Acórdão Nº 0316579-53.2018.8.24.0008 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 14-12-2021

Número do processo0316579-53.2018.8.24.0008
Data14 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0316579-53.2018.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO IZIDORO HEIL

APELANTE: MARLI CARDOZO ROSA (AUTOR) APELADO: BANCO INTER S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por MARLI CARDOZO ROSA contra sentença proferida pelo juízo da Vara de Direito Bancário da Comarca de Blumenau que julgou improcedentes seus pedidos iniciais.

Em suas razões, a parte autora aduziu, em resumo, que: jamais foi de sua vontade contratar os serviços de cartão de crédito com reserva de margem consignável; nunca sequer desbloqueou ou utilizou o cartão; não lhe foi esclarecido de que se tratava de negociação jurídica diversa do empréstimo consignado padrão; no contrato não consta o número de parcelas do referido mútuo; a dívida é impagável; a atitude da ré deve ser coibida com a fixação de uma indenização por danos morais. Ao final, pleiteou pela reforma da sentença, com a declaração de inexistência do pacto, condenação da instituição financeira à restituição em dobro dos valores cobrados, assim como ao pagamento de indenização por danos morais.

Com as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

Este é o relatório.

VOTO

De início, vale esclarecer que tanto a prolação da decisão recorrida quanto a interposição do recurso sucederam a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015).

Logo, a admissibilidade recursal deve observar o regramento disposto no Código de Processo Civil de 2015, segundo estabelecido no Enunciado Administrativo n. 3 do Superior Tribunal de Justiça:

Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

Dito isso, porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à análise de suas razões.

A demanda trata da legalidade ou não da contratação de empréstimo mediante cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), quando inexiste a efetiva utilização do cartão, ainda que demonstrada a aposição de assinatura da parte autora no termo contratual.

Com efeito, para que a contratação na modalidade cartão de crédito consignado seja válida, é necessário que o pensionista seja devidamente cientificado de todas as informações que envolvem os termos contratuais.

Nesse contexto, a Lei n. 13.172/15, que regulamenta esse tipo de contrato, dispõe em seu art. 6º que os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o INSS a proceder aos descontos e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato.

Em referidas contratações, o adquirente recebe um valor a título de crédito e passa a sofrer descontos mensais em seu benefício previdenciário ou folha de pagamento referentes a uma pequena margem de 5% (cinco por cento), calculada proporcionalmente de acordo com os seus proventos, que servem somente para pagar o valor mínimo da fatura de referido cartão, com a intenção de "abater" a dívida total.

Dessa forma, caso não procure uma casa bancária para promover a quitação da integralidade da fatura, o saldo devedor que não foi pago após o desconto da margem mínima sofre a incidência dos altos encargos rotativos de cartão de crédito, e, na prática, os descontos mensais de 5% (cinco por cento) sobre os rendimentos do contratante passam a ser insuficientes para quitar a dívida, que só aumenta.

Tendo em vista estas considerações, é difícil crer que o pensionista, ciente de todas as especificidades dessa modalidade de contratação e de sua alta onerosidade, realmente optaria por sua aquisição sem que tivesse a intenção de utilizar o cartão de crédito. Ora, se a intenção do contratante era o recebimento de pecúnia a título de empréstimo, não faz sentido a aquisição de um cartão de crédito apenas para esse fim.

A conclusão lógica que se chega, na mesma linha do que é alegado pelos litigantes que ingressam com demandas buscando o desfazimento desse tipo de contrato, é a de que as instituições financeiras não prestam o devido esclarecimento às pessoas que lhes procuram com a intenção de adquirir crédito rápido, fácil e de juros baixos. Assim, sem nem se dar conta, acabam adquirindo um cartão de crédito com margem consignável, quando sua intenção era a de contratar um empréstimo consignado puro e simples.

Tanto é que muitos contratantes sequer recebem o cartão de crédito, ou se recebem, não promovem seu desbloqueio. Também não efetuam a quitação da integralidade da fatura - quando recebida -, a qual não traz explicitamente a opção de pagamento do valor total, sendo desprovida de código de barras para pagamento e ainda detém a informação "extrato para simples conferência".

De todo esse contexto, verifica-se que o pensionista de fato é levado a erro no momento da contratação, resultando na aquisição de produto diverso e menos vantajoso do qual intencionava, ocasionada pela ausência de informações claras acerca das especificidades do contrato, conduta esta vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.

A propósito, extrai-se dos arts. 6º e 39 da legislação consumerista:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; [...]

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; [...]

À vista das vedações do CDC em prol dos direitos do consumidor, e diante de ter sido desvirtuada a real intenção contratual do adquirente pela instituição financeira, mostra-se inválida a contratação do cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC), a qual configura, ainda, venda casada.

E por esse motivo, a existência ou não de margem consignável ou pagamentos a título de amortização da dívida não podem servir como argumentos para afastar o dever de informação inerente ao prestador de serviço bancário, mormente porque existem diversas modalidades de créditos disponíveis no mercado, com condições de pagamento, prazos e taxas de juros diferentes. Exigir ou presumir que o consumidor saiba os pormenores de todos os contratos bancários comercializados é inverter as obrigações impostas pelo Código de Defesa do Consumidor, o que não pode ser aceito.

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