Acórdão Nº 0321957-65.2016.8.24.0038 do Quinta Câmara de Direito Público, 03-08-2021

Número do processo0321957-65.2016.8.24.0038
Data03 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Tipo de documentoAcórdão










Apelação / Remessa Necessária Nº 0321957-65.2016.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA E OUTRO APELADO: LA FONTAINE COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA E OUTRO


RELATÓRIO


A Procuradoria-Geral de Justiça relatou o feito nestes termos:
Dois são os recursos de Apelação interpostos: um, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA; outro, pelo MUNICÍPIO DE JOINVILLE, todos inconformados com a sentença prolatada nos autos do Mandado de Segurança n. 0321957-65.2016.8.24.0038, impetrado por LA FONTAINE COMERCIO DE VEÍCULOS LTDA, por meio do qual o Juízo de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública daquela Comarca concedeu a segurança para ordenar ao ente municipal que, com o escopo de regularizar a obra edificada pelo impetrante, abstenha-se de exigir qualquer recuo em relação à margem do Rio Cachoeira, sito na Rua Maceió, n. 32, bairro Saguaçu, em Joinville (evento 24, SENT48, autos em primeiro grau).
Em suas razões, o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL reclama pela reforma da sentença, sustentando ser inadmissível falar em direito adquirido à degradação ou à poluição em matéria ambiental. Disse que, embora o imóvel em questão esteja inserido em área urbana consolidada, é atingido por mancha de inundação, portanto, sujeito ao risco de enchentes. Acrescentou que o fato de o corpo hídrico ser parcialmente canalizado não o descaracteriza como rio e nem afasta o dever de proteção. Ao fim, relembrou que o bairro Saguaçu é constantemente atingido por enchentes e inundações.
Por conta desse cenário, pugna pela reforma integral da sentença, a fim de que seja cassada a ordem mandamental concedida, mantendo-se o ato administrativo municipal que condicionou a construção no terreno à reserva dos limites impostos a título de área de preservação permanente, tal como definida na Lei n. 12.651/2012 (Código Florestal Brasileiro) (evento 40, PET65, autos em primeiro grau).
O MUNICÍPIO DE JOINVILLE defende, em síntese, a aplicabilidade da Lei n. 12.651/2012 (Código Florestal), por entender que deve ser observada a distância mínima não edificável de 30 (trinta) metros. Sustenta ser indevida a ordem de inexigibilidade de qualquer faixa de preservação em relação ao curso d'água em exame. Outrossim, pondera que o imóvel encontra-se inserido em Área Urbana Consolidada, porém, dentro da mancha de inundação, razão por que inaplicável também o afastamento mínimo de 15 (quinze) metros contados do leito do curso d'água existente ali, nos termos do Decreto Municipal n° 26.874, de 24 de maio de 2016 e art. 1° da Portaria SEMA 53/2016. À derradeira, ressalta que caso fosse aplicado Código Municipal de Meio Ambiente (Lei Complementar n. 29/1996), deveria ser observada uma faixa não edificável de 36 (trinta e seis) metros (evento 43, PET75, autos em primeiro grau).
Com contraminuta apresentada pelo impetrante (evento 50, PET82, autos em primeiro grau), e em face da previsão contida no art. 14, §1º da Lei n. 12.016/2009, que estabelece como condição de eficácia da sentença de procedência em Mandado de Segurança a sua submissão ao duplo grau de jurisdição, os autos foram à Instância Superior, de onde vieram com vista à Procuradoria-Geral de Justiça, oportunidade em que exarei Manifestação em Segundo Grau de jurisdição, posicionando-me pelo conhecimento e provimento dos recursos (evento 12).
Na sequência, o eminente Desembargador Hélio do Valle Pereira determinou o sobrestamento do feito até que o Superior Tribunal de Justiça julgasse o Tema n. 1010, dos Recursos Especiais Repetitivos (evento 18).
Depois do julgamento da controvérsia pela Corte Superior, os autos voltaram com vista à Procuradoria-Geral de Justiça para nova análise e Manifestação, o que se faz segundo os argumentos que serão colacionados, adiante.
Adito que o Ministério Público se posicionou pelo provimento dos recursos e da remessa necessária.
Em recente petição, a impetrante insistiu na manutenção da sentença. Em que pese ao direito de proteção ao meio ambiente, na espécie a conservação da área de preservação permanente não se justifica. Não há vegetação ciliar, assim como o rio se encontra limitado por galeria. Ademais, a região é densamente urbanizada, sem nenhuma perspectiva de revitalização, e hipotética demolição representará grande instabilidade aos moradores locais. Nesse caso, malgrado o julgado do STJ não tenha promovido a modulação dos efeitos da decisão, a procedência do pedido deve ser assegurada

VOTO


1. A impetrante busca o afastamento das restrições ambientais impostas em âmbito local para edificação sobre seu imóvel. A tese essencial vai no sentido de que o bem está inserido em área urbana consolidada. Aliás, as sucessivas intervenções no curso hídrico objeto da polêmica desnaturaram absolutamente as funções ecológicas que poderia desempenhar. Seria desproporcional condicionar a intervenção no espaço à observância dos recuos previstos no Código Florestal como área de preservação permanente.
É incontroverso que o imóvel efetivamente se insere na área urbana consolidada do Município. Aliás, a própria Administração admite o enquadramento em manifestação expedida por seu setor técnico (Evento 16, Informação 24). Lá também é dito que o espaço não está inserido em área de risco ou de interesse ecológico, ainda que conste dentro da mancha de inundação.
Em casos como o presente, a jurisprudência desta Corte tradicionalmente considerou viável o afastamento das estritas disposições consignadas no Código Florestal, fazendo incidir os preceitos contidos na Lei de Parcelamento do Solo. Dentre tantos julgados destaco estes:
A) APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PEDIDO DE RENOVAÇÃO DE ALVARÁ DE LICENÇA PARA CONSTRUIR INDEFERIDO SOB FUNDAMENTO DE QUE O PROJETO DEVERIA RESPEITAR O RECUO DE 30 (TRINTA) METROS DA MARGEM DO RIO CRICIÚMA, CONFORME PREVÊ O CÓDIGO FLORESTAL. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DO AUTOR. ÁREA URBANA CONSOLIDADA. OBSERVÂNCIA DA LEI DE PARCELAMENTO DE SOLO URBANA EM RAZÃO DA SUA ESPECIALIDADE. RECUO MÍNIMO EXIGIDO QUE É DE 15 (QUINZE) METROS, CONFORME ESTABELECIDO NO ALVARÁ ANTERIORMENTE CONCEDIDO. PRECEDENTES NESTA CORTE. SENTENÇA REFORMADA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE RENOVAÇÃO DO ALVARÁ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(AC n. 0004784-29.2014.8.24.0020, de Criciúma, rel. Artur Jenichen Filho)
B) REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSULTA DE VIABILIDADE PARA AMPLIAÇÃO DE CONSTRUÇÃO. IMÓVEL NO CENTRO DA CIDADE. PEDIDO INDEFERIDO PELO MUNICÍPIO SOB ARGUMENTO DE APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 12.651/2012. IMPOSIÇÃO DE RECUO DE CURSO D'ÁGUA DE 50 METROS. IMÓVEL INSERIDO EM ÁREA URBANA. COMPROVAÇÃO DE ANTROPIZAÇÃO. AMPLIAÇÃO DE CONSTRUÇÃO EXISTENTE, COM DISTANCIAMENTO PROJETADO DE 46,44 METROS DA MARGEM DO RIO ITAJAÍ DO SUL. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DESTE TRIBUNAL QUE RECOMENDA A APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 6.766/1979 EM CONSIDERAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SENTENÇA QUE CONCEDEU A SEGURANÇA CONFIRMADA.
(...) (RN n. 0300114-59.2017.8.24.0054, de Rio do Sul, rel. Jaime Ramos)
C) REEXAME NECESSÁRIO. AMBIENTAL. NEGATIVA DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO PELO MUNICÍPIO. IMÓVEL SITUADO A MENOS DE 30M (TRINTA METROS) DE LEITO DE RIO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL (LEI N. 12.651/2012). IMÓVEL INSERIDO EM ÁREA URBANA CONSOLIDADA. INCIDÊNCIA DA LEI DE PARCELAMENTO DE SOLO URBANO (LEI Nº 6.766/1979), QUE PREVÊ AFASTAMENTO DE 15M (QUINZE METROS) DAS ÁGUAS CORRENTES. RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA. REEXAME DESPROVIDO.
(...) (RN n. 0300606-94.2016.8.24.0051, de Ponte Serrada, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz)
D) REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO AMBIENTAL. CONSTRUÇÕES. CONCESSÃO DA ORDEM NA ORIGEM. CONSULTA DE VIABILIDADE E ALVARÁ PARA CONSTRUIR. EDIFICAÇÃO DE TELHEIRO EM TERRENO LOCALIZADO A 80 (OITENTA) METROS RIO ITAJAÍ-AÇU. INDEFERIMENTO PELA MUNICIPALIDADE. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO FLORESTAL. IMÓVEL INTEGRANTE DE ÁREA URBANA CONSOLIDADA. AUSÊNCIA DE ESTUDO SÓCIO-AMBIENTAL QUE, DE MANEIRA EXCEPCIONAL E NO CASO CONCRETO, NÃO OBSTA O DIREITO DO PARTICULAR. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO (LEI N. 6.766/79) E PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE RIO DO SUL (LCM N. 163/06), QUE IMPÕEM O AFASTAMENTO DE 15 (QUINZE) METROS DO LEITO DO RIO. PRECEDENTES DESTA CORTE. SENTENÇA CONFIRMADA. REMESSA OFICIAL...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT