Acórdão Nº 0326262-11.2014.8.24.0023 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 23-11-2021

Número do processo0326262-11.2014.8.24.0023
Data23 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0326262-11.2014.8.24.0023/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: SCANIA ADMINISTRADORA DE CONSORCIOS LTDA ADVOGADO: TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM (OAB PR022129) ADVOGADO: RODRIGO SARNO GOMES (OAB SP203990) ADVOGADO: KARINA RIBEIRO NOVAES (OAB SP197105) ADVOGADO: MARIA LUCIA LINS CONCEICAO (OAB PR015348) ADVOGADO: EVARISTO ARAGÃO FERREIRA DOS SANTOS (OAB PR024498) ADVOGADO: PRISCILA KEI SATO (OAB PR042074) ADVOGADO: DANIELA PERETTI D AVILA (OAB PR036760) APELADO: IBDCI - INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CIDADAO ADVOGADO: PENELOPE DE MASCARENHAS SADE DELLA BIANCA (OAB PR039438) ADVOGADO: SAMANTHA SADE (OAB PR021547)

RELATÓRIO

Instituto Brasileiro de Defesa do Cidadão (IBDCI) deflagrou ação civil pública em face de Scania Administradora de Consórcios Ltda, alegando que a pessoa jurídica requerida, em razão de sua função de gestora de consórcios, firmou contratos com consumidores, nos quais existem disposições ilegais, dentre elas cláusula penal que possui um percentual superior ao limite normativo.

Diante destes argumentos, pugnou pela procedência do pedido para que seja anulada a referida cláusula de todos os negócios firmados nos últimos cinco anos e nos posteriores à citação da requerida que importe em multa compensatória superior a 2% (dois por cento) paga a requerida, sobre os valores restituídos aos consorciados desistentes ou excluídos, além da restituição do valor descontado a mais.

Contestação no evento 15 e impugnação no evento 20.

Em parecer exarado pelo Ministério Público, o Órgão manifestou-se pelo acolhimento do pedido formulado na inicial (evento 24).

Ato contínuo, sobreveio sentença no evento 29, da qual se extrai a seguinte parte dispositiva:

"Assim, julgo procedente em parte o pedido para determinar a nulidade da cláusula negocial que fixa os percentuais de perda dos valores pagos para além de 2, ressalvada a possibilidade de, nos termos do § 2º do art. 53 do CDC, ser estipulado percentual maior no caso de prova de prejuízos mais elevados (respeitados, de todo modo, os limites negociais máximos atuais).Condeno o réu, ainda, a ressarcir os consumidores lesados nos termos do art. 95 do CDC, cabendo-lhe a restituição do que foi pago a mais (quantias que serão reajustadas pelo INPC desde o desembolso e aditadas apenas de juros de mora pela SELIC depois da citação).Condeno-o, por fim, ao pagamento de honorários advocatícios de R$ 2.000,00, valor que me parece suficiente para remunerar o trabalho havido, não podendo as ações coletivas se prestar a uma forma de ganho profissional.Custas pela acionada. Publique-se. Registre-se. Intimem-se".

Inconformada, a parte requerida interpôs recurso de apelação, arguindo, em sede preliminar, a ilegitimidade ativa ad causam da autora pela ausência de representatividade para atuar em defesa de interesses coletivos, bem como a falta de interesse de agir, por não haver necessidade de intervenção judicial no caso em tela.

No mérito, em suma, a apelante postula pela reforma da sentença a fim de julgar improcedente a demanda, tendo em vista a inexistência de ilicitude ou abusividade nas cláusulas contratuais que dispõem sobre a multa compensatória pela rescisão antecipada, pois pactuadas em percentuais comedidos, em perfeita consonância com a legislação vigente.

Subsidiariamente, requer que a aplicação da limitação ao coeficiente de 2% (dois por cento) comece a contar a partir do trânsito em julgado da ação.

Por fim, que a apelada seja condenada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios (evento 36).

Contrarrazões no evento 46.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Alexandre Herculano Abreu, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação interposto (evento 51).

Após, os autos ascenderam a esta Egrégia Corte de Justiça, mais precisamente para a análise da Exma. Sra. Desembargadora Denise de Souza Luiz Francoski, a qual, por meio de acórdão, não conheceu do recurso e determinou a redistribuição dos autos para uma das Câmaras de Direito Comercial desta Corte (evento 74), oportunidade em que o presente processo aportou à esta Relatora.

É o relatório.

VOTO

Cuida-se de ação civil pública aforada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Cidadão (IBDCI), no qual questiona a incidência de cláusula penal em desconformidade com o Código de Defesa do Consumidor.

1 Preliminares

1.1 Alegação de ilegitimidade ativa

Aduz a ora recorrente que o IBDCI é parte ilegítima para postular em juízo, visto que não há representatividade adequada para atuar em defesa de interesses coletivos.

No entanto, o desprovimento da insurgência é medida que se impõe.

Extrai-se da ata de constituição social do IBDCI que o referido instituto fora constituído há mais de um ano da data da deflagração do presente processo (interposto em agosto de 2014) e tem por finalidade a defesa dos consumidores, de modo que se verifica a legitimidade ativa da parte autora para postular em juízo.

Nesse mesmo sentido, já decidiu este Órgão Julgador:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA POR INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CIDADÃO (IBDCI) - CONTRATO DE CONSÓRCIO - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA PUBLICADA SOB A ÉGIDE DO REGRAMENTO PROCESSUAL DE 1973 - INCONFORMISMO DA ADMINISTRADORA CONSORTIL.ILEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM" - NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 82, IV, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DA CORTE DE UNIFORMIZAÇÃO E DESTE SODALÍCIO NESTE SENTIDO - ASSOCIAÇÃO CIVIL CONSTITUÍDA HÁ MAIS DE 1 (UM) ANO CONTADO DA DATA DA PROPOSITURA DA DEMANDA COLETIVA - PREVISÃO ESTATUTÁRIA EXPRESSA CONTEMPLANDO, DENTRE AS FINALIDADES, A DEFESA DOS INTERESSES HOMOGÊNEOS DOS CONSUMIDORES - PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA POSTULAR EM NOME DOS CONSORCIADOS - PRELIMINAR RECHAÇADA.Em se tratando de ação coletiva, objetivando a defesa de interesses individuais homogêneos dos consumidores, amparada no art. 81, III, da legislação protetiva consumerista, a legitimidade para a defesa de referidos interesses e direitos encontra-se estampada no art. 82, IV, do Código de Defesa do Consumidor.Aludido dispositivo prevê que "as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear", possuem legitimidade para postular em nome dos associados em demanda coletiva.Na hipótese, da "ata de constituição social" do Instituto Brasileiro de Defesa do Cidadão verifica-se que a aludida associação foi constituída há mais de um ano contado do ajuizamento da demanda coletiva. Além disso, dentre suas finalidades, contemplou expressamente a previsão de defesa dos direitos dos consumidores, razão pela qual revelam-se preenchidos os requisitos exigidos pela legislação protetiva consumerista para a autora postular em nome dos associados (Apelação Cível n. 0326579-09.2014.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 13-3-2018) (grifou-se).

Vislumbra-se também que o IBDCI vem sendo considerado parte legítima para postular os direitos dos consumidores em inúmeras demandas, inclusive no julgamento recente de acórdãos perante este Egrégio Tribunal de Justiça, ao passo que esta Câmara já teria, inclusive, rejeitado embargos de declaração com alegações nesse sentido, senão veja-se, a título ilustrativo, precedente da lavra do Ilustre Desembargador Robson Luz Varella:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONTRATO DE CONSÓRCIO - HIPÓTESES DE CABIMENTO TAXATIVAMENTE PREVISTAS NO ART. 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - IRRESIGNAÇÃO DA ADMINISTRADORA CONSORTIL.AVENTADA OMISSÃO E ERRO MATERIAL ACERCA DA REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM" DO INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CIDADÃO (IBDCI) AO ARGUMENTO DE QUE SEU ESTATUTO CONTEMPLA PROPÓSITOS GENÉRICOS E QUE OBJETIVA APENAS O RECEBIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - INOCORRÊNCIA - ASSOCIAÇÃO CIVIL CONSTITUÍDA HÁ MAIS DE 1 (UM) ANO CONTADO DA DATA DO AJUIZAMENTO DA "ACTIO" E PREVISÃO ESTATUTÁRIA ABRANGENDO, DENTRE OUTRAS FINALIDADES, A DEFESA DOS INTERESSES HOMOGÊNEOS ELENCADOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - OBSERVÂNCIA DO CONTIDO NO JULGAMENTO DO RE N. 573.232 - PRECEDENTE INAPLICÁVEL NA SITUAÇÃO EM ANÁLISE - TEMÁTICAS FUNDAMENTADAS DE FORMA ADEQUADA, EM QUE PESE O DESFECHO CONFERIDO NÃO SE ALINHE AOS INTERESSES DA ORA RECORRENTE - VIA RECURSAL QUE INADMITE A REDISCUSSÃO DE QUESTÕES PREVIAMENTE DECIDIDAS - ACLARATÓRIOS REJEITADOS.Inviável o manejo de embargos declaratórios visando à rediscussão de assertiva outrora analisada - no caso, a rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa "ad causam", porquanto a associação que ajuizou a ação coletiva restou constituída há mais de um ano a contar da propositura do feito e dentre as suas finalidades estatutárias constou expressamente a defesa dos direitos dos consumidores -, porquanto adstrita tal via a sanar os vícios elencados no art. 1.022 da codificação processual, não configurados na...

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