Acórdão nº 0800004-23.2022.8.14.0501 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 3ª Turma de Direito Penal, 13-11-2023

Data de Julgamento13 Novembro 2023
Órgão3ª Turma de Direito Penal
Ano2023
Número do processo0800004-23.2022.8.14.0501
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoExtorsão mediante seqüestro

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0800004-23.2022.8.14.0501

APELANTE: KASSIO NUNES DA SILVA

APELADO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargador JOSÉ ROBERTO PINHEIRO MAIA BEZERRA JUNIOR

EMENTA

DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE EXTORSÃO QUALIFICADA E TORTURA. ART. 158, §§ 1º E 3º DO CP/40 E ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA “A” DA LEI Nº 9.455/97 C/C ART. 69 DO CP/40. PLEITO DE NULIDADE POR ERROR IN JUDICANDO. VALORAÇÃO PROBATÓRIA QUE RECAI SOBRE O MÉRITO PENAL. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL. INCABÍVEL. AUSÊNCIA DE PROVAS DA EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. ABSOLVIÇÃO SOMENTE QUANTO AO CRIME DE TORTURA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE LESÕES CORPORAIS. INCABÍVEL. COMPROVADO O DOLO ESPECÍFICO DA CONDUTA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O apelante não indicou a qual error in judicando se refere, como fundamento para pleitear a nulidade da sentença. Isso porque a questão relativa à valoração probatória diz respeito ao mérito penal, ou seja, autoria e materialidade delitiva e reprovabilidade da conduta, sendo que erros desse tipo não ensejam a nulidade do julgamento, mas sim, eventualmente, sua reforma.

2. Não restou provada nos autos a suposta coação moral irresistível sofrida pelo apelante, necessária à sua absolvição, eis que somente ficou provado nos autos que ele, juntamente com terceiro, exerceu os atos coativos sobre a vítima, com vistas a obter as informações bancárias desejadas e ainda o dinheiro exigido, tudo em concurso de agentes com aquele. Dessa feita, forçosa a manutenção da condenação. Absolvição apenas quanto ao crime de tortura (art. 1º, inciso I, alínea “a” da Lei nº 9.455/97), eis que a violência empregada pelo acusado limitou-se àquela necessária à obtenção dos seus dados bancários, restando a violência supostamente configuradora da tortura absorvida pelo crime de extorsão qualificada, previsto no art. 158, §§1º e 3º do CP/40.

3. Não cabe falar em desclassificação da conduta para o crime de lesões corporais, quando ficou provado nos autos que toda a violência exercida sobre a vítima foi praticada com o objetivo específico de obter informação bancária da vítima e ainda o pagamento de quantia em dinheiro, restando configurado o crime de extorsão qualificada.

4. Recurso conhecido e parcialmente provido apenas para absolver o acusado do crime de tortura, absorvido pelo crime de extorsão qualificada por força do princípio da consunção, mantendo a pena de 08 (oito) anos de reclusão e 133 (cento e trinta e três) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. Modificado também o regime inicial de cumprimento de pena, para o semi-aberto.

ACÓRDÃO

Vistos e etc...

Acordam, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores, por unanimidade, em conhecer e dar parcial provimento ao recurso de apelação criminal, com absolvição quanto ao crime de tortura, nos termos do voto do relator.

32ª Sessão Ordinária - Plenário Virtual (PJE) – 3ª Turma de Direito Penal, ocorrida entre os dias treze e vinte e um de novembro de dois mil e vinte e três.

Julgamento presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Pedro Pinheiro Sotero.

Belém/PA, 27 de novembro de 2023.

JOSÉ ROBERTO PINHEIRO MAIA BEZERRA JUNIOR

DESEMBARGADOR RELATOR

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por KÁSSIO NUNES DA SILVA em face de sentença condenatória proferida pelo juízo da Vara Única Distrital de Mosqueiro, Belém/PA, em 05.08.2022 (Num. 11315200), nos autos da Ação Penal nº 0800004-23.2022.8.14.0501 (sistema PJE), na qual foi condenado pelos crimes de extorsão qualificada e tortura, previstos no art. Art. 158, §§ 1º e 3º do CP (primeira parte) c/c art. 1º, inciso I, alínea “a” da Lei nº 9.455/97 c/c art. 69 do CP/40, à pena total de 10 (dez) anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, e 133 (cento e trinta e três) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

Em suas razões recursais (Num. 11315266), a defesa requer, inicialmente, a absolvição do acusado pela incidência da excludente da culpabilidade da coação moral irresistível ou a redução da pena, com desconsideração da pena do crime de tortura, eis que não haveriam provas de sua ocorrência. Requereu a nulidade da sentença em razão de error in judicando, sem referir qual a natureza do erro. E, por fim, requereu a desclassificação da conduta para lesões corporais, previsto no art. 129, caput, do CP/40.

O Ministério Público do Pará apresentou contrarrazões sob o Num. 11315269, refutando as alegações da defesa e pugnando pela manutenção da sentença em todos os seus termos.

Instado a se manifestar, o órgão ministerial opinou pelo conhecimento e total desprovimento do recurso, consoante parecer de Num. 13134934.

Eis o relatório, que submeto à revisão.

Sugiro a inclusão em pauta de plenário virtual.

VOTO

I – Do Juízo de admissibilidade recursal

O recurso sob análise deve ser conhecido, em razão do atendimento dos pressupostos e condições para sua admissibilidade, mormente em relação à adequação e tempestividade.

II - Do mérito Recursal

II.1 – Pleito de nulidade por error in judicando e pleito de absolvição por coação moral irresistível

A defesa sustenta, muito genericamente, a nulidade do julgamento por error in judicando, assim alegando (Num. 11315266):

No caso vertente, o conjunto de provas jurisdicionalizadas demonstra que a acusação não se desincumbiu do ônus probandi, que impunha a incumbência processual de trazer aos autos provas da realidade dos fatos deduzidos na pretensão punitiva, o que impõe a pronto e eficaz cassação da sentença vergastada

A Defesa, entretanto, em minuciosa análise do contexto probatório, entende que houve error in judicando por parte do juízo a quo, tendo em vista que a essência do processo, na verdade, indica a necessidade de declarar nula a sentença proferida pelo juízo monocrático.

Como se sabe, ao contrário do que parece ser o entendimento da defesa, a matéria atinente ao ônus probatório não implica um error in procedendo (apto a ensejar a nulidade do julgado por eventual vício procedimental), mas sim um error in judicando, a dizer respeito ao mérito da ação penal, ou seja, materialidade e autoria delitiva, além da reprovabilidade da conduta. O error in judicando não implica nulidade da sentença, mas sim sua reforma por eventual erro. De toda forma, em que pese a generalidade da fundamentação recursal e mesmo os equívocos constatados, por força do efeito devolutivo amplo da apelação defensiva, passo a revisar o mérito da sentença.

Segundo narra a peça acusatória (Num. 11315038), o acusado, juntamente com seu comparsa de prenome Matheus, sequestraram a vítima e a mantiveram em cárcere numa residência localizada no Portal do Paraíso, nº 17, Estrada do Paraíso, Rua Canaã, Bairro Paraíso, Distrito de Mosqueiro, Belém/PA. Narra a denúncia, que guardas municiais foram acionados, via celular, acerca de suposto homicídio. Porém, ao chegarem no local indicado, avistaram o acusado detido pela população, após ter sequestrado e torturado a vítima. Em verdade, o acusado juntamente com um comparsa, de nome Matheus, foram contratados por terceiro, conhecido como Junior, para cobrar uma dívida da vítima de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais). Como ela não tinha tal valor, foi torturada até informar seus dados bancários, sendo que o sequestro durou de 31.12.2021 até 02.01.2022, quando conseguiu escapar.

À luz da narrativa fática da denúncia, tem-se provadas a materialidade e autoria delitivas por meio do boletim de ocorrência comunicando a prisão em flagrante do acusado em 02.01.2022 - Num. 11314993 - Pág. 19/20; auto de apresentação e apreensão de 01 (uma) faca Tramontina, 01 (um) cabo de madeira, 01 (um) canivete e 01 (uma) balança de precisão, usados no crime - Num. 11314993 - Pág. 21; depoimento da testemunha GMB Rodolfo Conceiçõa Cruz (Num. 11315082 a Num. 11315086), depoimento da testemunha GMB Thaina Betânia Barbosa de Azevedo (Num. 11315087 a Num. 11315092); depoimento da vítima Antônio Geraldo Cássio Waughon Coelho (Num. 11315138 a Num. 11315158), depoimento da testemunha Matheus Kennedy Barros de Oliveira (Num. 11315167 a Num. 11315176) e mesmo interrogatório do acusado Kássio Nunes da Silva (Num. 11315184 a Num. 11315188).

Muito embora não conste nos autos laudo pericial atestando as agressões físicas sofridas pela vítima, lembro que não se trata de crime de lesões corporais (art. 129 do CP/40), mas sim de crimes de extorsão (qualificada não pelas lesões corporais, mas sim pelo concurso de agentes, emprego de arma branca e ainda pela restrição à liberdade da vítima) e tortura, logo tal prova se mostra despicienda, pois a ocorrência de lesões corporais não é elementar de nenhum dos tipos, notadamente diante da extensa prova oral produzida nos autos.

Lembro, por oportuno, que se apura nestes autos crime patrimonial e tortura, os quais são, em regra, cometidos com clandestinidade, às escuras, sem que haja, portanto outros meios de prova, a exemplo da testemunhal, para comprovar a ocorrência do crime. Ciente disso é que a jurisprudência pátria tem atribuído à palavra da vítima maior relevância probatória, o que deve ser levado em consideração in casu, senão vejamos:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO, ROUBO MAJORADO, ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E TORTURA. CONDENAÇÃO. FRAGILIDADADE PROBATÓRIA. INOCORRÊNCIA. RECONHECIMENTO PESSOAL CORROBORADO POR OUTRAS PROVAS. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DELITIVA. REVOLVIMENTO FÁTICO PROBATÓRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NEGATIVA DO RECURSO EM LIBERDADE. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PERICULOSIDADE CONCRETA DOS AGENTES. MODUS OPERANDI. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Não obstante os esforços dos agravantes, a decisão deve ser mantida por seus...

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