Acórdão Nº 0318458-05.2018.8.24.0038 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 25-03-2021

Número do processo0318458-05.2018.8.24.0038
Data25 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0318458-05.2018.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador GILBERTO GOMES DE OLIVEIRA

APELANTE: N. CORREIA CONSTRUCOES E INCORPORACOES EIRELI (AUTOR) APELANTE: BANCO DO BRASIL S.A. (RÉU) APELADO: BANCO DO BRASIL SA (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por ambas as partes da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 2ª Vara de Direito Bancário da comarca de Joinville, Dr. Fernando Speck de Souza, que, nos autos da ação de revisão contratual (escritura pública de abertura de crédito para construção de empreendimento imobiliário com hipoteca em garantia e outras avenças) ajuizada por N. Correia Construções e Incorporações Eireli em face de Banco do Brasil S.A., julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais para:

(a) reduzir os juros pactuados para 7,25% ao ano e 0,58% ao mês, o que corresponde à média das taxas tabeladas pelo Bacen para a época da contratação;

(b) permitir a capitalização mensal dos juros, uma vez que expressamente pactuada;

(c) admitir a utilização da TR como índice de atualização monetária;

(d) deixar de reconhecer a ocorrência de venda casada;

(e) determinar que os valores decorrentes da compra de unidades financiadas junto ao banco réu sejam corrigidos em no mínimo 80% do rendimento dos depósitos de poupança, desde a data da assinatura do respectivo contrato de financiamento imobiliário até a data da efetiva liberação dos recursos;

(f) acolher o pedido de repetição do indébito, determinando seja restituído, deduzido ou compensado do valor do débito, de forma simples, as quantias eventualmente pagas a maior por conta da cobrança dos encargos ora expurgados, acaso apurada a existência de crédito em favor da parte autora, nos termos dos arts. 368, 876 e 940 do Código Civil de 2002, além do art. 42, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90; e,

(g) acolher o pedido de declaração de inexistência de mora.

Em suas razões, a autora, N. Correia Construções e Incorporações Eireli, sustentou as seguintes teses:

(a) a ilegalidade da capitalização de juros;

(b) a ocorrência de venda casada, pois foi forçada a adquirir inúmeros produtos, e a necessidade de inversão do ônus da prova para que o banco apresente aos autos todos os contratos fechados no dia da assinatura do contrato objeto da presente demanda; e,

(c) a redistribuição dos ônus sucumbenciais.

Pautou-se pelo provimento do recurso.

Foram apresentadas contrarrazões no evento 53.

O Banco do Brasil S.A., por sua vez, defendeu, preliminarmante, a ocorrência de ausência de interesse processual tendo em vista que os pleitos revisionais afrontam os enunciados e precedentes das Cortes Superiores.

No mérito, sustentou as seguintes teses:

(a) a impossibilidade de incidência do CDC;

(b) a impossibilidade de revisão contratual e de aplicação da teoria da imprevisão;

(c) a validade dos juros remuneratórios;

(d) a legalidade do índice de correção monetária previsto contratualmente (IRP);

(e) a impossibilidade de correção dos valores a serem liberados no percentual de 80% dos rendimentos dos depósitos de poupança;

(f) a caracterização da mora da parte demandante;

(g) a impossibilidade de repetição do indébito; e,

(h) a condenação da parte demandante ao pagamento da integralidade dos ônus sucumbenciais.

Pautou-se pelo provimento do seu apelo.

Foram apresentadas contrarrazões no evento 72.

É o relatório.

VOTO

I. Tempus regit actum

Sentença publicada em 29.10.2019 (evento 37 - certidão 108).

Portanto, à lide aplica-se o CPC/15, na forma do enunciado administrativo nº 3: "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".

II. Tempestividade e preparo recursal

Constata-se que os recursos são tempestivos e que as partes comprovaram o recolhimento do preparo recursal (eventos 47 e 69).

Assim, e porque satisfeitos os pressupostos legais, conheço dos apelos.

III. Caso concreto

Cuida-se de ação de revisão contratual ajuizada por N. Correia Construções e Incorporações Ltda. em face de Banco do Brasil S.A., fundada na escritura pública de abertura de crédito para construção de empreendimento imobiliário, com hipoteca em garantia e outras avenças de nº 342.801.857.

O feito se desenvolveu regularmente e, como se viu, o magistrado a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais.

Inconformadas, ambas as partes apelaram, cujas razões recursais passo à análise.

III.I Preliminar arguida pelo Banco do Brasil S.A.

Preliminarmente, o Banco do Brasil S.A. sustenta a ausência de interesse de agir da parte demandante, pois esta defenderia teses contrárias à jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Mas, a preliminar confunde-se com o mérito dos pedidos formulados pela parte demandante.

Conforme expressamente consignado pelo Juízo a quo, Dr. Fernando Speck de Souza, "a alegação de ausência de interesse processual diz respeito ao mérito da causa, pois pretende a parte autora em cada uma das suas indicações revisar o negócio jurídico firmado entre os litigantes".

Assim, rejeita-se a preliminar suscitada e passa-se aos apelos de ambas as partes.

III.II Apelo da autora, N. Correia Construções

(a) capitalização de juros

A apelante sustenta a ilegalidade da capitalização mensal de juros.

Pois bem. A prática do anatocismo, como também é conhecida a capitalização de juros, é regulamentada pela Medida Provisória n. 2.170.36/2001 (que reeditou a Medida Provisória n. 1.963-17/00), a qual dispõe em seu art. 5º: "nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano" (destaquei).

Como se vê, a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano é permitida pelo ordenamento jurídico pátrio, hipótese, inclusive, confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, que editou a Súmula nº 539 com o seguinte teor:

É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/00, reeditada como MP 2.170-36/01), desde que expressamente pactuada. (destaquei)

A propósito, acerca da exigência de expressa pactuação, contida no teor da súmula, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento em julgamento de Recurso Especial, julgado sob o rito dos recursos repetitivos, nos seguintes termos:

A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. (Recurso Representativo de Controvérsia. REsp. n. 973.827. Relª. Minª Maria Isabel Gallotti, j. em 08.08.2012). (destaquei)

Desta Câmara julgadora:

Apelação cível. Ação revisional. Contrato de financiamento. Alienação fiduciária em garantia. Aquisição de veículo. Sentença de improcedência. Insurgência da requerente. [...] Capitalização mensal de juros. Possibilidade, porquanto prevista por menção numérica das taxas. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte.[...] (Apelação cível n. 0301743-23.2015.8.24.0027, de Ibirama. Rel. Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva, j. em 01.06.2017). (grifos)

Em resumo, a análise casuística da prática do anatocismo deve se ater, no caso concreto, à data da pactuação, ou seja, se posterior à edição da Medida Provisória 1.963-17/00, em 31 de março de 2000, bem como à existência de expressa e clara pactuação, considerado como suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada a previsão no contrato de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal.

Por corolário, diante de tal exigência, nas situações em que se constate a impossibilidade de aferição da pactuação da capitalização de juros, por exemplo pela ausência dos instrumentos contratuais nos autos, ou mesmo a ausência de pactuação no instrumento contratual, a prática do anatocismo deve ser rechaçada.

Neste sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. PROCEDÊNCIA. APELO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.

CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. INSTRUMENTO CONTRATUAL NÃO JUNTADO. AFASTAMENTO. INVIABILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONTRATAÇÃO.

Na impossibilidade de ser aferida a existência de cláusula contratual expressa viabilizando a cobrança de juros capitalizados, deve tal exigência ser afastada, em qualquer periodicidade. [...] (Apelação cível n. 0004074-96.2007.8.24.0135, de Navegantes. Rel. Des. Jaime Machado Júnior, j, em 31.08.2017). (destaquei).

No caso, constata-se que a taxa de juros anual (9,80%) é superior ao duodécuplo da taxa de juros mensal (0,78%), de modo que, nos termos da orientação do Superior Tribunal de Justiça, há pactuação do anatocismo, permitida, então, a cobrança da capitalização de juros em periodicidade inferior à anual.

Portanto, mantém-se os termos da sentença, que admitiu a prática da capitalização de juros na hipótese, pois expressamente prevista.

(b) venda casada

Outrossim, a demandante alega a ocorrência de venda casada, pois foi forçada pelo banco demandado a adquirir produtos para concluir a operação.

Contudo, a alegação é genérica, pois deixa de especificar quais serviços lhe foram impostos, supostamente.

É cediço que o recurso de apelação deverá conter os fundamentos de fato e de direito atinentes à irresignação do recorrente, mormente quando se trata de pleito de análise de cláusulas de contrato bancário, sendo imprescindível a demonstração das razões da pretensa reforma da sentença.

Assim, não conheço da irresignação, pois elaborada de forma genérica e sem a comprovação de quais serviços lhe foram impostos, impositiva e arbitrariamente, para a conclusão da operação bancária.

III.III Apelo do Banco do Brasil S.A.

(a) inaplicabilidade do CDC

Inicialmente, o banco demandado sustenta a impossibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso, pois o crédito oriundo do contrato...

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