Acórdão Nº 0318262-28.2018.8.24.0008 do Segunda Turma Recursal, 27-10-2020

Número do processo0318262-28.2018.8.24.0008
Data27 Outubro 2020
Tribunal de OrigemBlumenau
ÓrgãoSegunda Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Segunda Turma Recursal



Recurso Inominado n. 0318262-28.2018.8.24.0008, de Blumenau

Relatora: Juíza Ana Karina Arruda Anzanello


RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE COBRANÇA. SERVIDOR PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE BLUMENAU. REAJUSTE SALARIAL REFERENTE AO PERÍODO DE 2015 A 2016. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DO ENTE PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE DE INCREMENTO NA FORMA REQUERIDA NA EXORDIAL, POR TER SIDO O AUMENTO EFETUADO DE MANEIRA PARCELADA, EM CONFORMIDADE COM O DECRETO N. 10.994/2016. TESE REJEITADA. LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N. 932/2014 QUE INSTITUIU O ACRÉSCIMO NA REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS, PELA VARIAÇÃO ACUMULADA DO INPC (ÍNDICE NACIONAL DE PREÇOS AO CONSUMIDOR) NO PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE MAIO DE 2015 E ABRIL DE 2016, COM EFEITOS FINANCEIROS A CONTAR 1º DE MAIO DE 2016, SEM QUALQUER RESSALVA. IMPOSSIBILIDADE DO DECRETO REGULAMENTADOR SUPRIMIR O DIREITO INSTITUÍDO PELA LEI, ALTERANDO A PERIODICIDADE DA IMPLEMENTAÇÃO, SOB PENA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA HIERARQUIA DAS NORMAS. SENTENÇA QUANTO AO MÉRITO MANTIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA PELA TAXA REFERENCIAL (TR). INSUBSISTÊNCIA. ÍNDICE NACIONAL DE PREÇOS AO CONSUMIDOR AMPLO ESPECIAL (IPCA-E) É O FATOR APLICÁVEL PARA CORREÇÃO MONETÁRIA DOS CRÉDITOS DE SERVIDORES PÚBLICOS, ENVOLVENDO CONDENAÇÕES CONTRA FAZENDA PÚBLICA. READEQUAÇÃO EX OFFÍCIO. OBSERVÂNCIA DOS TEMAS 810 DO STF E 905 DO STJ. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0318262-28.2018.8.24.0008, da comarca de Blumenau 1ª Vara da Fazenda Acidentes do Trab e Reg Público, em que é Recorrente Município de Blumenau e Recorrido Zelindo Dolzan.


A Segunda Turma Recursal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e negar-lhe provimento e, de ofício, determinar que correção monetária seja contabilizada pelo IPCA-E. Por consequência, condenar o recorrente ao pagamento dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (art. 55 da Lei 9.099/95 c/c art. 27 da Lei 12.153/09). Sem custas processuais (art. 7º, inciso I da Lei Estadual n. 17.652/18).

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Juiz Marco Aurélio Ghisi Machado, com voto e dele participou o Exmo. Sr. Juiz Vitoraldo Bridi.


Florianópolis, 27 de outubro de 2020.


Ana Karina Arruda Anzanello

Relatora






















RELATÓRIO

O Município de Blumenau interpôs Recurso Inominado contra decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública, Acidentes do Trabalho e Registros Públicos da Comarca de Blumenau, que julgou procedente a "Ação Ordinária de Cobrança", referente ao reajuste anual, pela variação do INPC, no período compreendido entre maio de 2015 a abril de 2016, deflagrada por Zelindo Dolzan (fls. 86-102).

Em suas razões recursais (fls. 113-127), o Município aduziu, em síntese, que a Lei Complementar n. 932/2014 possui caráter meramente autorizativo, sendo inafastável o reconhecimento da inexistência de direito subjetivo da parte recorrida em pleitear qualquer reajuste, diversamente do estabelecido pelo Decreto Municipal n. 10.994/2016. Asseverou ainda que o Decreto não supriu direito, apenas estabeleceu meios que pudesse atender o que foi estabelecido pela Lei Complementar. Nestes termos, buscou a reforma da sentença.

Sem contrarrazões, os autos ascenderam a esta Turma de Recursos.

É o relatório.




VOTO

Inicialmente, encontram-se presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, o reclamo merece ser conhecido, passando-se, desta forma, à respectiva análise.

No mérito, entretanto, a insurgência não comporta guarida.

Isso porque, através da Lei Complementar n. 934/2014, de iniciativa do chefe do executivo municipal, foi concedido o reajuste anual, pela variação do INPC, no período compreendido entre maio de 2015 a abril de 2016 na remuneração de todos os servidores (ativos e inativos) do município de Blumenau, sem qualquer ressalva.

A propósito do interior teor da lei colhe-se:


Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a conceder aos servidores públicos do Município, suas autarquias e fundações públicas, o reajuste:

I - de 1% (um por cento), incidente sobre a remuneração do mês de outubro de 2014, com efeitos financeiros a contar de 1º de novembro de 2014, a título de aumento real;

II - correspondente à variação acumulada do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) no período compreendido entre maio de 2014 e abril de 2015, com efeitos financeiros a contar 1º de maio de 2015, a título de revisão geral anual das remunerações;

III - de 1% (um por cento), incidente sobre a remuneração do mês de abril de 2015, com efeitos financeiros a contar de 01 de maio de 2015, a título de aumento real;

IV - correspondente à variação acumulada do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) no período compreendido entre maio de 2015 e abril de 2016, com efeitos financeiros a contar 1º de maio de 2016, a título de revisão geral anual das remunerações;

V - de 1% (um por cento), incidente sobre a remuneração do mês de abril de 2016, com efeitos financeiros a contar de 01 de maio de 2016, a título de aumento real.

Parágrafo Único - A concessão dos reajustes de que tratam os incisos I, III e V, a título de aumento real, fica condicionada ao crescimento da receita do Município. (g.n.)


Portanto, percebe-se pela lei local, que a revisão geral anual de vencimentos dos servidores públicos municipais (art. 37, X, da CF) no período compreendido entre maio de 2015 a abril de 2016, deveria correspondenter à variação acumulada do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), com efeitos financeiros a contar 1º de maio de 2016 (artigo 1º, inciso IV da LCM n. 934/2014).

Ocorre que, ao regulamentar a Lei Complementar n. 934/2014, o chefe do executivo editou o Decreto n. 10.994/2016, alterando a forma e determinando que pagamento seria realizado de maneira parcelada:


"Art. 1º Fica concedido aos servidores públicos do Município, suas autarquias e fundações, o reajuste:

I - de 1% (um por cento), incidente sobre a remuneração do mês de abril de 2016, com efeitos financeiros a contar de 01 de maio de 2016, a título de aumento real;

II - de 2%, incidente sobre a remuneração do mês de maio de 2016, com efeitos financeiros a contar de 01 de maio de 2016, a título de revisão geral anual das remunerações;

III - de 2%, incidente sobre a remuneração do mês de novembro de 2016, com efeitos financeiros a contar de 01 de novembro de 2016, a título de revisão geral anual das remunerações;

IV - de 5,83%, incidente sobre a remuneração do mês de dezembro de 2016, com efeitos financeiros a contar de 01 de dezembro de 2016, a título de revisão geral anual das remunerações.

Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação."

Apesar de fundamentado com razoabilidade, o Decreto exarado pelo poder executivo municipal suspendeu vigência de lei complementar, o que é vedado no nosso ordenamento jurídico pátrio.

A propósito, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que:

"Decreto é a forma de que se revestem os atos individuais ou gerais, emanados do Chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito).

Ele pode conter, da mesma forma que a lei, regras gerais e abstratas que se dirigem a todas as pessoas que se encontram na mesma situação (decreto geral) ou pode dirigir-se a pessoa ou grupo de pessoas determinadas. Nesse caso, ele constitui decreto de efeito concreto (decreto individual); é o caso de um decreto de desapropriação, de nomeação, de demissão.

Quando produz efeitos gerais, ele pode ser:

1. regulamentar ou de execução, quando expedido com base no artigo 84, IV, da Constituição, para fiel execução da lei;

2. independente ou autônomo, quando disciplina matéria não regulada em lei. A partir da Constituição de 1988, não há fundamento para esse tipo de decreto no direito brasileiro, salvo nas hipóteses previstas no artigo 84, VI, da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 32/01; assim mesmo, é uma independência bastante restrita porque as normas do decreto não poderão implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos.

O decreto só pode ser considerado ato administrativo propriamente dito quando tem efeito concreto. O decreto geral é ato normativo, semelhante, quanto ao conteúdo e quanto aos efeitos, à lei.

Quando comparado à lei, que é ato normativo originário (porque cria direito novo originário de órgão estatal dotado de competência própria derivada da Constituição), o decreto regulamentar é ato normativo derivado (porque não cria direito novo, mas apenas estabelece normas que permitam explicitar a forma de execução da lei) (Direito administrativo. 32ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 268/269).


Na prática isso significa que a Lei é o ato normativo originário, porque cria o direito novo e decorre de procedimento próprio com participação do Poder Legislativo, conforme previsto na Constituição para o caso de alteração do subsídio dos servidores públicos (art. 37, X, da CF), já o Decreto é ato normativo derivado, secundário, de competência do Poder Executivo, que não cria e nem suprime o que a Lei criou, mas apenas serve para estabelecer regras que permitam a sua aplicabilidade.

Dito isso, ao editar o Decreto n. 10.994/2016 o Chefe do Executivo...

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