Acórdão Nº 0319741-34.2016.8.24.0038 do Sexta Câmara de Direito Civil, 14-09-2021

Número do processo0319741-34.2016.8.24.0038
Data14 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0319741-34.2016.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ CARVALHO

APELANTE: TIAGO SCHMITT (AUTOR) APELADO: LIBERTY SEGUROS S/A (RÉU)

RELATÓRIO

Adoto, por economia processual e em homenagem à sua completude, o relatório da sentença:

Trata-se de "ação de cobrança" ajuizada por Tiago Schmitt em face de Liberty Seguros S/A. Objetiva a parte autora, em suma, complementação de indenização por invalidez permanente por acidente sofrido em 31/08/2015, fundado em apólice de seguro de vida em grupo.

Com arrimo em tais argumentos, pleiteou a condenação da parte ré ao pagamento do valor total do capital segurado, correspondente à indenização por invalidez permanente.

Procuração e documentos (ev. 1).

Devidamente citada, a parte ré apresentou contestação (ev. 8, doc. 10/13), tendo no mérito rechaçou a pretensão ao argumento de pagamento integral do capital segurado.

Houve réplica (ev. 13).

Realizada a perícia judicial, conforme ev. 38

É o relatório.

A parte dispositiva da sentença é do seguinte teor:

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente em parte os pedidos formulados por Tiago Schmitt em face de Liberty Seguros S/A e, por conseguinte:

CONDENO a parte ré ao pagamento de R$ 400,00 (quatrocentos reais), que deverá ser corrigido monetariamente pelo INPC desde a data de contratação do seguro ou da última renovação do contrato, se for o caso, e juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação (art. 405 do CC).

Em razão de ter decaído de parte significativa do pedido, arca o autor com 40% das despesas processuais e verba honorária de 10% sobre o valor da causa atualizado e a ré com 60% das despesas processuais (art. 82, §2º do CPC) e honorários fixados em R$ 500,00 (quinhentos reais), com base no art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC.

Fica suspensa a exigibilidade destas verbas quanto ao autor, dada a condição da parte sucumbente de beneficiário da Justiça Gratuita (art. 98, § 3º CPC).

Expeça-se alvará judicial em favor da perita nomeada para o levantamento ou a transferência dos valores depositados a título de honorários, na forma como se requer (ev. 39).

Inconformada, o Autor interpôs o presente recurso de Apelação Cível (evento 52) arguindo, em síntese, que (a) jamais foi informado acerca das limitações de pagamento de acordo com a tabela de graduação; (b) jamais teve ciência que o valor indenizatório integral somente teria aplicação acaso se tratasse de invalidez total; (c) a apelada não comprovou fato desconstitutivo de seu direito e muito menos tê-lo cientificado acerca das cláusulas restritivas.

Por fim, requereu fosse dado provimento ao presente, julgando totalmente procedentes os pedidos exordiais.

Foram apresentadas contrarrazões (Evento 60), pela manutenção da decisão.

VOTO

Ab initio, uma vez que a actio foi proposta já sob a égide do Código Fux, desnecessárias digressões acerca da legislação processual aplicável à espécie.

Isso dito, satisfeitos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Insurge-se o Autor, em síntese, sob a ótica de (i) não ter sido observado o direito de informação que preceitua as relações consumeristas dessa modalidade; (ii) ser devido o pagamento do valor integral do capital segurado, para além da mera complementação reconhecida pela sentença em relação ao grau de debilidade apurado.

Pois bem, adianto que a pretensão como posta merece acolhida.

O Código de Defesa do Consumidor estabelece claramente que ao contrato de seguro são aplicáveis as normas consumeristas, como serviço de natureza securitária:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

[...]

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso).

Ainda, a norma consumerista discorre sobre o direito à informação do consumidor, estabelecendo que dentre os direitos básicos do consumidor está "a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; [...]." (CDC, art. 6º, inciso III).

Além disso, deve-se ter em conta que o art. 46, da mesma norma enuncia que "os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo".

Outrossim, o art. 51 do CDC, estabelece as hipóteses de nulidade de cláusulas contratuais, in verbis:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

[...]

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

[...].

Ou seja, os contratos que regulam as relações de consumo devem fornecer as informações claras e adequadas ao consumidor, sendo que qualquer disposição limitativa de direitos da qual não tenha tido o consumidor a oportunidade de manifestar-se não poderá ser a ele oposta, por ser nula de pleno direito.

Por outro lado, dispõe o art. 757 do Código Civil que "pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados".

Nesse contexto, analisando-se tanto a norma geral atinente ao contrato de seguro quanto as disposições consumeristas, conclui-se que nada obsta que o contrato de seguro estabeleça os riscos aos quais se propõe a indenizar, excluindo ou restringindo direitos em situações específicas, desde que todas as cláusulas que, de alguma forma, limitem o direito do segurado sejam a ele informadas, como redigidas com destaque, sob pena de não lhe serem oponíveis.

No caso dos autos, o Autor informou ter firmado com a seguradora ré "contrato de seguro de vida em grupo e acidentes pessoais" (Evento 1 petição 1 p. 1), no qual consta indenização por acidente (IPA) no valor de R$ 20.000,000. Acrescentou ter sofrido acidente de trânsito em 31-8-2015, o qual lhe causou fratura de membro inferior esquerdo.

Aduziu que postulou pagamento da indenização securitária administrativamente, recebendo, em 11-8-2016 o valor de R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais). Defendeu seu direito ao recebimento do valor total existente na apólice, com relação à rubrica invalidez permanente total por acidente.

A existência da avença restou demonstrada por meio da apólice geral de seguro (Evento 8 - informação 175) do qual se extrai que havia cobertura para os seguintes eventos: (i) morte; (ii) auxílio funeral em caso de morte; (iii) invalidez permanente por acidente.

A invalidez por acidente é assim conceituada nas condições gerais (evento 8 informação 5 p. 2):

Invalidez Permanente Total ou Parcial Por Acidente - (I.P.A.) Garante o pagamento ao próprio Segurado, de uma indenização proporcional à perda ou redução funcional de um membro ou órgão, sofrida em conseqüência de acidente coberto, sendo o valor correspondente de até 100 % do capital básico

Acerca do pagamento do valor indenizatório, dispõe a apólice (Evento 8 - informação 20 p. 7):

4.3.2 Após a conclusão do tratamento, ou esgotados os recursos terapêuticos para recuperação e verificada a existência de invalidez permanente avaliada quando da alta médica definitiva, a Seguradora deve pagar ao próprio Segurado uma indenização, estipulada de acordo com os percentuais estabelecidos na Tabela de cálculo de indenização em caso de Invalidez Permanente, constante no subitem 4.3.12 destas Condições Gerais.

O acidente sofrido pelo autor, assim como seu enquadramento como acidente pessoal, além de incontroversos, pois suscitados pelo autor e admitidos pela ré (art. 374, II e III, do CPC), restaram demonstrados por meio dos documentos médicos, boletim de ocorrência e cópia de parte do procedimento administrativo, juntados à exordial.

A incapacidade, por sua vez, foi objeto de laudo pericial, cuja conclusão assim apontou (Evento 38):

As sequelas, minusvalias ou handicaps permanentes que apresenta o requerente atualmente (passados 4 anos e 5 meses) do acidente de trânsito fruto da presente querela, segundo a tabela de avaliação de dano corporal...

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