Acórdão Nº 0322244-28.2016.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Público, 04-02-2020

Número do processo0322244-28.2016.8.24.0038
Data04 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0322244-28.2016.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Luiz Fernando Boller

APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA.

SUICÍDIO DE PRESO EM CELA DA CENTRAL DE PLANTÃO POLICIAL DE JOINVILLE.

GENITORA QUE OBJETIVA REPARAÇÃO POR DANO MORAL.

VEREDICTO DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.

COMPENSAÇÃO PELO PREJUÍZO CAUSADO COM O ABALO ANÍMICO FIXADA EM R$ 40 MIL.

INSURGÊNCIA DO ESTADO. RECHAÇO À CONDENAÇÃO.

TESE INSUBSISTENTE.

PRECEDENTES.

"Tema n. 592/STF. [...] conforme o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, responde o Estado objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, sendo desnecessária a comprovação de dolo ou culpa. [...] A omissão é específica, pois o Estado deve zelar pela integralidade física dos internos em estabelecimentos penitenciários que estão sob sua custódia, tendo falhado nesse ínterim" (STF, RE n. 845.526/RS, rel. Min. Luiz Fux, j. em 30/03/2016).

PLEITO SUBSIDIÁRIO, ALMEJANDO A MINORAÇÃO DO QUANTUM COMPENSATÓRIO FIXADO.

VIABILIDADE.

READEQUAÇÃO PARA R$ 25 MIL.

"Responsabilidade civil objetiva. Morte de detento em carceragem de Delegacia de Polícia. Suicídio. Dano moral configurado. Recurso para fixar indenização em R$ 50.000,00 para a viúva e R$ 25.000,00 para os filhos. [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 0307021-80.2016.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva, j. em 09/07/2019).

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0322244-28.2016.8.24.0038, da 2ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Joinville, em que é Apelante Estado de Santa Catarina e Apelada Rosimar de Souza.

A Primeira Câmara de Direito Público decidiu, à unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Paulo Henrique Moritz Martins da Silva e Pedro Manoel Abreu. Funcionou como representante do Ministério Público o Procurador de Justiça Sandro José Neis.

Florianópolis, 4 de fevereiro de 2019.



Desembargador LUIZ FERNANDO BOLLER

Presidente e Relator

Documento assinado digitalmente


RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta por Estado de Santa Catarina, em objeção à sentença prolatada pelo juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da comarca de Joinville, que na ação de Indenização n. 0322244-28.2016.8.24.0038 ajuizada por Rosimar de Souza, julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos:

[...] ROSIMAR DE SOUZA, brasileira, divorciada, residente e domiciliada na rua Santa Fé, n. 85, apto n. 102, bairro Boa Vista, em Joinville, ajuizou AÇÃO DE INDENIZAÇÃO contra ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica de pública, com sede na avenida Prefeito Osmar Cunha, n. 220, centro, em Florianópolis, contando que, em 23.09.2016, seu filho, Marcelo Felício, foi preso por suspeita de prática de crime de homicídio, fato este negado por ele.

Na Delegacia de Polícia, Marcelo foi colocado numa cela. Lá, ele enforcou-se com um cadarço que prendeu na grade de ventilação da cela.

Explicou que Marcelo prestava serviços na condição de autônomo e que a sustentava, razão pela qual, hoje, depende da ajuda financeira de parentes e amigos para manter-se. Atribuindo ao Estado a culpa pelo evento danoso, requereu a condenação do réu no pagamento de pensão mensal, no valor equivalente a um salário mínimo, até a data em que a vítima porventura viesse a completar 65 anos de idade, sem prejuízo da condenação dele no pagamento de indenização por danos morais, estimando-os em R$ 100.000,00. Postulou ainda a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita a seu favor.

[...]

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE, em parte, o pedido veiculado nesta AÇÃO DE INDENIZAÇÃO proposta por ROSIMAR DE SOUZA contra ESTADO DE SANTA CATARINA, para condenar o réu a pagar à autora o valor de R$ 40.000,00, a título de indenização por danos morais, cuja monta deverá ser acrescida de correção monetária, a partir do arbitramento (STJ Súmula nº 362), e juros de mora, estes contados do evento danoso [...], a incidir de uma única vez, até o efetivo pagamento, com base nos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (Lei n. 9.494/97, art. 1º-F, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009 c/c. Lei nº 8.177/91, art. 12, com as alterações promovidas pela MP n. 567/2012, convertida na Lei n. 12.703/2012) [...] (fls. 134/144).

Malcontente, o Estado rechaça a pretensão da autora, que "inconformada com a vida que seu filho levava junto a si, procura uma compensação, em forma de pecúnia, para desaguar na sociedade (Estado) ou, com ela dividir a responsabilidade pelo fim trágico de sua prole [...] (fl. 158).

Pontua que nenhuma forma de vantagem econômica é devida, considerando que "o próprio filho se autoeliminou, encafuado numa cela de Delegacia, prisioneiro de sua conduta, onde viveu, alternadamente seus últimos 12 anos (ora em casa, ora em presídios e penitenciárias) [...]", não se podendo olvidar o próprio relato da autora de que "ignorava o paradeiro de seu filho, vez que este não mais residia com ela [...]" (fl. 159).

Defende que "se alguma indenização restar e que possa aliviar a dor dessa mãe, esse valor deverá ser reduzido ao mínimo possível [...]" (fl. 160).

Nestes termos, brada pelo conhecimento e provimento do apelo (fls. 156/161).

Na sequência, sobrevieram as contrarrazões, onde Rosimar de Souza refutou as teses manejadas, clamando pelo desprovimento da insurgência (fls. 194/197).

Em manifestação do Procurador de Justiça Paulo Cezar Ramos de Oliveira, o Ministério Público apontou ser desnecessária sua intervenção, deixando de lavrar Parecer (fl. 204).

Em apertada síntese, é o relatório.


VOTO

Conheço do recurso porque, além de tempestivo, atende aos demais pressupostos de admissibilidade.

Pois bem.

A controvérsia reside no dever - ou não -, do Estado de Santa Catarina indenizar Rosimar de Souza em relação ao suicídio de Marcelo Felício, seu filho, no interior de uma cela da CPP-Central de Plantão Policial da comarca de Joinville (fl. 16).

Sobre o tema, em sede de Repercussão Geral (Tema n. 592), quando do julgamento do Recurso Extraordinário n. 845.526/RS, em 30/03/2016 o Plenário do STF decidiu que "em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inc. XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento".

Na ocasião, o Ministro Relator Luiz Fux pontuou que:

[...] conforme o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, responde o Estado objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, sendo desnecessária a comprovação de dolo ou culpa. Por se tratar de omissão do Estado, a responsabilidade será objetiva se a omissão for específica, e subjetiva, se a omissão for genérica. No caso em análise, a omissão é específica, pois o Estado deve zelar pela integralidade física dos internos em estabelecimentos penitenciários que estão sob sua custódia, tendo falhado nesse ínterim.

Em casos análogos, nossa Corte tem reiteradamente decidido que "diante da aplicabilidade da responsabilidade civil objetiva, haverá sempre, por consequência, o dever de indenizar quando constatada uma conduta que gere um dano, independentemente de se perquirir acerca da culpa do agente, da qual o réu só se isentará na comprovação da existência de fato de terceiro, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou de força maior" (TJSC, Apelação Cível n. 0300790-48.2014.8.24.0042, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. em 23/10/2018).

Compreendo a tese do ente federado, de que o "monitoramento e acompanhamento integral de cada detento é utópico e inviável em uma delegacia ou qualquer unidade prisional, haja vista que os agentes possuem outras atividades, como fazer inquirições, atendimentos à comunidade, transporte de outros presos, etc. [...]" (fl. 32).

Não obstante, as peculiaridades do caso em prélio desvelam desleixo dos agentes estatais no cumprimento da obrigação de resguardo da integridade física de Marcelo Felício, resultando no direito à reparação civil...

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