Acórdão Nº 0323972-07.2016.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 21-07-2022

Número do processo0323972-07.2016.8.24.0038
Data21 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0323972-07.2016.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: ITAU UNIBANCO S.A. (AUTOR) ADVOGADO: ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO (OAB SC043613) APELADO: SILVIO ENGEL (RÉU) ADVOGADO: GABRIEL SANTOS PEREIRA PAQUIELLI (DPE) ADVOGADO: GABRIELA SOUZA COTRIM (DPE)

RELATÓRIO

ITAU UNIBANCO S.A. interpôs recurso de apelação da sentença proferida pelo juízo da 2º Vara de Direito Bancário da Comarca de Joinville, que julgou procedente o pedido inicial e parcialmente procedente o reconvencional, nos seguintes termos:

I - ITAU UNIBANCO S.A. propôs ação de busca e apreensão, de rito especial previsto no Decreto-lei n. 911/1969, contra SILVIO ENGEL, a qual tem por objeto o veículo Chevrolet/Sonic LT HB MT, ano 2013/2014, placa MKX3279, chassi n. 3G1J86CD8ES527520, cor vermelha. Para tanto, alegou que: a) as partes firmaram o contrato de financiamento n. 30327-570139014, no qual foi dado em garantia fiduciária o bem acima descrito; b) a parte ré não cumpriu as obrigações estabelecidas, deixando de efetuar o pagamento da parcela n. 28, vencida em 10/4/2016, o que acarretou o vencimento antecipado do contrato; c) o valor do débito atualizado alcança R$ 23.148,92; d) notificou a parte ré, que se quedou inerte. Requereu a concessão de liminar e atribuiu à causa o valor de R$ 23.148,92.

Deferida a liminar (evento 3), foi efetivada a apreensão do veículo. Na mesma oportunidade, a parte ré foi citada (eventos 26 e 28).

A parte ré compareceu aos autos, postulando a habilitação da Defensoria Pública (evento 30) e, em nova petição (evento 33), apresentou contestação, na qual arguiu, preliminarmente, a invalidade da notificação extrajudicial e a necessidade da juntada da via original da cédula de crédito bancário sub judice e, em reconvenção, alegou que o pacto contém cláusulas abusivas. Postulou, assim, a revisão do contrato em relação aos seguintes encargos: a) tarifa de registro do contrato; b) capitalização diária dos juros. Outrossim, requereu: i) a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com a consequente inversão do ônus da prova; ii) a dispensa do ônus da impugnação especificada; iii) a descaracterização da mora; iv) a designação de audiência conciliatória; v) a realização de perícia contábil; vi) concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Ambas as partes juntaram documentos, constando dos autos o pacto indicado alhures (evento 1, informação 6), a notificação extrajudicial (evento 1, informação 7), o instrumento de protesto (evento 1, informação 8) e a memória de cálculo (evento 1, informação 9).

Ouvida a parte autora sobre a contestação e a reconvenção, esta pleiteou a condenação da parte ré em litigância de má-fé (evento 38).

Em decisão interlocutória, foram afastadas as preliminares, indeferido o pedido de designação de audiência conciliatória, deferido o benefício da justiça gratuita à parte ré e determinada a intimação da parte ré para se manifestar sobre a contestação à reconvenção (evento 40).

Houve réplica à contestação da reconvenção (evento 45).

Em nova decisão, foi determinada a suspensão do processo até o julgamento do Recurso Especial n. 1.578.526 (2016/0011287-7) (evento 49).

A instituição financeira autora postulou o julgamento da lide (evento 67), após o que os autos vieram-me conclusos.

É o relatório.

II - Fundamento e decido.

1. JULGAMENTO ANTECIPADO

É desnecessária a produção de outra espécie de prova além da documental já materializada nos autos (art. 443, inc. I, do CPC), sobretudo no caso em apreço, em que a simples leitura do contrato é suficiente para o exame das cláusulas (cf. TJSC, Apelação Cível n. 0001638-56.2010.8.24.0040, de Laguna, rel. Des. Tulio Pinheiro, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 31-10-2018), cuja impugnação envolve matéria essencialmente de direito (cf. TJSC, Apelações Cíveis ns. 02.006097-1 e 00.024037-0, de Abelardo Luz, rel. Des. Sérgio Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 24/2/2005). Sendo assim, julgo antecipadamente o pedido (art. 355, inc. I, do CPC), afastando a produção de prova pericial.

2. QUALIFICAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA: APLICAÇÃO DO CDC

Antes do exame das questões preliminares, bem como da análise do mérito, é necessário que se qualifique a relação jurídica em discussão, na medida em que essa operação é primordial para a resolução das controvérsias inseridas em ambos os capítulos da sentença.

Sendo assim, destaco, no ponto, que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie é medida que se impõe, não só pela menção aos serviços "de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária" (art. 3º, § 2º, da Lei n. 8.078/90), cujo trecho foi considerado constitucional pelo STF (ADI 2591, rel. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 7/6/2006, DJ 29/9/2006, p. 31), mas também pelo disposto no Enunciado n. 297 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

3. PRELIMINARES

Considerando que as preliminares invocadas já foram afastadas na decisão encartada no evento 40, que restou irrecorrida, passa-se ao exame do mérito da causa, sobretudo porque "rejeitadas, em saneador, as preliminares invocadas pela demandada, sem que houvesse ela deduzido, na oportunidade própria, o ataque recursal adequado, a matéria abriga-se sob as vestes da preclusão [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 2005.015810-0, de Rio do Oeste, rel. Des. Trindade dos Santos, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 25/8/2005).

4. MÉRITO

4.1. Inversão do ônus da prova

A despeito da aplicação da Lei n. 8.078/1990 à espécie, tendo-se acostado aos autos o ajuste firmado (evento 1, informação 6), a concessão da inversão do ônus da prova "nesse momento processual" afigura-se "despicienda" (nesse sentido: TJSC, Agravo de Instrumento n. 4001578-57.2018.8.24.0000, de Palhoça, rel. Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 28-02-2019).

4.2. Possibilidade de revisão: relativização do pacta sunt servanda

Diante da aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie, "[a] revisão dos contratos é possível em razão da relativização do princípio pacta sunt servanda, para afastar eventuais ilegalidades, ainda que tenha havido quitação ou novação" (STJ, AgRg no REsp 879.268/RS, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, j. 06/02/2007, DJ 12/03/2007, p. 254).

4.3. Impossibilidade de revisão de ofício e ônus da impugnação especificada

Ainda que sedimentado que o Código de Defesa do Consumidor se aplique ao caso, isto não enseja a revisão de ofício das cláusulas contratuais não atacadas. A propósito do assunto, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 381 (publicada no DJe de 5/5/2009), que dispõe o seguinte: "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas". Anote-se que este entendimento já estava pacificado na Segunda Sessão do STJ (vide REsp n. 541153/RS, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 8/6/2005).

Ademais, a dispensa do ônus da impugnação especificada, prevista no parágrafo único do art. 341 do CPC, está relacionada à matéria de fato, porquanto, na maioria das vezes, o Defensor Público não tem contato com a parte que representa.

Todavia, quanto às matérias exclusivamente de direito, como é o caso da abusividade ou não de cláusulas contratuais, que podem ser aferidas pela simples leitura do contrato, a dispensa é inaplicável, ante o enunciado da súmula acima transcrita, tornando inviável a análise de outros encargos, senão aqueles apontados na reconvenção.

Sobre o tema, já decidiu o e. TJSC:

[...] MÉRITO. PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DO ARTIGO 341, PARAGRAFO ÚNICO, DO CPC. PARTE APELANTE REPRESENTADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. ÔNUS DA IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AFASTADO QUANTO A MATÉRIA DE FATO. ENCARGOS ABUSIVOS. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE OFÍCIO. EXEGESE DA SÚMULA N. 381 DO STJ. MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. ARTIGO 341, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC AFASTADO. SENTENÇA MANTIDA NO PONTO. [...] (TJSC, Apelação Cível n. 0310965-11.2017.8.24.0038, de Joinville, rel. Guilherme Nunes Born, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 13-06-2019).

Passo, assim, a examinar as cláusulas que foram individualmente impugnadas.

4.4. Encargos impugnados para o período da normalidade

4.4.1. Capitalização diária de juros

Alega a parte ré/reconvinde que a cobrança de juros capitalizados diariamente é indevida, pleiteando seu afastamento.

A incidência de utilização de juros capitalizados encontra-se restrita ao preenchimento simultâneo de dois requisitos: a) autorização legal nesse sentido; e b) disposição contratual expressa prevendo a possibilidade.

Deve-se lembrar que desde a existência da Medida Provisória n. 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o n. 2.170-36/2001, específica às instituições financeiras, é possível a capitalização dos juros em período inferior a um ano, cujo texto legal prevê o dever de constar no contrato expressamente a periodicidade inferior a anual, senão vejamos: "Art. 5º. Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano".

O STJ pacificou o entendimento em sede de recurso repetitivo que, nos contratos posteriores à Medida Provisória retro, publicada em 31.03.2000, é possível a capitalização mensal, desde que previamente pactuada.

Vejamos:

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933 MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO. 1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já...

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