Acórdão Nº 0700142-42.2013.8.24.0008 do Terceira Turma Recursal, 12-08-2020

Número do processo0700142-42.2013.8.24.0008
Data12 Agosto 2020
Tribunal de OrigemBlumenau
ÓrgãoTerceira Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Terceira Turma Recursal



Recurso Inominado n. 0700142-42.2013.8.24.0008, de Blumenau

Relator: Juiz Antonio Augusto Baggio e Ubaldo

RECURSO INOMINADO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CHEQUE. EXEQUENTE CESSIONÁRIO DE DIREITO DE PESSOA JURÍDICA. EXTINÇÃO DO FEITO COM FUNDAMENTO NO ART. 51, IV, DA LEI 9.099/95.

PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. DECISÃO SURPRESA NÃO VERIFICADA NO CASO CONCRETO. DECISÃO FUNDAMENTADA EM DISPOSITIVO DE LEI REGENTE DA MATÉRIA. PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA INAPLICÁVEL NOS JUIZADOS ESPECIAIS E QUE, DE TODO MODO, NÃO IMPÕE AO JULGADOR INFORMAR PREVIAMENTE AS PARTES QUAIS DISPOSITIVOS LEGAIS PASSÍVEIS DE APLICAÇÃO PARA O EXAME DA CAUSA. CONHECIMENTO GERAL DA LEI. PRESUNÇÃO JURE ET DE JURE.

MÉRITO. CHEQUE. ENDOSSO EM PRETO. CESSÃO DE CRÉDITO. EXEQUENTE CESSIONÁRIO DE DIREITO DE PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DE LITIGAR NO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. EXTINÇÃO DO FEITO ACERTADA.

PEDIDO DE REDISTRIBUIÇÃO DO PROCESSO A VARA CÍVEL INCABÍVEL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA LEI 9.099/95.

MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA. PENALIDADE ARBITRADA NA ORIGEM QUANDO DA REJEIÇÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS. ACLARATÓRIOS SEM CUNHO PROTELATÓRIO.

RECURSO PROVIDO EM PARTE.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado n. 0700142-42.2013.8.24.0008, da comarca de Blumenau 2º Juizado Especial Cível, em que é Recorrente Érico Xavier Antunes, e Recorrido José Antonio Freitas de Brito:

A Terceira Turma Recursal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Sem custas e honorários.

O julgamento, realizado no dia 12 de agosto de 2020, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Juiz Marcelo Pons Meirelles, com voto, e dele participou a Excelentíssima Senhora Juíza Adriana Mendes Bertoncini.

Florianópolis, 12 de agosto de 2020.




Antonio Augusto Baggio e Ubaldo

JUIZ RELATOR


Dispensado o relatório, passa-se ao voto.

VOTO

A preliminar de nulidade da sentença por violação ao princípio da não surpresa não merece êxito.

Antes de mais nada, porque inaplicável no sistema dos Juizados Especiais, em razão dos princípios específicos que o regem.

Não fosse isso, dispõe o art. 10 do CPC: Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

A 4ª Turma do STJ, no julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial n. 1701258/SP, da relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, assentou que: O "fundamento" ao qual se refere o art. 10 do CPC/2015 é o fundamento jurídico - circunstância de fato qualificada pelo direito, em que se baseia a pretensão ou a defesa, ou que possa ter influência no julgamento, mesmo que superveniente ao ajuizamento da ação - não se confundindo com o fundamento legal (dispositivo de lei regente da matéria). A aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa. O conhecimento geral da lei é presunção jure et de jure.” (AgInt no REsp 1701258/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 29/10/2018)

E acrescenta o Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp 1755266/SC: Não há falar em decisão surpresa quando o magistrado, diante dos limites da causa de pedir, do pedido e do substrato fático delineado nos autos, realiza a tipificação jurídica da pretensão no ordenamento jurídico posto, aplicando a lei adequada à solução do conflito, ainda que as partes não a tenham invocado (iura novit curia) e independentemente de oitiva delas, até porque a lei deve ser do conhecimento de todos, não podendo ninguém se dizer surpreendido com a sua aplicação.

Das lições acima, é possível concluir que a sentença guerrreada não incorreu no vício apontado pelo recorrente, visto que apenas aplicou dispositivo legal previsto na lei de regência do processo (art. 8º, §1º, I, da Lei 9.099/95) diante dos fatos e documentos apresentados com a petição inicial.

Quanto à alegada possibilidade de o recorrente executar título de crédito decorrente de cessão, embora a sentença fundamente a extinção em jurisprudência que cita a impossibilidade de cessionário litigar no juizado especial cível em razão de crédito decorrente de endosso em branco, o que impede o prosseguimento do feito sob a égide da Lei 9.099/95 não é o endosso ser em branco ou em preto, mas sim o fato de o cessionário ser pessoa jurídica.

Da análise detida do título que instrui a inicial, observa-se que o recorrente recebeu o cheque executado por meio de endosso em preto, uma vez que consta no verso do título a assinatura e a designação de que fosse pago a "Érico Xavier Antunes ou à sua ordem" (fl. 05).

O cheque é ordem de pagamento à vista e o título corporifica o crédito nele expresso, podendo ser transferido a novo credor. A transferência se efetiva através do endosso, expressada pela assinatura do antigo credor no verso do cheque.

No caso do endosso ser em preto, o endossatário é indicado na cártula sob a expressão "pague-se a" ou outra equivalente.

Sobre o tema, explica Fábio Ulhoa Coelho:

O endosso pode ser em branco, ou em preto. No primeiro caso, o ato de transferência da titularidade do crédito não identifica o endossatário; no segundo, identifica. Em outros termos, o endosso por ser praticado por três formas diferentes: 1ª) a simples assinatura do credor no verso do título; 2ª) a assinatura do credor, no verso ou no anverso, sob a expressão "pague-se", ou outro equivalente; 3ª) a assinatura do credor, no verso ou no anverso, sob a expressão "pague-se a Darcy". Nas duas primeiras, caracteriza-se o endosso em branco, posto não identificada a pessoa para quem o pagamento deve ser feito, ou seja, para quem o crédito foi transferido. Na última forma, o endosso se considera em preto, porque o endossatário está plenamente identificado: é Darcy. (Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa. 15ª ed., São Paulo, Saraiva, 2011, p. 427)

Dispõe a Lei 7.357/85:

Art . 17 O cheque pagável a pessoa nomeada, com ou sem cláusula expressa ‘’ à ordem’’, é transmissível por via de endosso.

§ 1º O cheque pagável a pessoa nomeada, com a cláusula ‘’não à ordem’’, ou outra equivalente, só é transmissível pela forma e com os efeitos de cessão.

§ 2º O endosso pode ser feito ao emitente, ou a outro obrigado, que podem novamente endossar o cheque.


Art . 20 O endosso transmite todos os direitos resultantes do cheque. Se o endosso é em branco, pode o portador:

I - completá-lo com o seu nome ou com o de outra pessoa;

II - endossar novamente o cheque, em branco ou a outra pessoa;

III - transferir o cheque a um terceiro, sem completar o endosso e sem endossar.

Portanto, o endosso transmite todos os direitos resultantes do cheque objeto da presente execução.

Contudo, o que impede o prosseguimento do feito no Juizado Especial Cível é a vedação expressa no art. 8º, §1º, I, da Lei 9.099/95, in verbis:

Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.

§ 1o Somente serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial:

I - as pessoas físicas capazes, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas;” (grifou-se)

Aqui é importante que se estabeleça a amplitude teleológica da norma, que existe para o fim de evitar desvios às regras de competência dos Juizados Especiais.

O termo "cessionário" na letra da lei é usado de forma ampla, não se limitando ao conceito estrito de cessão civil, mas ao conceito amplo, equivalente à transmissão sob qualquer forma.

A interpretar-se diferente disso, estar-se-ia admitindo o desvirtuamento da competência dos Juizados Especiais para que qualquer pessoa jurídica, mesmo as de maior porte, em regra inadmitidas no polo ativo neste sistema, pudesse nele litigar. Por exemplo, um banco de grande porte, pela mera via do endosso de cheques a um preposto, poderia concentrar a execução de seus débitos nos Juizados Especiais, valendo-se inclusive da dispensa de atuação de advogado em casos de valor inferior a 20 salários mínimos e da dispensa de despesas processuais em primeiro grau. Eis a razão da existência da norma em questão, que não comporta exceções.

Assim, tratando a hipótese dos autos de crédito cedido por pessoa jurídica, acertada a...

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