Acórdão Nº 0334074-07.2014.8.24.0023 do Segunda Câmara de Direito Público, 24-08-2021

Número do processo0334074-07.2014.8.24.0023
Data24 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0334074-07.2014.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador FRANCISCO JOSÉ RODRIGUES DE OLIVEIRA NETO

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: SAMPAIO DISTRIBUIDORA DE ACO LTDA

RELATÓRIO

Tratam-se de apelações interpostas pelo Estado de Santa Catarina e por Sampaio Distribuidora de Aço Ltda. em face da sentença que, nos autos da ação anulatória de lançamento fiscal, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela empresa, tão somente para cancelar definitivamente a notificação fiscal n. 116030377830, nos seguintes termos:

"Ante o exposto, com lastro no art. 487, I, do CPC, JULGAM-SE PROCEDENTES EM PARTE OS PEDIDOS, somente para cancelar definitivamente a Notificação Fiscal nº 116030377830, pois a Portaria Sef nº 002 de 04/01/2000 não poderia ser aplicada como a Pauta Fiscal versada no §2º, inciso I, do art. 18, do Anexo 2 do RICMS/SC, fulminando o fundamento legal para essa notificação.

Como a autora e o réu venceram em partes iguais na demanda, as custas e honorários advocatícios devem ser divididos.

Assim, condeno a autora ao pagamento de 50% (cinquenta por cento) das custas do processo, ficando o réu isento do pagamento do restante.

Quanto aos honorários advocatícios, são fixados em 1% (um por cento) do valor dado a causa, nos termos do art. 85, §3º, do CPC, contudo, condenando a autora a pagar ao defensor do réu 50% dessa quantia, enquanto o réu deverá pagar ao defensor da autora 50% dessa quantia.

Publique-se. Registre-se. intime-se." (Evento 85, SENT365, dos autos de origem).

Em suas razões recursais, o ente estatal sustentou que a parte autora teria se utilizado do crédito presumido estatuído pelo art. 18, do Anexo 2, do RICMS-SC, em limite excedente ao estabelecido na Portaria n. 002/2000, inexistindo elementos que possam indicar a necessidade de expedição de portaria específica para dar eficácia plena à norma instituidora do crédito presumido.

Aduziu ainda que "a pauta fiscal exigida pelo inciso I, do par. 2°, do artigo 18, do Anexo 2, do RICMS/SC já estava em vigor e era específica para o serviço de transporte interestadual e intermunicipal [...], sendo expedida considerando a necessidade de adequar a base de cálculo do ICMS incidente sobre os serviços de transportes aos preços correntes no mercado catarinense". Destacou que o fato de a pauta fiscal "ser pré-existente ao comando do referido artigo não lhe retira a força normativa, nem muito menos a aplicabilidade para o fim almejado pela regra concessiva do crédito presumido" (Evento 92, PET370, fl. 5, dos autos de origem).

Nestes termos, pugnou pelo provimento do recurso para que seja reformada a sentença, restabelecendo a exigência da notificação fiscal n. 116030377830, com a inversão dos honorários advocatícios (Evento 92, PET370, dos autos de origem).

Por sua vez, a parte autora aponta a ilegalidade da notificação fiscal n. 116030377822, que fora lavrada com fundamento na apropriação de créditos tributários decorrentes da transferência das matérias-primas para outras unidades da empresa situada em outros Estados, sem entrar no estabelecimento catarinense.

Em relação ao ponto, argumentou que houve inovação dos termos da infração no julgamento dos recursos administrativos, visto que discorreram sobre a existência de simulação na operação realizada pela empresa, o que não é admissível, pois, após a instauração do contraditório administrativo, não pode haver inovação quanto à acusação fiscal formulada, consoante disposição dos art. 146 e 149, inciso VIII, do Código Tributário Nacional.

Rebateu a apontada existência de simulação, tendo em vista que "a entrada da mercadoria no estabelecimento catarinense é comprovada pelos Conhecimentos de Transporte Rodoviário de Carga, nos quais consta a origem da mercadoria e o destino (Santa Catarina), ressaltando-se que nas próprias Notas Fiscais de Saída consta o carimbo do Posto Fiscal, registrando a entrada da mercadoria no Estado de Santa Catarina" (Evento 96, APELAÇÃO373, fl. 6, dos autos de origem).

Argumentou "que não existe no ordenamento jurídico vigente qualquer norma que imponha ao contribuinte, para que a operação de aquisição seja válida, que as mercadorias permaneçam por determinado tempo no estabelecimento comprador". Alegou que os estabelecimentos equiparados a industriais "também podem se beneficiar do crédito presumido, nada obriga que a matéria-prima seja industrializada no estabelecimento beneficiário, sendo possível também a sua comercialização" (Evento 96, APELAÇÃO373, fl. 7, dos autos de origem).

Subsidiariamente, salientou a ilegalidade e inconstitucionalidade da multa aplicada no patamar de 150%, haja vista que proibida a instituição de tributo com caráter confiscatório, conforme estabelecido no art. 150, IV, da Constituição Federal. Imputou ainda violação ao princípio da proporcionalidade, da razoabilidade e da capacidade contributiva, o que enseja a redução das multas sobre os valor principal da exação.

Por fim, postulou a reforma da sentença no tocante ao arbitramento dos honorários advocatícios, "com a majoração da verba honorária fixada em favor dos advogados da Apelante e aplicação dos percentuais mínimos previstos no art. 85, §3º, do Código de Processo Civil, os quais deverão ser calculados sobre o proveito econômico obtido pela Apelante, que consiste no valor atualizado do débito cancelado (Notificação Fiscal nº 116030377830)." (Evento 96, APELAÇÃO373, fl. 15, dos autos de origem). Pré-questionou os dispositivos legais invocados nas razões recursais (Evento 96, APELAÇÃO373, dos autos de origem).

Após, a parte autora apresentou contrarrazões pelo desprovimento do recurso de apelação interposto pelo Estado de Santa Catarina (Evento 100, PET378, dos autos de origem).

Por outro lado, o ente estatal ofertou contrarrazões aduzindo preliminarmente a ausência de interesse processual, porquanto a empresa teria firmado o parcelamento administrativo do crédito tributário. Frisou a ocorrência de inovação recursal em relação à tese de ilegalidade da multa, uma vez que a matéria não foi arguida na peça inicial, tampouco apreciada na sentença recorrida. No mérito, defendeu a legalidade da notificação fiscal n. 116030377822 (Evento 101, PET379, dos autos de origem).

Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Por intermédio do Procurador Basílio Elias De Caro, a Procuradoria-Geral de Justiça deixou de analisar o mérito do recurso, uma vez que não caracterizada as hipóteses de intervenção do ente ministerial (Evento 105, PARECER 384, dos autos de origem).

É o relato essencial.

VOTO

1. De início, convém salientar que a sentença a quo está sujeita ao duplo grau de jurisdição, visto que a decisão foi parcialmente desfavorável à Fazenda Pública e o proveito econômico obtido apresenta-se em valor superior ao estabelecido no art. 496, § 3º, II, do CPC/15, porquanto a notificação fiscal anulada visava a cobrança de crédito na quantia de R$ 4.079.794,47 (Evento 1, INF51, fl. 1, dos autos de origem).

Desse modo, conheço do reexame necessário, o qual será julgado a seguir, em conjunto com o reclamo voluntário.

2. O voto, antecipe-se, é pelo conhecimento e desprovimento do recurso do Estado de Santa Catarina e da remessa necessária e, de outro vértice, pelo conhecimento e parcial provimento do recurso interposto por Sampaio Distribuidora de Aço Ltda.

3. Da preliminar de ausência de interesse processual:

Primeiramente, cabe destacar que deve ser rechaçada a preliminar de ausência de interesse processual da parte autora, uma vez que o ente estatal sequer colacionou aos autos o extrato do suposto parcelamento administrativo firmado.

Para além disso, em que pese implique confissão do débito tributário, a realização de parcelamento da dívida perante o fisco não tem o condão de necessariamente afastar a discussão da obrigação tributária na esfera judicial, visto que "representaria claro afronta à Constituição Federal (art. 5º, XXXV) impedir o acesso ao Judiciário do devedor que, apesar de ter parcelado seu débito, verificasse ser este indevido ou ainda que a respectiva instituição do tributo, na espécie, fosse declarada inconstitucional" (TJSC, AC n. 2010.082158-4, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 27.6.11).

É neste sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que, em julgamento de recurso especial sob a sistemática de repetitivos, vinculado ao Tema n. 375, firmou a seguinte tese jurídica: "A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos; e, quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma tributária, a regra é que não se pode rever judicialmente a confissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento de débitos tributários' (v.g. erro, dolo, simulação e fraude)" (REsp 1133027/SP, rel. Min. Luiz Fux, rel. p/ acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 13.10.2010 - grifou-se).

Sobre o tema, Leandro Paulsen leciona que "justamente porque a obrigação tributária decorre de lei, e não da vontade do contribuinte, a confissão de dívida tributária não impede a sua discussão em juízo, fundada, e.g., em inconstitucionalidade, não-incidência ou isenção" (Direito tributário. Constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 11. ed., Porto Alegre: Livraria do advogado, 2009, p. 631).

Ademais, "também não se pode perder de vista que o próprio ordenamento jurídico - que veda o enriquecimento sem causa - autoriza o sujeito passivo pagar o crédito fazendário e posteriormente pleitear a repetição (art. 165, CTN), independentemente de prévio protesto. Ora, se assim lhe é permitido é porque também poderá parcelar e no mesmo passo dizer que a exação é indevida. É que as relações em matéria tributária ocorrem muito mais por coerção do que por simples vontade e, não raro, aderir a programa de parcelamento da dívida fazendária se resume a única de opção por parte do contribuinte" (Apelação / Remessa Necessária n. 0313655-04.2016.8.24.0020, de Criciúma...

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