Acórdão Nº 0500328-69.2013.8.24.0163 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 27-01-2022

Número do processo0500328-69.2013.8.24.0163
Data27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0500328-69.2013.8.24.0163/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: PAULINA PICKLER MACHADO (RÉU) ADVOGADO: MARIA KAROLINE DE ANDRADE (OAB SC042722) ADVOGADO: LUCIANO FERMINO KERN ADVOGADO: Washington Baricalla de Oliveira APELADO: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (AUTOR) ADVOGADO: ELISIANE DE DORNELLES FRASSETTO (OAB SC017458) ADVOGADO: PAULO CESAR DA ROSA GOES (OAB SC004008) ADVOGADO: GUSTAVO RODRIGO GOES NICOLADELI (OAB SC008927) ADVOGADO: RODRIGO FRASSETTO GOES (OAB AC004251)

RELATÓRIO

Paulina Pickler Machado interpôs recurso de apelação cível em face da sentença do Evento 81 dos autos de primeiro grau, complementada pela decisão do Eevento 96 também dos autos de origem, que, proferida pelo juízo da Vara Única da Comarca de Capivari de Baixo, julgou procedentes os pedidos formulados em ação de Busca e Apreensão em Alienação Fiduciária ajuizada pelo Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S.A. em face da ora apelante.

Cuida-se, na origem, de ação de Busca e Apreensão aforada em 16-9-2013 pela Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S.A., tendo por objetivo a retomada de veículo objeto de contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária firmado com Paulina Pickler Machado, diante da alegada inadimplência da parte demandada, que, das 60 (sessenta) prestações contratadas, teria deixado de honrar os respectivos pagamentos a partir da parcela de n. 37, vencida em 10-5-2013.

Recebida a inicial, foi deferida a medida liminar de busca e apreensão (Evento 61 - DEC48-49 dos autos de origem).

Foi ajuizada ação revisional de contrato pela parte demandada Paulina Pickler Machado, passando os autos de ambas as demandas a tramitaram de formada apensada (Evento 61 - Desp78 e Desp81, e Evento 117, todos dos autos de origem).

Cumprido o mandado, com a apreensão do bem e a citação da parte devedora, a ré apresentou contestação (Evento 41 dos autos de origem), na qual argumentou, em síntese, a conexão da demanda com a ação revisional n. 0301538-08.2014.8.24.0163, bem como ausência dos efeitos da mora porquanto não foi culpada pelo inadimplemento, já que o contrato estaria repleto de ilegalidades como a plicação de juros capitalizados com a utilização da tabela Price, o que deveria ser afastado do contrato, bem como ante a ausência da previsão do índice de correção monetária aplicado. Destacou a aplicação da legislação consumerista com a inversão do ônus probatório e o afastamento de encargos abusivos. Pretendeu a descaracterização da mora e requereu, a repetição de indébito e a manutenção na posse do veículo alienado.

Réplica da instituição financeira autora (Evento 57 dos autos de origem), na qual rebate os argumentos da parte demandada requerendo a procedência da ação de busca e apreensão.

Sobreveio sentença de mérito prolatada em 6-7-2020 pelo magistrado Antônio Marcos Decker, da Vara Única da Comarca de Capivari de Baixo, julgando parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, o que se deu nos seguintes termos (Evento 81 dos autos de origem):

Vistos etc.

I - RELATÓRIO

Cuida-se de "ação de busca e apreensão" aforada por Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S.A contra Paulina Picker. Para sustentar a sua pretensão, a parte autora alegou que firmou contrato de financiamento com a parte ré, no qual foi alienado fiduciariamente o veículo GM/Celta, gasolina, placas MDA2329, chassi 9BGRD08X04G129405, ano/modelo 2003/2004, cor preta. Informou, também, que a parte ré não cumpriu com os termos do mútuo, estando inadimplente desde a parcela de nº 37, com vencimento para 10.05.2013, e que, por isso, estaria caracterizada a mora. Requereu a citação da parte ré, bem como a concessão de medida liminar para a expedição de mandado de busca e apreensão do bem para a entrega em representante legal do autor. Pugnou, ao final, pela procedência dos pedidos, com a consequente decretação da posse e propriedade do aludido bem.Valorou a causa em R$ 1.497,96 (um mil, quatrocentos e noventa e sete reais e noventa e seis centavos) e juntou documentos (p. 1-30).

Foi deferida a liminar pretendida, bem como determinada a citação da parte ré (p. 49-50).

O veículo foi apreendido e depositado (p. 54-57).

A parte ré apresentou contestação, na qual ofertou defesa de mérito (p. 67-99).

Houve réplica (p. 108-123).

Vieram conclusos.

É o relatório.

II - FUNDAMENTAÇÃO

De início, verifica-se que os autos encontram-se aptos ao julgamento antecipado. Não há necessidade de produção de prova oral em audiência (art. 355, inciso I, do CPC/2015), porque os fatos inicialmente controvertidos foram admitidos, deveriam ser provados por documentos ou as provas contidas nos autos são suficientes para a elucidação do caso concreto.

II.1 - Questão prévia

a) Justiça Gratuita

Da análise dos autos, vislumbra-se a parte requerida pugnou pela concessão da justiça gratuita, sob o argumento de que "não possui condições financeiras de arcar com os encargos processuais sem prejuízo do sustento próprio e familiar".

Amealhou, para tanto, comprovante de recebimento de benefício previdenciário (p. 78).

Dessarte, tais elementos denotam que a parte autora é hipossuficiente, razão por que, tendo em vista a mencionada remuneração, faz jus ao benefício, considerando que não sobreveio qualquer informação relativa à modificação de sua situação financeira, de modo que a prefacial aventada não merece prosperar.

b) Conexão

A parte requerida sustenta a existência de conexão entre o presente feito e a ação revisional de contrato n. 0301538-08.2014.8.24.0163, por envolver as mesmas partes e ter como objeto o mesmo contrato.

Ainda que se gogitasse de conexão entre as duas demandas, seria desnecessária, contudo, a suspensão do presente feito, uma vez que a ação revisional de contrato, apensada ao presente feito, já possui sentença prolatada, de maneira que a presente sentença observará a mesma fundamentação, a fim de evitar decisões conflitantes.

II.2 - Mérito

a) Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

A incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC) está adstrita à configuração de uma relação de consumo. Como toda relação jurídica, deve haver um vínculo jurídico estabelecido entre sujeitos de direito sobre um determinado no objeto. Na relação de consumo o vínculo se forma entre fornecedor (art. 3º) e consumidor sobre a comercialização de produto (art. 3º, §2º) ou a prestação de serviços (art. 3º, §2º).

Por disposição expressa as atividades financeiras, de crédito e securitária, atraem a incidência do CDC (art. 3º, §2º). Embora impugnado por meio de ação direta de inconstitucionalidade, o dispositivo em tela continua vigente, pois foi reputado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em acórdão assim ementado:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. LEGITIMIDADE RECURSAL LIMITADA ÀS PARTES. NÃO CABIMENTO DE RECURSO INTERPOSTO POR AMICI CURIAE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA CONHECIDOS. ALEGAÇÃO DE CONTRADIÇÃO. ALTERAÇÃO DA EMENTA DO JULGADO. RESTRIÇÃO. EMBARGOS PROVIDOS. 1. Embargos de declaração opostos pelo Procurador Geral da República, pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - BRASILCON e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC. As duas últimas são instituições que ingressaram no feito na qualidade de amici curiae. 2. Entidades que participam na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, não possuem legitimidade para recorrer, ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos. Decisões monocráticas no mesmo sentido. 3. Não conhecimento dos embargos de declaração interpostos pelo BRASILCON e pelo IDEC. 4. Embargos opostos pelo Procurador Geral da República. Contradição entre a parte dispositiva da ementa e os votos proferidos, o voto condutor e os demais que compõem o acórdão. 5. Embargos de declaração providos para reduzir o teor da ementa referente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591, que passa a ter o seguinte conteúdo, dela excluídos enunciados em relação aos quais não há consenso: ART. 3º, § 2º, DO CDC. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. Ação direta julgada improcedente. (ADI 2591 ED, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 14/12/2006, DJ 13-04-2007 PP-00083 EMENT VOL-02271-01 PP-00055).

No mesmo sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, cujo entendimento pacificado restou consolidado no enunciado 297 de sua súmula, in verbis: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Logo, quanto ao objeto do contrato, é pacífico o entendimento de que os serviços bancários, a depender da natureza dos contratantes, podem sofrer a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, importa consignar que a demanda versa sobre relação de consumo. De um lado se encontra a parte autora, instituição que oferta no mercado de forma habitual e profissional a prestação remunerada de serviço e, de outro, a parte requerida, pessoa física que contratou a prestação de serviços financeiros como destinatária final fática e econômica.

Presentes, pois, os elementos configuradores do trânsito consumerista, fixam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC) como regime jurídico aplicável.

b) Ilegalidades contratuais apontadas pela requerida

Cumpre observar, ab initio, que a parte requerida formulou alguns pedidos em sede de contestação e, para melhor compreensão da questão apresentada, notadamente porque a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT