Acórdão Nº 0601046-27.2014.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 01-10-2020

Número do processo0601046-27.2014.8.24.0038
Data01 Outubro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0601046-27.2014.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Luiz Zanelato

APELAÇÃO CÍVEL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA COLETIVA. TÍTULO EXECUTIVO ORIUNDO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - IDEC CONTRA O BANCO DO BRASIL S/A. SENTENÇA QUE ACOLHEU A IMPUGNAÇÃO E EXTINGUIU O PROCESSO DE EXECUTIVO.

RECURSO DO EXEQUENTE/IMPUGNADO.

Alegada viabilidade de execução por simples cálculos aritméticos. Impossibilidade. Raciocínio exposto no recurso que não se aplica às sentenças coletivas. INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO POR FALTA DE LIQUIDEZ. SENTENÇA COLETIVA GENÉRICA PROLATADA NOS MOLDES DO ARTIGO 65 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. OBRIGATORIEDADE DE PRÉVIA LIQUIDAÇÃO imprópria. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA em sede de recurso REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, CPC).

"A sentença genérica prolatada no âmbito da ação civil coletiva, por si, não confere ao vencido o atributo de devedor de "quantia certa ou já fixada em liquidação" (art. 475-J do CPC), porquanto, "em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica", apenas "fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados" (art. 95 do CDC). A condenação, pois, não se reveste de liquidez necessária ao cumprimento espontâneo do comando sentencial, não sendo aplicável a reprimenda prevista no art. 475-J do CPC". (REsp 1247150/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/10/2011, DJe 12/12/2011).

EXTINÇÃO PROCESSUAL EQUIVOCADA. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA PARA INSTAURAR PRÉVIA FASE DE LIQUIDAÇÃO, SEM PREJUÍZO DAS GARANTIAS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. PRINCÍPIOS DA ADAPTABILIDADE PROCEDIMENTAL, INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS, DA PRIMAZIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO E DA ECONOMIA PROCESSUAL.

"O princípio da adaptabilidade é dirigido ao julgador. Incide num momento processual ou judicial. O magistrado deve aplicar as regras do procedimento de modo a melhor adaptá-lo às peculiaridades do caso concreto. O princípio da adaptabilidade permite ao magistrado adaptar o processo: a) às regras constitucionais, por exemplo, aplicando o contraditório nos procedimentos em que ele não foi previsto; b) determinando a inversão do ônus da prova, para atribuí-lo a quem tem melhores condições de produzi-la, de acordo com o caso concreto; c) determinando a conversão do procedimento (ex.: conversão da ação de execução em ação monitória, quando o título executivo estiver prescrito; conversão da monitória em procedimento comum, na hipótese do art. 700, § 5o, do CPC; conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito; conversão do divórcio litigioso em consensual etc.); d) dilatando os prazos processuais e alterando "a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito" (art. 139, VI, CPC); e) possibilitando ao relator, na ação rescisória, fixar o prazo de resposta, dentro dos limites do CPC (15 a 30 dias - art. 970, CPC); f) possibilitando ao juiz limitar o litisconsórcio multitudinário (somente para o litisconsórcio facultativo), quando o grande número de litisconsortes puder prejudicar o exercício do direito de defesa (art. 113, § 1o, CPC). [...] O princípio da adaptabilidade é aplicado diuturnamente pela jurisprudência, ainda que sem referência a essa nomenclatura, quando adapta o procedimento às peculiaridades do caso concreto". (LUNARDI, Fabrício C. Curso de Direito Processual Civil. 3.Ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 91-92).

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0601046-27.2014.8.24.0038, da comarca de Joinville 2ª Vara de Direito Bancário em que é Apelante Elacy Pontes da Silva e Apelado Kirton Bank S/A - Banco Múltiplo.

A Primeira Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para anular a sentença recorrida, e determinar a adaptação procedimental, convertendo o cumprimento de sentença em liquidação imprópria do título executivo judicial, de modo a oportunizar a emenda da petição inicial pela parte apelante e a regular tramitação do feito, com o afastamento, por conseguinte, da condenação aos encargos sucumbenciais. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Guilherme Nunes Born, e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Mariano do Nascimento e José Maurício Lisboa.

Florianópolis, 1º de outubro de 2020.

Desembargador Luiz Zanelato

Relator


RELATÓRIO

Elacy Pontes da Silva interpôs recurso de apelação da sentença de fls. 173-175, proferida pelo juízo da 2ª Vara de Direito Bancário da comarca de Joinville, nos autos do cumprimento de sentença coletiva, promovido em desfavor de Kirton Bank S/A - Banco Múltiplo, que acolheu a impugnação ao cumprimento de sentença e declarou a nulidade do processo por falta de título executivo, nestes termos:

[...]

III - Pelo exposto, (1) acolho a impugnação oposta pelo executado e, por consequência, (2) declaro a nulidade do pedido de cumprimento de sentença por ausência de título, (3) julgando-o, pois, extinto. (4) Condeno a parte impugnada ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, que, atento ao disposto no art. 85, § 8º, do CPC, fixo em R$ 1 mil. (5) P.R.I. (6) Transitada em julgado esta sentença: a) expeça-se alvará para levantamento da quantia penhorada (fl. 81) em favor da instituição financeira, em conta a ser declinada; e b) arquivem-se os autos. (fls. 173-175)

Irresignada, a parte exequente interpôs recurso de apelação, sob os fundamentos de que: a) não procede a alegação de necessidade de prévia fase de liquidação para apuração do valor devido, haja vista que no caso o referido valor deve ser apurado mediante simples cálculo aritmético; b) o processo prévio de liquidação é dispensado quando a apuração da condenação depender de simples cálculo aritmético, a partir de elementos e critérios definidos no próprio título, onde os comandos da ação principal permitem ao credor alcançar o quantum devido, por se tratar de aplicação de correção monetária e juros sobre depósitos de cadernetas de poupança; c) a sentença prolatada na ação civil pública proposta pelo IDEC serve para confirmar a existência do direito e os parâmetros do valor devido, razão por que o credor pode requerer diretamente o seu cumprimento; d) alternativamente, há possibilidade de emenda da inicial, mesmo após o oferecimento de impugnação, para que seja adotado o procedimento de liquidação, considerando os princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual (fls. 179-194).

Contrarrazões apresentadas às fls. 202-215, em que a parte apelada requer o desprovimento do recurso.

O recurso ascendeu ao Tribunal de Justiça e foi distribuído a esta relatoria.

Os autos vieram conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

1. Exame de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que se trata de recurso de apelação interposto contra sentença prolatada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Defiro o pedido de concessão do benefício da gratuidade judiciária à apelante, para o fim de dispensa do preparo recursal,

Assim, por presentes os demais requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

2. Fundamentação

Examinados os autos, denota-se que as razões recursais deduzidas pela apelante evidenciam equívoco apenas em parte da fundamentação recursal da sentença que acolheu a impugnação ao cumprimento de sentença para reconhecer a iliquidez do título executivo e decretar a nulidade do processo, extinguindo-o sem resolução do mérito.

O cumprimento da sentença pressupõe a existência de um título executivo judicial que constitui obrigação dotada de certeza, liquidez e exigibilidade. Via de regra, como ocorre nos processos de conhecimento individuais, a sentença irá reconhecer a existência de um dívida, a quem é devido, quem é o devedor, o objeto da prestação devida e, quando possível, a quantificação do débito a ser executado.

Nas ações coletivas, como é o caso da ação civil pública, a sentença reconhece a existência de uma violação a um direito individual homogêneo, coletivo ou difuso, em demanda exercida por legitimado extraordinário, que pode vir a beneficiar um número indeterminado de pessoas. Essa sentença, portanto, não define todos os elementos da obrigação, anteriormente expostos, para dar ensejo à imediata execução do título judicial. Isso porque caberá aos credores-beneficiários a comprovação de que são titulares daquele direito cuja violação restou reconhecida na sentença, de modo a provar a obrigação da parte executada e o quantum debeatur. Por essas razões, é imprescindível a instauração prévia da fase que a doutrina processualista consagrou denominar de "liquidação imprópria".

Sobre o tema, Fredie Didier Júnior e Hermes Zaneti Júnior explicam que "nesta liquidação, serão apurados: a) os fatos e alegações referentes ao dano individualmente sofrido pelo demandante; b) a relação de causalidade entre esse dano e o fato potencialmente danoso acertado na sentença; e c) a titularidade individual do direito. [...] Ou seja, é justamente essa a diferença entre a ação individual e a ação coletiva para a condenação genérica; nesta fase se apresentam em juízo as particularidades dos titulares dos direitos individuais" (Curso de Direito Processual Civil: Processo coletivo. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 461-462).

Justifica-se esta conclusão porque a sentença exequenda foi prolatada em fundamento no art. 95 do Código de Defesa...

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