Acórdão Nº 0314825-36.2015.8.24.0023 do Primeira Câmara de Direito Civil, 03-03-2022

Número do processo0314825-36.2015.8.24.0023
Data03 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0314825-36.2015.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM

APELANTE: ESCRITORIO CENTRAL DE ARRECADACAO E DISTRIBUICAO ECAD ADVOGADO: JOSE SERGIO DA SILVA CRISTOVAM (OAB SC016298) ADVOGADO: FELIPE ROEDER DA SILVA (OAB SC032650) APELADO: CONDOMINIO COMPLEXO TURISTICO IL CAMPANARIO ADVOGADO: MARCOS VINICIUS DE SOUZA (OAB SC015192)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ESCRITORIO CENTRAL DE ARRECADACAO E DISTRIBUICAO ECAD, contra sentença prolatada pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis, que nos autos da "ação inibitória (cumprimento de preceito legal) cumulada com perdas e danos, com pedido de tutela específica" n. 03148253620158240023, ajuizada contra CONDOMINIO COMPLEXO TURISTICO IL CAMPANARIO, julgou improcedentes os pedidos, nos seguintes termos (evento 31 - SENT89, da origem):

(...) Ante o exposto, com resolução do mérito por força do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, ficando extinta a fase cognitiva do processo, após o trânsito em julgado nos termos do artigo 316 do estatuto processual, REJEITO os pedidos feitos por ECAD - ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO em face de CONDOMÍNIO COMPLEXO TURÍSTICO IL CAMPANÁRIO. Condeno o autor ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), com base no artigo 85, §2º e §8º do Código de Processo Civil. Havendo o transito em julgado, arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Inconformado, o apelante sustentou que é incontroversa a prestação de serviços de hotelaria, circunstância geradora da retribuição por exploração econômica de direitos autorais e, ao final, pelo provimento do recurso (evento 36 - PET93).

Com as contrarrazões (evento 40 - PET98, da origem), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça, cuja matéria será examinada na fundamentação do voto.

É o relatório, breve.

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele se conhece.

O recurso, adianta-se, comporta provimento.

1 - Preliminarmente - das legitimidades ativa e passiva.

Acerca da legitimidade ativa do ECAD para a cobrança de retribuição pela exploração de direitos autorais, o tema dispensa maiores digressões, haja vista que a muito a jurisprudência tem admitido tal pleito, veja-se:

AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE PRECEITO LEGAL COM PEDIDO DE TUTELA INIBITÓRIA E PERDAS E DANOS. DIREITOS AUTORAIS. LEGITIMIDADE ATIVA DO ECAD. ART. 99, § 2º, DA LEI 9.610/1998. EVENTOS PROMOVIDOS PELO MUNICÍPIO BALNEÁRIO ARROIO DO SILVA. USO DE OBRAS MUSICAIS EM ESPETÁCULOS QUE, MESMO GRATUITOS, ENSEJA COBRANÇA DE DIREITOS AUTORAIS. EXIGÊNCIA LEGÍTIMA AINDA QUE AS CANÇÕES SEJAM EXECUTADAS PELO PRÓPRIO INTÉRPRETE. RETRIBUIÇÃO AUTORAL QUE NÃO SE CONFUNDE COM CACHÊ. POSSIBILIDADE DA TUTELA INIBITÓRIA A EVENTOS FUTUROS E INCERTOS. ART. 105 DA LEI N. 9.610/1998. COMPETÊNCIA DO ECAD PARA FIXAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE CÁLCULO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE SE COADUNA A PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. MODIFICAÇÃO APENAS DO ÍNDICE A SER APLICADO PARA A CORREÇÃO MONETÁRIA. TEMA 905 DA CORTE SUPERIOR. DECISÃO ALTERADA PARCIALMENTE EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO. (TJSC, Remessa Necessária Cível n. 0010839-78.2013.8.24.0004, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Jorge Luiz de Borba, Primeira Câmara de Direito Público, j. 14-09-2021).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE PRECEITO LEGAL C/C COBRANÇA. EXIBIÇÃO PÚBLICA DE COMPOSIÇÕES MUSICAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO OU DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO ESCRITÓRIO ARRECADADOR - ECAD, A TÍTULO DE DIREITOS AUTORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DOS RÉUS. PRELIMINARES. LEGITIMIDADE ATIVA DO ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO - ECAD, INCONTESTE. ARTIGO 99, §§ 1º E 2º, DA LEI N. 9.610, DE 19.2.1998. O ECAD tem legitimidade ativa para, como substituto processual, cobrar direitos autorais em nome dos titulares das composições lítero-musicais, inexigível a prova de filiação e autorização respectivas (Resp n.º 73.465 - PR (1995/0044169-1), Min. Aldir Passarinho Júnior, j. em 21/06/2005). ILEGITIMIDADE PASSIVA, IGUALMENTE NÃO EVIDENCIADA, ANTE A SOLIDARIEDADE ENTRE O ESTABELECIMENTO COMERCIAL E SEUS SÓCIOS. EXEGESE DO ART. 128 DA LEI Nº 5.988/73 E DO ART. 110 DA LEI Nº 9.610/98. . Sócio de pessoa jurídica responde solidariamente pela violação dos direitos autorais, perante o Ecad, em ação de cobrança. (TJSC, Apelação n. 0064939-62.2009.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 21-06-2016). PREFACIAIS AFASTADAS. MÉRITO. PRETENSO RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DA COBRANÇA DOS DIREITOS AUTORAIS REFERENTE AO SHOW DA DUPLA "HUGO PENA E GABRIEL", REALIZADO NA EXPOSIÇÃO-FEIRA AGROPECUÁRIA, INDUSTRIAL E COMERCIAL DE CHAPECÓ. INVIABILIDADE. VALORES RECLAMADOS PELO ECAD QUE ALÉM DE SE AFIGURAREM DEVIDOS, RESTARAM CONSUBSTANCIADOS NO RELATÓRIO ELABORADO POR TÉCNICOS DA ÁREA, OS QUAIS DELINEARAM DE FORMA PRECISA A RELAÇÃO DAS MÚSICAS EXECUTADAS NO DIA DO EVENTO EM QUESTÃO. OUTROSSIM, REGULAMENTO DE ARRECADAÇÃO, BEM COMO OS CORRESPONDENTES CÁLCULOS NELE PREVISTOS, QUE TEM INCIDÊNCIA PELA MERA EXECUÇÃO PÚBLICA DE OBRAS MUSICAIS SEM O PREFALADO PAGAMENTO ANTECIPADO/AUTORIZAÇÃO PRÉVIA. "(...) Está no âmbito de atuação do ECAD a fixação de critérios para a cobrança dos direitos autorais, que serão definidos no regulamento de arrecadação elaborado e aprovado em Assembleia Geral, composta pelos representantes das associações que o integram, e que contém uma tabela especificada de preços. Inteligência do art. 98 da Lei nº 9.610/1998. (...)". (REsp 1.559.264/RJ, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, j. 08.02.2017 - grifos meus). CONTRAPRESTAÇÃO QUE SE FAZ DEVIDA, ATÉ MESMO PORQUE INEXISTENTES PROVAS A DERRUIR O MENCIONADO RELATÓRIO, ÔNUS QUE INCUMBIA AOS APELANTES, A TEOR DO ART. 333, II, DO CPC/1973. DESCONSTITUIÇÃO DA PRETENSÃO AUTORAL QUE PODERIA TER-SE OPERADO MEDIANTE SIMPLES APRESENTAÇÃO DE INFORMAÇÕES CONTÁBEIS E/OU OUTROS ELEMENTOS DE ORDEM TÉCNICA, RELATIVOS AOS EVENTOS QUE JÁ PATROCINARAM, O QUE NÃO SE VISLUMBROU NA ESPÉCIE. SENTENÇA MANTIDA IN TOTUM. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0500539-26.2011.8.24.0018, de Chapecó, rel. José Maurício Lisboa, Primeira Câmara de Enfrentamento de Acervos, j. 24-10-2018).

Por outro lado, importa maior profundidade argumentativa a análise da preliminar de ilegitimidade passiva.

Das contrarrazões recursais, extrai-se que "A Convenção prevê, ainda, a constituição do Pool Hoteleiro, formado pelos condôminos, o que se operou logo após a entrega do empreendimento e início de suas atividades. Esse pool hoteleiro, caracteriza-se como uma sociedade em conta de participação composta pela administradora hoteleira e os proprietários de unidades autônomas, com o objetivo comum de auferir lucro (veja-se que o condomínio não integra essa sociedade). Nessa sociedade em conta de participação, a administradora do pool aparece como sócia ostensiva, enquanto os condôminos figuram como sócios ocultos. O Condomínio, por sua vez, não integra essa sociedade (nem poderia), e não explora qualquer atividade comercial (o que também não lhe seria permitido)".

Dentre as disposições legais que parametrizam o instituto da sociedade em conta de participação, vale considerar o parágrafo único do art. 993 do Código Civil cujo teor, prescreve: Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier.

E a relação jurídica em testilha aponta que a sociedade em conta de participação é composta pelo condomínio Il Campanário como sócio oculto e pela Sociedade Empresária JI Administração Hoteleira Ltda como sócia ostensiva, como executante de toda a atividade de hotelaria prestada no empreendimento.

Entretanto, à vista de terceiros, qualquer relação jurídica entabulada ocorre perante o condomínio Il Campanário o qual empresta toda a sua exuberante estrutura física para o desenvolvimento dos negócios sociais. Eis que "Na sociedade em conta de participação o sócio ostensivo é quem se obriga para com terceiros pelos resultados das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em decorrência da sociedade, nunca o sócio participante ou oculto que nem é conhecido dos terceiros nem com estes nada trata. (REsp nº 168.028-SP).Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido" (REsp 192.603/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 15/04/2004, DJ 01/07/2004, p. 197).

Sequer há separação no que toca ao estabelecimento empresarial, haja vista que a prestação dos serviços de hotelaria por parte da sócia ostensiva é desenvolvida junto à estrutura física do Condomínio Il Campanário. Circunstância, aliás, que subsome por completo à hipótese a teoria da aparência. Tudo porque, perante terceiros consumidores que procuram os serviços de hotelaria, não há qualquer informação acerca do sócio ostensivo do empreendimento, dado revelado por uma simples consulta ao sítio eletrônico do Il Campanário.

"Vê-se, pois, que a conta de participação é uma sociedade que só existe internamente, ou seja, entre os sócios. Externamente, isto é, perante terceiros, só aparece o sócio ostensivo, o qual exerce, em seu nome individual, a atividade, e responde sozinho pelas obrigações contratuais" (André Santa Cruz. Direito Empresarial, volume único, 11ª Edição. 2021. p. 370).

Todavia, no caso, e frente ao ECAD em particular, percebe-se uma notória desfiguração do instituto jurídico Sociedade em Conta de Participação, circunstância que desponta, inclusive, de toda a publicidade para a divulgação do empreendimento, operacionalizada em função de nome fantasia, coincidente com a denominação do sócio participante. Tal circunstância traz confusão perante terceiros, que...

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