Acórdão Nº 0317106-61.2017.8.24.0033 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 16-09-2021

Número do processo0317106-61.2017.8.24.0033
Data16 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0317106-61.2017.8.24.0033/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0317106-61.2017.8.24.0033/SC

RELATOR: Desembargador GILBERTO GOMES DE OLIVEIRA

APELANTE: BERENICE DE OLIVEIRA PICCOLI (AUTOR) ADVOGADO: RAFAEL RODRIGO PORCIUNCULA RODRIGUES CONCEIÇÃO (OAB SC017726) ADVOGADO: MANOEL PAULO CASSEMIRO CONCEICAO NETO (OAB SC022113) APELADO: BANCO DO BRASIL S.A. (RÉU) INTERESSADO: EDISON JOSE PICCOLI (AUTOR) ADVOGADO: MANOEL PAULO CASSEMIRO CONCEICAO NETO

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo demandado, Banco do Brasil S.A., da sentença, proferida pela Juíza da Vara Regional de Direito Bancário da comarca de Itajaí, Dra. Bruna Canella Becker Burigo, que, nos autos da ação de revisão contratual (contrato particular de compra e venda de imóvel e mútuo com pacto adjeto de hipoteca), ajuizada por Berenice de Oliveira Piccoli, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para:

a) declarar a ilegalidade da capitalização de juros;

b) declarar a nulidade da utilização da Tabela Price;

c) afastar a incidência do coeficiente de equiparação salarial (CES);

d) determinar a compensação/restituição, na forma simples, dos valores exigidos indevidamente, de acordo com a revisão ora efetuada. Havendo saldo credor em favor da parte autora, seja efetuada a repetição do indébito, de forma simples, acrescidos de juros de mora e correção monetária, nos termos da fundamentação;

Em suas razões recursais, o banco demandado sustentou as seguintes teses:

(a) a impossibilidade de revisão contratual;

(b) a legalidade da capitalização de juros e da tabela price;

(c) a legalidade de cobrança do coeficiente de equiparação salarial;

(d) a impossibilidade de restituição do indébito;

(e) a incidência dos juros de mora a partir da citação; e

(f) o prequestionamento expresso da matéria.

Por fim, pautou-se pelo provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 64).

É o relatório.

VOTO

I. Tempus regit actum

Sentença proferida em 27.11.2020.

Portanto, à lide aplica-se o CPC/15, na forma do enunciado administrativo nº 3: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".

II. Tempestividade e preparo recursal

Constata-se que o recurso de apelação é tempestivo e que o recolhimento do preparo recursal foi comprovado (evento 56).

III. Caso concreto

(a) impossibilidade de revisão contratual

O apelante defende, em suas razões, a impossibilidade de revisão das cláusulas contratuais, bem como a legalidade dos encargos financeiros previstos no pacto, oportunidade em que discorre acerca do princípio da pacta sunt servanda.

De plano, cumpre pontuar que o caso em tela guarda relação de consumo, nos termos da Súmula n. 297, editada pelo Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Aqui, calha anotar que o microssistema consumerista se aplica ao caso, ainda que o destinatário final do serviço ou produto (art. 2º do CDC) seja pessoa jurídica, como é o caso dos autos, em razão da mitigação da teoria finalista, nos termos do entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça:

CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE.

[...]

3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor.

4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulne. [...] (RESP. n. 1195462/RJ. Relª Minª Nancy Andrghi, j. em 13.11.2012).

Chancelada aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie, anota-se que o art. 6º, do aludido diploma legal, dispõe acerca dos direitos básicos do consumidor e, especificamente no inciso V, prevê a

"modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas".

Adiante, o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor versa acerca das cláusulas contratuais nulas de pleno direito, relativas ao fornecimento de produtos e serviços, especialmente aquelas que colocam o consumidor em posição de extrema desvantagem.

Vale destacar algumas hipóteses previstas nos incisos do referido artigo:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

III - transfiram responsabilidades a terceiros;

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

[...]

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

[...]

Como se vê, ressoa patente a possibilidade de revisão, pelo Poder Judiciário, das cláusulas contidas nos contatos que instrumentalizam as relações de consumo...

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