Acórdão Nº 0500817-24.2013.8.24.0061 do Quarta Câmara de Direito Civil, 23-06-2022

Número do processo0500817-24.2013.8.24.0061
Data23 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0500817-24.2013.8.24.0061/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE SCHUCH

APELANTE: MARIA INACIO RIBEIRO (AUTOR) APELADO: ADM DO BRASIL LTDA (RÉU) APELADO: GLOBAL LOGISTICA E TRANSPORTE LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença (evento 6 dos autos de primeiro grau), de lavra do Juiz de Direito Marlon Negri, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

Trata-se de ação de indenização ajuizada por MARIA INACIA RIBEIRO em face de ADM do Brasil Ltda. e Global Logística e Transportes Ltda., todos(as) devidamente qualificados(as) nos autos. Relatou a parte autora, em síntese, que, na noite do dia 24.09.2013, expressiva quantidade de fertilizante de propriedade da primeira ré, que se encontrava armazenada em galpão pertencente à segunda ré, situado neste município de São Francisco do Sul, entrou em combustão advinda de reação química, provocando, por conseguinte, a formação de vultosa cortina de fumaça que, imediatamente, atingiu diversos bairros da cidade. Exultou que, diante dos possíveis riscos à saúde humana, decorrentes da inalação da fumaça tóxica, os moradores dos bairros mais afetados foramalertados pela Defesa Civil e Bombeiros Voluntários de que deveriam deixar suas residências, o que ocasionou tumulto, medo e insegurança. Em consequência, após tecer os fundamentos que entendeu embasar seu direito, pugnou pela condenação solidária das rés ao pagamento de indenização por danos morais, bem como das demais cominações de estilo. Pleiteou, por fim, a concessão do benefício da Justiça Gratuita em seu favor. Anexou documentos. O beneplácito da gratuidade da justiça restou deferido em favor da parte autora. As rés, representadas por advogados com poderes especiais para tanto, compareceram espontaneamente aos autos, suprindo a falta de citação (CPC, art. 214, § 1º), ocasião em que apresentaram resposta sob a forma de contestação, altercando, preliminarmente, a inépcia da inicial em razão da falta do comprovante de residência em nome próprio. No mérito, aduziram, em suma, a ausência dos requisitos essenciais à responsabilização civil em face da inexistência de: a) ato ilícito, b) conduta negligente da ADM na contratação da Global, c) danos comprovados, e, d) nexo de causalidade em virtude da excludente de caso fortuito; além da não configuração da responsabilidade civil por dano ambiental. Requereram, ao final, a total improcedência do reclamo formulado na preambular. Aparelharam documentos. Em réplica, a parte autora rechaçou as teses aventadas pelas rés, reeditando os argumentos expendidos na peça inaugural. É o breve relatório.

O Magistrado julgou improcedente o pedido exordial, nos seguintes termos:

ANTE O EXPOSTO, julgo improcedente o pedido formulado por MARIA INACIA RIBEIRO na presente ação indenizatória deflagrada em face da ADMdo Brasil Ltda. e da Global Logística e Transportes Ltda. Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em R$ 500,00, a teor do art. 20, §4º, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade de tais verbas enquanto perdurar o estado de pobreza, tendo em vista que a parte sucumbente é beneficiária da justiça gratuita (art. 12 da Lei n. 1.060/50).

A acionante opôs embargos de declaração contra o comando sentencial, os quais foram rejeitados (autos n. 0002360-51.2015.8.24.0061).

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a autora interpôs apelação, na qual aponta ter ajuizado a ação indenizatória em razão da desocupação forçada de sua residência decorrente da reação quimíca de produtos de propriedade da ré ADM do Brasil Ltda. e que estavam estocados sob a guarda da acionada Global Logística Ltda., o que gerou uma fumaça tóxica.

Salienta que a Prefeitura Municipal decretou situação de emergência pelo Decreto n. 1.922/2013, corroborado pelo Estado de Santa Catarina, e as autoridade públicas evacuaram os moradores residentes nos bairros Paulas, Rocio Pequeno, Iperoba, Reta, Rocio Grande, Portinho, Sandra Regina, Itaguaçu, Forte, Capri e Ubatuba, com o encaminhamento para abrigos.

Sustenta a nulidade da sentença em razão da ausência de oportunidade para emendar a petição inicial, nos termos do art. 284 do Código de Processo Civil/1973, a fim de apresentar seu comprovante de residência em área atingida pela citada fumaça e sanar eventual irregularidade.

Aduz a ocorrência do cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide, visto que era necessária a oportunização da produção de provas, mediante a complementação das provas encartadas com a peça exordial, especialmente para a juntada do comprovante de residência, caracterizando violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Argumenta ter comprovado residir em local atingido pela incêndio, servindo como meio probatório a procuração e a declaração de hipossuficiência, incidindo o disposto na Lei n. 7.115/1983, visto que a simples declaração expressa com a assinatura já basta para comprovar seu domicílio.

Alega que por residir em um dos bairros atingidos à época dos fatos sofreu as consequências da evacuação emergencial, tendo que sair de sua casa somente com a roupa do corpo e sem ser permitido levar os documentos de identificação, permanecendo por diversos dias em abrigo municipal sem estrutura, motivo pelo qual está caracterizado o dano moral, devendo as rés serem condenadas solidariamente ao pagamento de indenização.

Assevera que o feito não poderia ser extinto com resolução de mérito, haja vista o comando sentencial ter reconhecido a ausência de documento necessário à constituição de seu direito, motivo pelo qual o processo deve ser extinto sem resolução de mérito, com base no art. 267 do Código de Processo Civil/1973, permitindo o ajuizamento da ação novamente.

Requer o provimento do recurso e a anulação da sentença por ausência da determinação da emenda da peça exordial ou pelo cerceamento de defesa. Alternativamente, pugna pela conversão do julgamento em diligência para determinar à apelante a juntada do seu comprovante de residência ou a extinção do feito sem resolução de mérito. No mérito, pleiteia a procedência do pedido inicial e a condenação das apeladas ao pagamento solidário de indenização por danos imateriais (evento 14).

Contrarrazões no evento 19.

VOTO

De início, assinalo que, não obstante a existência de outros feitos mais antigos no acervo de processos distribuídos a este Relator, a apreciação do presente recurso em detrimento daqueles distribuídos há mais tempo não significa violação ao disposto no art. 12, caput, do novo Código de Processo Civil, tendo em vista a exceção contida no § 2º, VII, primeira parte, do mesmo dispositivo legal.

Necessário destacar que a sentença foi proferida em 22-6-2015 (evento 6), com a oposição de embargos declaratórios em 29-6-2015 e o julgamento dos aclaratórios em 3-7-2015 (SAJ/PG), sobrevindo a interposição do apelo em 22-7-2015 (evento 14) e o oferecimento das contrarrazões em 17-8-2015 (evento 19).

Contudo, ainda que conste da movimentação processual de primeiro grau de jurisdição a remessa dos autos a esta Corte de Justiça em 20-10-2015 (evento 20), constata-se que a referida remessa ocorreu apenas em 2-2-2022 (evento 27), data esta em que ocorreu a distribuição do recurso ao gabinete do relator (evento 1, deste grau de jurisdição).

Nesse rumo, deve ser observado o Enunciado Administrativo n. 2 do Superior Tribunal de Justiça: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça".

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

Sustenta a demandante a ocorrência de danos morais em razão da fumaça tóxica que dominou a cidade de São Francisco do Sul no dia 24-9-2013, em virtude de incêndio de 10.000 (dez mil) toneladas de fertilizantes a base de nitrato de amônia, fabricados pela primeira ré, fato que gerou a publicação do Decreto municipal n. 1.922/2013 no qual se declarou "situação de emergência", tendo elencado as áreas da cidade afetadas pela fumaça (evento 1, petição inicial 1).

As demandadas, em contestação, aduziram não haver nos autos comprovação de que a autora residia em local afetado pelo sinistro ou que tenha sido exposta à fumaça. Afirmaram que a fumaça não era tóxica, razão pela qual não há ato ilícito, até mesmo porque o fertilizante não seria hábil, por si só, a provocar a reação química, além de alegar que o incidente representa caso fortuito.

Ao fim, ressaltaram que não ocorreu nenhuma sequela de ordem psicológica à parte autora que enseje a reparação a título de danos morais, razão pela qual a improcedência do pedido exordial é medida de rigor (evento 3, petição 7).

O comando sentencial reconheceu a improcedência do pedido inicial pelos seguintes fundamentos:

Todavia, tem-se que a almejada reparação por abalo anímico encontra óbice na efetiva comprovação do fato constitutivo do direito da parte autora, notadamente no que tange à demonstração, estreme de dúvidas, de que residia num dos bairros atingidos pela fumaça à época do incidente e, por conseguinte, de que teve que desocupar compulsoriamente sua moradia, experimentando prejuízos morais daí decorrentes. Tal conclusão exsurge do fato de que, no caso em espeque, sequer houve apresentação de documento para fins de comprovação de que a residência da parte autora...

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