Acórdão Nº 0323303-80.2018.8.24.0038 do Sexta Câmara de Direito Civil, 16-11-2021

Número do processo0323303-80.2018.8.24.0038
Data16 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSexta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0323303-80.2018.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador ANDRÉ CARVALHO

APELANTE: BRADESCO SAUDE S/A (RÉU) APELADO: ROSANIA ANA MARIA HELLMANN HEMKEMEIER (AUTOR)

RELATÓRIO

Adoto, por economia processual e em homenagem à sua completude, o relatório de sentença do magistrado Rafael Osorio Cassiano, in verbis:

Trata-se de ação nominada de obrigação de fazer c/c ressarcimento de quantia certa e danos morais, ajuizada por Rosania Ana Maria Hellmann Hemkemeier em face de Bradesco Saúde S/A, partes qualificadas.Relatou a parte autora, em síntese, ser portadora de neoplasia maligna de mama esquerda, com metástase óssea. Aduziu necessitar do medicamento Ibrance 125mg (palbociclibe) e que, por ser dependente de plano de saúde coletivo firmado com a requerida, solicitou o fornecimento do medicamento pela via administrativa, contudo teve o seu pedido negado. Diante da negativa, informou que adquiriu o medicamento, mesmo sendo de alto custo. Requereu a concessão de tutela de urgência, para que a ré fosse compelida a arcar com o tratamento médico que lhe foi prescrito e, ao final, pugnou pela confirmação do pleito liminar, restituição do valor até então despendido no tratamento e condenação da ré ao pagamento de indenização pelos danos morais supostamente suportados. Pleiteou a prioridade na tramitação do feito. Recolheu custas iniciais e juntou documentos (evento 1:6/17).Deferiu-se o pleito liminar e, no mesmo ato, aplicou-se o Código de Defesa do Consumidor, invertendo-se, por consequência, o ônus da prova (evento 5:19). Da referida decisão interlocutória foi interposto agravo de instrumento pela parte demandada, o qual restou parcialmente provido, tão somente para reduzir o valor das astreintes (evento 39:89). Citada, a parte ré apresentou contestação (evento 15:27), ocasião na qual alegou que, após análise pelo núcleo técnico da seguradora, concluiu-se que o medicamento indicado na inicial não consta no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, de modo que não há cobertura securitária que a obrigue a fornecer referido fármaco. Por fim, rechaçou os pleitos indenizatórios e a inversão do ônus da prova, requerendo a improcedência da demanda. Juntou documentos (evento 15:31/36).Houve réplica (evento 24:49).Intimada para manifestar-se acerca da necessidade na continuidade de utilização do fármaco descrito na inicial (evento 31:80), a autora informou não mais ser necessário, eis que havia adquirido intolerância ao uso do medicamento (evento 31:82/83). A ré também se manifestou (evento 38:84).É o relatório.

A parte dispositiva é do seguinte teor, ex vi:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão inicial, para o fim de:I. EXTINGUIR o feito em relação ao pedido cominatório, diante da superveniente falta do interesse de agir pela perda do objeto, nos termos do art. 485, VI, do CPC. Por consequência, REVOGO a tutela de urgência concedida no evento 5:19; II. CONDENAR a parte requerida ao pagamento de indenização pelos danos materiais sofridos pela requerente, consistentes na restituição do valor de R$ 19.189,00, acrescido de correção monetária, pelos índices oficiais da Corregedoria Geral de Justiça de Santa Catarina, desde a data do efetivo prejuízo (16/10/2018 - evento 1:14), e juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação.III. CONDENAR a ré no pagamento de R$ 15.000,00 em favor da parte autora, a título de indenização por danos morais, acrescido de correção monetária, pelos índices oficiais da Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, a contar da presente data (STJ, Súmula 362), e juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação (art. 405 do CC).Face a sucumbência autoral mínima, condeno a parte ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor atualizado da condenação.xtingo o processo com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC).

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a ré Bradesco Saúde S/A interpôs o presente recurso de Apelação Cível argumentando, em síntese, que: (i) o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde editado pela ANS é taxativo e não exemplificativo, conforme novel posicionamento do Superior Tribunal de Justiça assentado em julgado afeto ao rito dos Recursos Repetitivos; (ii) in casu, a proceder da ré é legal - recusa no fornecimento do fármaco -, na medida que está amparada na cláusula contratual que obsta a entrega de medicamento não inserto à RN n. 428 de 2017 da ANS: ausência de indicação do fármaco como tratamento da moléstia da autora; (iii) subsidiariamente, aduz que o ato em contenda não dá ensejo à reparação cível, à guisa dos danos morais, porquanto inexiste ato ilícito indenizável, ou acaso não for este o entendimento, requer a minoração do quantum indenizatório, com a fixação dos juros moratórios a fluir da data do arbitramento do montante; (iv) ao fim, prequestiona a matéria recursal.

Frente a este contexto suso, requereu a reforma do decisum objurgado para, acolhendo-se as teses recursais: (i) julgar improcedentes os pedidos formulados à exordial, ou (ii) subsidiariamente, minorar o quantum indenitário a título de danos morais e fixar os juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a fluir do arbitramento da verba.

Contrarrazões no evento 57.

Inicialmente distribuído ao colega Exmo. Des. Osmar Nunes Júnior, os autos vieram-me redistribuídos por prevenção ao recurso de Agravo de Instrumento n. 4032943-32.2018.8.24.0000 na data 28-7-2020.

É o necessário.

VOTO

Ab initio, uma vez que a ação foi proposta já na vigência do Código de Processo Civil de 2015, desnecessárias digressões acerca da legislação processual aplicável.

Isto posto, satisfeitos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

Como visto, trata-se de Apelação Cível interposta por BRADESCO SAUDE S/A, no bojo da presente "ação de obrigação de fazer c/c ressarcimento de quantia certa e danos morais", movida em seu desfavor por ROSANIA ANA MARIA HELLMANN HEMKEMEIER, perante o juízo da comarca de Joinville (3ª Vara Cível), através da qual julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados à exordial.

a) Incidência do CDC à lide. Rol exemplificativo. Novo precedente do Superior Tribunal de Justiça sem força vinculante. Possibilidade de posicionamento contrário

Inicialmente, destaca-se que o caso em deslinde atrai a incidência do Código de Defesa do Consumidor, porquanto autora e ré enquadram-se, de maneira precisa, nos conceitos de consumidor e fornecedor estampados nos artigos 2º e 3º, ambos da legislação de regência, respectivamente, in verbis:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Por oportuno, a matéria em destaque encontra-se assentada no verbete sumular n. 608, do Superior Tribunal de Justiça: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão" (Súmula n. 608, do STJ, substituição à Súmula n. 469).

Neste sentir, o Grupo de Câmaras de Direito Civil deste Sodalício já se posicionou favorável à hipótese de cabimento da legislação consumerista, ratificando a aplicação do referido regramento nas relações que envolvam contratos de plano de saúde (grifou-se):

EMBARGOS INFRINGENTES. CONSUMIDOR E PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COM INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. UNIMED. CÂNCER NO TIMO. MEDICAMENTO QUIMIOTERÁPICO. NEGATIVA DE CUSTEIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - ACÓRDÃO DE REFORMA.(1) CDC. APLICABILIDADE.- Tratando-se de relação de consumo a estabelecida entre o usuário e a empresa de plano de saúde, aplica-se à espécie as regras do Código de Defesa do Consumidor. Entendimento consolidado por meio do enunciado da Súmula n. 469 do Superior Tribunal de Justiça. [...] (TJSC, Embargos Infringentes n. 2014.081376-1, de Caçador, rel. Des. Henry Petry Junior, Grupo de Câmaras de Direito Civil, j. 10-02-2016).

Por esta razão, incidem, aqui, os princípios protecionistas que assistem o consumidor, dentre os quais se destacam: (i) vulnerabilidade (artigo 4º, inciso I, do CDC); (ii) hipossuficiência (artigo 6º, inciso VIII, do CDC); (iii) transparência (artigo 4º, caput, do CDC); (iv) do dever de informação (artigo 6º, inciso III, do CDC); e (v) conservação do contrato (artigo 6º, inciso V, do CDC).

Outrossim, destaca-se que os serviços fornecidos pela oepradora ré encontram-se regulados pela Lei n. 9.656/1998 que, dentre outras disposições, deve fornecer ao segurado/consumidor a clareza das informações insertas à avença, ex vi (destacou-se):

Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza:I - as condições de admissão;II - o início da vigência;III - os períodos de carência para consultas, internações, procedimentos e exames;IV - as faixas etárias e os percentuais a que alude o caput do art. 15;V - as condições de perda da qualidade de beneficiário;VI - os eventos cobertos e excluídos;VII - o regime, ou tipo de contratação:a) individual ou familiar;b) coletivo empresarial; ouc) coletivo por adesão;VIII - a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica;IX - os bônus, os descontos ou os agravamentos da contraprestação pecuniária;X - a área geográfica de abrangência;XI - os critérios de reajuste e revisão das...

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