Acórdão Nº 0321682-35.2014.8.24.0023 do Primeira Câmara de Direito Civil, 28-07-2022

Número do processo0321682-35.2014.8.24.0023
Data28 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0321682-35.2014.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador RAULINO JACÓ BRUNING

APELANTE: ENIVALDO DA SILVA ADVOGADO: FELIPE DA LUZ SILVA (OAB SC023030) APELANTE: ARLETE COSTA DA SILVA ADVOGADO: FELIPE DA LUZ SILVA (OAB SC023030) INTERESSADO: MUNICIPIO DE FLORIANOPOLIS INTERESSADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO INTERESSADO: PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERESSADO: ITAMAR JOAO DOS SANTOS INTERESSADO: BERNADINA GONZAGA SIQUEIRA INTERESSADO: AURANI FELIX INTERESSADO: ELENIR GONÇALVES FELIX INTERESSADO: MARIA ISABEL DA COSTA INTERESSADO: MARIA LUCIA DA COSTA ZAUER INTERESSADO: OSMAR SILVY

RELATÓRIO

Adoto o relatório da r. sentença (EVENTO 61), proferida na Comarca da Capital, da lavra da Magistrada Maria Paula Kern, por refletir fielmente o contido no presente feito, in verbis:

Enivaldo da Silva e Arlete Cota da Silva, qualificados à fl. 01, propuseram ação de usucapião pela modalidade ordinária, objetivando a declaração de propriedade sobre um imóvel localizado na Servidão João Manoel dos Santos, n. 151, Armação do Pântano do Sul, com 202 m².

Fizeram os pedidos de estilo e juntaram documentos às fls. 11/49.

Recolhidas as custas (fls. 50/51), foram determinadas as citações (fl. 52).

O Ministério Público disse não ter interesse no feito (fls. 120/122).

Acresço que a Juíza a quo julgou extinta a ação, sem resolução de mérito, por ausência de interesse processual, sob o fundamento de que "a parte autora já possui condições de ter o domínio do imóvel", conforme parte dispositiva que segue:

Isto posto, sentencio o processo sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, VI, do CPC e julgo extinta esta ação de usucapião.

Custas pela parte autora.

Transitada em julgado, dê-se baixa e arquive-se, observados os arts. 320 e seguintes do CNCGJ/SC.

P.R.I.

Inconformados com a prestação jurisdicional entregue, Enivaldo da Silva e Arlete Costa da Silva apelam, sustentando, em síntese, que: a) "o Contrato Particular de Compromisso de Compra e Venda entabulado entre as partes contemplou apenas parte da área registrada (202,00m² de 585,00m²). Não houve transmissão da propriedade, mas, sim, a cessão de direitos da posse sob referido imóvel, que estava totalmente delimitado quando da sua aquisição, dessa forma, verifica-se que o contrato firmado não é hábil à transferência da propriedade"; b) "ademais, é de conhecimento público e notório que a transferência da propriedade/domínio só pode ser efetuada através de Escritura Pública de Compra e Venda devidamente confeccionada em Tabelionato, o que não aconteceu no caso em tela, haja vista que o Sr. José Patrocínio, falecido em 2015, não tinha como outorgar escritura da fração ideal de 202,00m², diante da vedação constante no Provimento n. 13/1994 da Corregedoria Geral de Justiça de Santa Catarina"; c) além disso, "o imóvel em tela não se enquadra nos requisitos exigidos no plano diretor para desmembramento, dessa forma, não resta alternativa para regularização do imóvel senão através de ação de usucapião"; d) "somado a isso, os confrontantes do imóvel, a esposa do Sr. José Patrocínio da Costa, Sra. Maria Isabel da Costa e os herdeiros, foram devidamente citados e não se opuseram à pretensão dos Apelantes"; e) "o imóvel em tela foi adquirido em 14/12/2002, há mais de 10 anos, é utilizado para moradia da família, a posse sempre foi exercida de forma mansa, pacífica, ininterrupta, de boa-fé e com justo título", estando preenchidos os requisitos necessários ao pleito usucapiendo. Ao final, pugnam pela reforma da sentença a fim de que seja declarado o domínio do imóvel objeto da lide (EVENTO 66, PG).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Monika Pabst, alvitrando o conhecimento e desprovimento do reclamo (EVENTO 76, PG).

VOTO

1. Admissibilidade

No que se refere ao juízo de admissibilidade, tem-se que preenchidos os pressupostos intrínsecos, pois o recurso é cabível e a parte tem legitimidade e interesse recursal, inexistindo fatos impeditivos ou extintivos do poder de recorrer.

De igual forma, atinente aos pressupostos extrínsecos, verifica-se que o reclamo é tempestivo, está munido de preparo (EVENTO 66) e apresenta a regularidade formal, motivo por que segue a análise da insurgência.

2. Recurso

Inicialmente, convém elucidar a questão fática envolvida.

Os autos dão conta de que Enivaldo da Silva (autor) adquirira de José Patrocínio da Costa, no ano de 2002, mediante Contrato Particular de Compra e Venda, um imóvel com área de 202,00m², o qual está situado na Servidão João Manoel dos Santos, n. 151, bairro Armação do Pântano do Sul, Florianópolis/SC (EVENTO 1, informação 4).

Os autores juntaram ao caderno processual certidão expedida pelo Cartório do 2º Ofício do Registro de Imóveis da Comarca de Florianópolis, dando conta de que o bem usucapiendo faz parte de uma área maior de 585,00m², esta registrada sob o n. 36.764, de propriedade de José Patrocínio da Costa e Maria Isabel da Costa (EVENTO 1, informação 9).

Além disso, colacionaram aos autos: a) levantamento topográfico e memorial descritivo, acompanhados da Anotação de Responsabilidade Técnica; b) fotografias; c) certidões negativas cíveis expedidas pela Justiça Estadual e Federal em nome dos autores e do proprietário registral do imóvel; d) Contrato Particular de Compra e Venda; e) comprovantes de pagamento de contas de água, telefone, energia elétrica e IPTU do ano 2007 e seguintes; e f) declarações firmadas por vizinhos (EVENTO 1).

Posteriormente, no petitório carreado ao EVENTO 47, petição 52, informaram os requerentes que o proprietário registral faleceu em 23/2/2015, deixando os herdeiros Maria Isabel da Costa (meeira), Maria Lúcia da Costa Zauer e Arlete Costa da Silva (autora).

O Órgão Ministerial, por meio do Promotor de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Henrique Limongi, manifestou pela ausência de interesse para intervir na demanda (EVENTO 59).

Na sequência, a Magistrada de piso sentenciou o feito, extinguindo a ação, por entender que "a parte autora não tem interesse de agir no processamento da presente demanda pela falta de necessidade, visto que já possui as condições para registrar a propriedade do imóvel em seu nome, bem como pela falta de adequação, uma vez que o desmembramento não pode ser feito mediante ação de usucapião" (EVENTO 61).

Após a interposição do presente apelo, lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Monika Pabst, alvitrando, por fundamento diverso daquele exarado na sentença, o conhecimento e desprovimento do reclamo (EVENTO 76).

Pois bem.

Atinente ao instituto da usucapião, sabe-se que a Constituição Federal de 1988 consagrou princípios e mecanismos visando estabelecer o desenvolvimento nacional e promover a justiça social, dando destaque ao direito de propriedade e à função social.

O Código Civil de 2002, por sua vez, modernizou o instituto da usucapião e, amparado no texto constitucional, assumiu uma nova perspectiva com relação à propriedade, ou seja, o seu sentido social, indissociável ao ser humano.

A usucapião, portanto, não é apenas um meio de obtenção da propriedade, mas, também, visa a satisfazer a efetivação da função social, que busca uma finalidade específica para o imóvel. Além disso, possui uma importância inegável no que tange à aquisição de direitos fundamentais, como o direito à propriedade, à moradia e ao mínimo existencial.

Imperioso citar que o instituto é de suma importância, especialmente às minorias e aos economicamente desfavorecidos, além de servir como meio de implementação das políticas urbanas nos municípios brasileiros.

Nesse contexto é que a flexibilização das normas atinentes ao instituto da usucapião frente ao direito fundamental de moradia se faz necessária.

Situação ainda presente no cenário brasileiro, além dos altos índices de famílias sem moradia e de propriedades improdutivas, é o expressivo número de imóveis irregulares. Parte deles são passíveis de serem resolvidos por meio de ação própria que defere o direito à propriedade, com ou sem o justo título e boa-fé.

É consabido que há requisitos que são exigíveis, porém, atualmente, o legislador criou formas de facilidade e agilidade para que sejam usucapidos e registrados imóveis partindo dos pressupostos posse e tempo, aliados a função social da propriedade, determinada pela Constituição Federal (art. 5º, XXIII), simplificando os procedimentos para o reconhecimento da usucapião.

Há de se considerar, ainda, que com o advento da Lei n. 13.105, de 16/03/2015 (Código de Processo Civil), a usucapião passou a ser passível de reconhecimento pela via extrajudicial, visando à celeridade para quem deseja usucapir um imóvel, evidenciando a preocupação do legislador brasileiro com a promoção do princípio da função social da propriedade.

Importante mencionar, nesse contexto, o Programa Lar Legal, criado pelo Poder Judiciário de Santa Catarina, que conta com o apoio do Ministério Público e de Prefeituras, o qual consiste em outorgar títulos de propriedade para famílias carentes residentes em loteamentos clandestinos ou comunidades empobrecidas, sem condições financeiras nem acesso à regularização por meio da Justiça comum. A iniciativa é referência na valorização da cidadania e promoção da justiça social no Brasil.

Atinente ao Programa Lar Legal, em matéria publicada no Jornal ND de 27/6/2022...

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