador André Carvalho

Relator


RELATÓRIO

Adoto, por economia processual e em homenagem à sua completude, o relatório da sentença:

MARIA DE FÁTIMA CAMPOS propôs a presente "ação ordinária cobrança e indenização seguro automóvel e acidentes pessoais" em face da ALLIANZ SEGUROS S.A., ambas devidamente qualificadas nos autos.

Sustentou que contratou junto à demandada seguro para cobertura de riscos de veículo automotor, mas teve a indenização negada quando o automóvel envolveu-se em sinistro. A negativa administrativa, narrou, sucedeu ao argumento de que o condutor do veículo encontrava-se sob os efeitos de substância entorpecente, mais especificamente cocaína.

Pugnou, então, (I) pela inversão do ônus da prova; e (II) pela procedência dos pedidos para declarar a nulidade de cláusulas contratuais e condenar a ré ao pagamento de indenização securitária.

Fez os demais pedidos de praxe, valorou a causa e juntou documentos (pp. 18/26).

Citada, a ré apresentou resposta na forma de contestação, alegando, em resumo, alegou a validade das cláusulas contratuais limitativas da indenização securitária, ao argumento de inexistência de abusividade. Além disso, salientou que o sinistro sucedeu em decorrência direta dos efeitos da substância entorpecente que se encontravam no corpo do condutor, razão pela qual pugnou pela integral improcedência dos pedidos.

Houve réplica (pp. 213/220).

Processado o feito, sobreveio sentença nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo parcialmente procedente o pedido formulado por MARIA DE FÁTIMA CAMPOS em face da ALLIANZ SEGUROS S.A., a fim de condenar a ré ao pagamento de R$ 66.662,00 (sessenta e seis mil, seiscentos e sessenta e dois reais) a benefício da autora, acrescido de correção monetária, pelo INPC, desde a data da contratação, e juros legais de mora, à razão de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação, mediante a devolução ou abatimento do valor do salvado.

Diante da sucumbência mínima da parte autora (CPC, art. 86, parágrafo único), condeno a parte demandada, exclusivamente, ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo no importe de 15% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, pela necessidade de dilação probatória e apresentação de peças processuais dotadas de moderada complexidade jurídica, a teor do art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil. (fl. 247).

Inconformada, a Seguradora interpôs o presente recurso de Apelação Cível argumentando que (a) encontra-se prevista a perda do direito ao seguro se, quando do sinistro, o veículo segurado estivesse sendo conduzido por pessoa sob o efeito de álcool e/ou droga, segundo cláusula 19 e seguintes das condições do seguro; (b) resta incontroverso que o condutor do veículo segurado se encontrava, quando do sinistro, sob efeito de álcool e droga, pois o Laudo Pericial n. 9200.16.6953, emitido pelo da Instituto Geral de Perícias de Santa Catarina, detectou a presença de cocaína e seus metabólicos (aeme e cocaetilieno) no exame de sangue do condutor do veículo segurado, sendo que "cocaetileno" tratava-se de substância formada no fígado oriunda da metabolização do álcool com cocaína, e que deixam seus efeitos mais longos e duradouros que a cocaína utilizada isoladamente; (c) estudos demonstram que o uso do tóxico aumenta em mais de 20 vezes risco de morte ao volante, e que essas drogas ativam o sistema de recompensa no cérebro, dando sensação de euforia e aumentam o risco de decisões perigosas pois dilatam a pupila, o que torna o usuário mais sensível à luz; (d) não há dúvidas de que o acidente ocorreu sem a interferência de qualquer causa excludente de responsabilidade para a ocorrência do sinistro, como fato de terceiro, caso fortuito ou força maior, estado de necessidade, etc, tendo o condutor do veículo segurado simplesmente perdido o controle de direção, saindo da pista de rolamento, capotando o veículo e chocando-o contra um edifício, provocando assim todo o evento danoso; (e) a sentença apelada não está em consonância com o atual entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça, o qual reconhece que "A direção do veículo por um condutor alcoolizado já representa agravamento essencial do risco avençado, sendo lícita a cláusula do contrato de seguro de automóvel que preveja, nessa situação, a exclusão da cobertura securitária"; (f) resta devidamente caracterizada a infração legal e contratual, e consequentemente a perda de direito sobre o seguro, tanto em relação à cobertura principal (casco), quanto à acessória (passageiro), conforme previsto nas condições do seguro, legislação e jurisprudências aplicáveis ao caso vertente; (g) caso mantida a sentença, o termo inicial da correção monetária deve ser da data da negativa do pagamento administrativo, ou seja, a data da recusa do pagamento da indenização securitária.

Requereu, ao final, fosse conhecido e provido o seu recurso e reformada a sentença para que seja julgado improcedentes os pleitos autorais.

Foram apresentadas contrarrazões às fls. 283-292.

Este é o relatório.

VOTO

Considerando que a decisão recorrida foi publicada já na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (19-09-2018, fl. 248), convém anotar que o caso será analisado integralmente sob o regramento da novel codificação, em consonância ao Enunciado Administrativo n. 3 do Superior Tribunal de Justiça.

Isso dito, satisfeitos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Defende a Apelante que o édito de procedência não se sustenta, mormente restar incontroverso que o condutor do veículo segurado se encontrava, quando do sinistro, sob efeito de álcool e droga, pois o Laudo Pericial n. 9200.16.6953, emitido pelo da Instituto Geral de Perícias de Santa Catarina, detectou a presença de cocaína e seus metabólicos (aeme e cocaetilieno) no exame de sangue do condutor do veículo segurado, sendo que "cocaetileno" é substância formada no fígado oriunda da metabolização do álcool com cocaína, e que deixa seus efeitos mais longos e duradouros em relação ao uso isolado da cocaína.

Aponta que, a despeito do alegado pela autora, há relação evidente entre o sinistro e a intoxicação do condutor. Disse que estudos demonstram que o uso do tóxico aumenta em mais de 20 vezes risco de morte ao volante, e que essas essas drogas ativam o sistema de recompensa no cérebro, dando sensação de euforia e aumentando o risco de decisões perigosas, ainda que dilatam a pupila, o que torna o usuário mais sensível à luz.

Acrescenta não haver dúvidas de que o acidente ocorreu sem a interferência de qualquer causa excludente de responsabilidade (como fato de terceiro, caso fortuito, força maior, estado de necessidade), tendo o condutor do veículo segurado simplesmente perdido o controle de direção, saindo da pista de rolamento, capotando o veículo e chocando-o contra um edifício, provocando assim todo o evento danoso,

Por fim, argui que a sentença apelada não está em consonância com o atual entendimento do egrégio Superior Tribunal de Justiça com relação ao agravamento do risco assumido pelo condutor, citando o REsp 1.485.717-SP a ilustrar o argumento.

Com razão a apelante.

No caso concreto, a Autora, Maria de Fátima Campos, celebrou com a Seguradora Ré contrato de seguro do veículo Peugeot Griffe 1.6 16v Flex, cor vermelha, placas QHT6371, cuja apólice n. 5177-2016-2M-31-0079897 tinha vigência no período de 02-02-2016 a 02-02-2017, conforme se verifica dos documentos de fls. 75-79 e 80-83, registrando como condutor habilitado seu filho.

Ocorre que o condutor Lucas Pereira Campos da Silva, filho da segurada, em 13-08-2016, ao conduzir o veículo, envolveu-se em acidente de trânsito que culminou em seu falecimento (certidão de óbito de fl. 22). Conforme a própria exordial narra, "por volta das 06h45 o filho da Requerente Lucas Pereira da Silva, transitava pela Rua Capitão Romualdo de Barros, sentido UFSC, quando perdeu o controle do veículo, ocorrendo o capotamento e incêndio, causando a perda total e a morte do condutor, conforme boletim de ocorrência n. 00124-2016-03768 emitido pela 2ª DP da Capital" (fl. 03).

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