Acórdão Nº 0319896-08.2014.8.24.0038 do Terceira Câmara de Direito Público, 03-03-2020

Número do processo0319896-08.2014.8.24.0038
Data03 Março 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0319896-08.2014.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Júlio César Knoll

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CONFORME ART. 37, § 6° DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SUICÍDIO DE DETENTO NO INTERIOR DE UNIDADE PRISIONAL, USANDO O PRÓPRIO CINTO PARA ENFORCAMENTO. OMISSÃO CONFIGURADA. REFORMA DA SENTENÇA QUANTO À INDENIZAÇÃO À VIÚVA, QUE VIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL COM O DE CUJUS. COMPROVAÇÃO DA VIDA AFETIVA E MARITAL. PENSÃO MENSAL. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. DANOS MATERIAIS NÃO COMPROVADOS. REQUERIDO QUE DECAIU DE PARTE MÍNIMA DO PEDIDO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS QUE DEVEM RECAIR INTEIRAMENTE SOBRE O ENTE PÚBLICO ESTADUAL. ALTERAÇÃO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS DE OFÍCIO. RECURSO CONHECIDO E ACOLHIDO, EM PARTE.






Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0319896-08.2014.8.24.0038, da comarca de Joinville 2ª Vara da Fazenda Pública em que são Apelantes Sheila Pires de Lima Neves e outros e Apelado Estado de Santa Catarina.

A Terceira Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, por meio eletrônico, conhecer e dar parcial provimento ao apelo, para: a) condenar o Estado de Santa Catarina ao pagamento de indenização por danos morais à Sheila Pires de Lima; b) majorar o quantum indenizatório para R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para cada autor; c) fixar a pensão por morte nos termos acima determinados; d) modificar o ônus sucumbencial. Alteram-se os consectários legais de ofício. Custas na forma da lei.

O julgamento, realizado no dia 3 de março de 2020, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Jaime Ramos, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Ronei Danielli.

Funcionou como representante do Ministério Público o Dr. Paulo Cezar Ramos de Oliveira.





Florianópolis, 3 de março de 2020.



Desembargador Júlio César Knoll

Relator


RELATÓRIO

Perante a 2ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Joinville, Sheila Pires de Lima, Victória Luiza de Lima Franz, Vítor Paulo Lima, Eduarda Alves Franz, Kelvin Vaz Franz, promoveram, com fundamento nos permissivos legais, através de procurador habilitado, ação indenizatória, em desfavor do Estado de Santa Catarina.

Relataram, em suma, que são esposa e filho, respectivamente, de Edemilson Paulo Franz, detento de estabelecimento prisional que, no dia 12-11-2011, enforcou-se nas dependências do mesmo.

Alegaram que, houve negligência do ente público estadual, uma vez que seus agentes deixaram de exercer a vigilância pertinente.

Postularam pela procedência da ação, para que fosse o requerido condenado ao pagamento de indenização pelos danos morais e materiais sofridos.

Recebida, registrada e autuada a inicial, o Estado de Santa Catarina foi citado. No prazo legal, veio aos autos e ofereceu resposta, via contestação.

Nela refutou os argumentos expostos na prefacial.

Após réplica, foi realizada a oitiva das testemunhas arroladas, e apresentadas as alegações finais.

Ato contínuo, o MM. Juiz de Direito, Dr. Roberto Lepper, proferiu sentença, a saber (fls. 265-276):

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE, em parte, o pedido veiculado nesta AÇÃO DE INDENIZAÇÃO proposta por VICTORIA LUIZA DE LIMA FRANZ, VITOR PAULO LIMA, EDUARDA ALVES FRANZ e KELVIN VAZ FRANZ contra ESTADO DE SANTA CATARINA, para condenar o réu a pagar aos autores o valor de R$ 40.000,00 (R$ 10.000,00 para cada um deles), a título de indenização por danos morais, cuja monta deverá ser acrescida de correção monetária, a partir do arbitramento (STJ Súmula nº 362), e juros de mora, estes contados do evento danoso (23.09.2016; STJ Súmula nº 54; TJSC Ap. Cível nº 2013.091446-2, de Joinville, Segunda Câmara de Direito Público, rel. Des. João Henrique Blasi, julgada em 25.03.2014; TJDFT Ap. Cível nº 0021152-97.2012.8.07.0007, de Taguatinga, 4ª Turma Cível, unânime, relatora Desembargadora Gislene Pinheiro, j. em 24.09.2014), a incidir de uma única vez, até o efetivo pagamento, com base nos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (Lei º 9.494/97, art. 1º-F, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009 c/c Lei nº 8.177/91, art. 12, com as alterações promovidas pela MP nº 567/2012, convertida na Lei nº 12.703/2012). Por outro lado, JULGO IMPROCEDENTE o pedido condenatório formulado por SHEILA PIRES DE LIMA contra ESTADO DE SANTA CATARINA. Considerando que os demandantes decaíram da maior parte do pedido, arcarão com o pagamento do correspondente a 80% do valor das despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios devidos ao patrono do réu, que fixo em 15% do valor atualizado da condenação (CPC, art. 85, § 2º), cuja obrigação, entretanto, ficará suspensa até que se comprove que os devedores poderá adimplí-la sem prejuízo do sustento próprio e o da família (CPC, art. 98, § 3º; TJSP Ap. Cível nº 0132736-56.2012.8.26.0100, de São Paulo, 26ª Câmara de Direito Privado, unânime, rel. Des. Antonio Nascimento, j. em 15.09.2016). O réu arcará com o pagamento do correspondente a 20% do valor das despesas processuais devidas à Sra. Distribuidora e ao Sr. Contador desta comarca (TJSC Apelação Cível nº 2009.033676-8, de Joinville, Quarta Câmara de Direito Público, un., rel. Des. Jaime Ramos, j. em 16.07.2009; no mesmo sentido: STJ Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.180.324/PR, Primeira Turma, un., rel. Min. Luiz Fux, j. em 22.06.2010). Incumbir-lhe-á, também, o pagamento dos honorários advocatícios, os quais arbitro em 5% do valor atualizado da condenação (CPC, art. 85, § 2º). Sentença não sujeita ao reexame necessário (CPC, art. 496, § 3º, inc. III). Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Inconformados, a tempo e modo, os autores interpuseram recurso de apelação.

Em suas razões, pediram a reforma da decisão quanto ao pedido de Sheila Pires de Lima, bem como a majoração do quantum indenizatório fixado para os filhos do de cujus.

No mais, pediram a modificação de pleito de danos materiais e pensão por morte.

Apresentadas as contrarrazões, os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça, sendo que lavrou parecer o Dr. Rogê Macedo Neves, que manifestou-se conhecimento e parcial provimento do recurso de apelação interposto nos autos, para: a) majorar a quantia fixada a título de danos morais, em R$ 100.000,00 (cem mil reais); e b) condenar o ente público ao pagamento de pensão mensal destinada aos autores Victória Luiza de Lima Franz, Vítor Paulo Lima, Eduarda Alves Fraz e Kelvin Vaz Franz, a ser distribuída em partes iguais para cada beneficiário, calculada sobre 2/3 (dois terços) da remuneração da vítima, desde a data do óbito (12/11/2011) até o momento em que completarem 18 (dezoito) anos, ou até que atinjam 25 (vinte e cinco) anos, se comprovada a condição de estudantes" (fls. 338-348).

Após, vieram conclusos.

É o relatório.






VOTO

A insurgência voluntária apresentou-se tempestiva e satisfez os demais requisitos legais, motivo pelo qual merece ser conhecida.

Trata-se de ação indenizatória, promovida por Sheila Pires de Lima, Victória Luiza de Lima Franz, Vítor Paulo Lima, Eduarda Alves Franz, Kelvin Vaz Franz, em desfavor do Estado de Santa Catarina, em que se objetiva a reparação de danos causados pelo suicídio de detento, que era esposo e pai dos requerentes, em presídio estadual.

A decisão a quo estabelece a análise dos autos sob a ótica da responsabilidade estatal subjetiva.

Entretanto, a jurisprudência é uníssona em admitir, quanto trata-se da custódia de detentos, a responsabilidade do Estado é objetiva (Tema 592, do STJ):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.

2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.

3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).

4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional.

6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g., homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis.

7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.

8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de...

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