Acórdão nº 0800104-42.2022.8.14.0221 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Público, 11-12-2023

Data de Julgamento11 Dezembro 2023
Órgão1ª Turma de Direito Público
Ano2023
Número do processo0800104-42.2022.8.14.0221
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
AssuntoAbuso de Poder

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0800104-42.2022.8.14.0221

APELANTE: MUNICIPIO DE MAGALHAES BARATA

APELADO: RAIMUNDO SILVIO COSTA DA SILVA

RELATOR(A): Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. REDUÇÃO INJUSTIFICADA DE CARGA HORÁRIA. SERVIDOR MUNICIPAL. NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PARA A REDUÇÃO, OBSERVADO O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL PARA A REDUÇÃO. PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE SALARIAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

1 – Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de redução da carga horária de professor municipal ocupante de cargo efetivo.

2 – Conforme entendimento pacífico na jurisprudência pátria, se faz necessário assegurar o contraditório e a ampla defesa previamente à redução de jornada laborativa de servidor público, considerando a repercussão em sua esfera patrimonial, devendo haver justificativa e instauração de procedimento administrativo prévio.

3 - Como cediço, em atenção ao princípio da motivação, a Administração Pública deve fundamentar o ato praticado, inclusive os discricionários, indicando os pressupostos de fato e de direito que determinaram a sua decisão, para que haja o controle de sua legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, bem como, da ausência de arbitrariedade, caso contrário, estará eivado de vício, pendendo à consequente invalidação.

4 - Em que pese as exigências que visam assegurar a irredutibilidade salarial, a carga horária não pode ser considerada irredutível, tampouco se trata se direito adquirido do servidor, o procedimento, no entanto, deve ser observado de modo a trazer justificativa plausível para a redução, o que não ocorreu no caso em análise.

5 – Sentença mantida. Recurso conhecido e improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da 1ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade, para CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO, NEGANDO-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

Belém (Pa), data de registro do sistema.

EZILDA PASTANA MUTRAN

Desembargadora do TJ/Pa

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível, interposta pelo Município de Magalhães Barata, com fulcro no art. 1.009 e seguintes do Código de Processo Civil, contra sentença proferida nos autos do Mandado de Segurança, impetrado por Raimundo Silvio Costa da Silva

Da inicial se extrai que o autor é servidor público municipal efetivo, ocupante do cargo de professor, e que houve a supressão de 100 horas suplementares da sua carga horária, além da retirada do seu título de Professor Especialista, com supressão da gratificação de nível superior e de pós-graduação, sem qualquer comunicação ou justificativa para tanto.

Diante dos fatos acima narrados, requereu medida liminar para que retornasse as gratificações que faz jus, bem como pela manutenção da carga horária.

Em sentença, o MM. Juízo a quo concedeu a segurança nos seguintes termos:

“Ante o exposto, CONCEDO A SEGURANÇA para que a impetrada restabeleça a carga horária do impetrante, correspondente a 200 horas aula, bem como restabeleça sua função de especialista em seu contra-cheque, e o seu reenquadramento para o Cargo de Professor Nível III, recebendo o salário base correto, além do acréscimo das gratificações proporcionais previstas no Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração dos servidores do magistério do Município de Magalhães Barata e de seu adicional por tempo de serviço, com a volta das mesmas a serem incorporadas ao vencimento base desta, incidindo também sobre as horas novamente acrescidas, e, por fim, realize o pagamento retroativo dos valores indevidamente suprimidos de sua remuneração, desde a data da impetração do Mandado de Segurança.

Em consequência, julgo extinto o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.

Arbitro multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), por ato de descumprimento, até o limite de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), nos termos do art. 497 do CPC.”

Inconformado com o teor da decisão, o ente municipal interpôs o presente recurso de Apelação Cível, requerendo a reforma da sentença prolatada sob afirmativa de que o judiciário não pode intervir na discricionariedade administrativa; a inexistência de direito adquirido às horas aulas por parte do professor. Requer, ao final, que o recurso seja conhecido e provido.

Houve apresentação de contrarrazões.

Instado a se manifestar, o Ministério Público de 2º Grau opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso por estarem preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal.

Vislumbro, também, que se trata de caso de Remessa Necessária, uma vez que se trata de sentença ilíquida contra a Fazenda Pública, conforme disposto no art. 496, I, do Código de Processo Civil.

Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de redução da carga horária de professor municipal ocupante de cargo efetivo.

Conforme entendimento pacífico na jurisprudência pátria, se faz necessário assegurar o contraditório e a ampla defesa previamente à redução de jornada laborativa de servidor público, considerando a repercussão em sua esfera patrimonial, devendo haver justificativa e instauração de procedimento administrativo prévio.

Como cediço, em atenção ao princípio da motivação, a Administração Pública deve fundamentar o ato praticado, inclusive os discricionários, indicando os pressupostos de fato e de direito que determinaram a sua decisão, para que haja o controle de sua legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, bem como, da ausência de arbitrariedade, caso contrário, estará eivado de vício, pendendo à consequente invalidação.

Neste sentido, destaco as palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“(...) Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado. (...) (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 200.) (grifo nosso)”.

Esse trâmite é exigido para que seja garantido ao servidor a irredutibilidade salarial prevista no art. 7º, VI, e art. 37, XV, da Constituição Federal. In verbis:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;”

Frise-se que, em que pese as exigências que visam assegurar a irredutibilidade salarial, a carga horária não pode ser considerada irredutível, tampouco se trata se direito adquirido do servidor, o procedimento, no entanto, deve ser observado de modo a trazer justificativa plausível para a redução.

A propósito, extrai-se da Constituição Federal a exigência do devido processo legal quando se pretende privar o indivíduo de seus bens, senão vejamos:

“Art.5º(...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

LV - os litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Outrossim, o plenário do STF, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 594.296/MG, reconheceu a existência da repercussão geral e definiu que qualquer ato da administração pública que tiver o condão de repercutir sobre a esfera de interesses do servidor deverá ser precedido de prévio procedimento em que se assegure ao interessado o efetivo exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa.

Acerca do tema, colaciono entendimento do Colendo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. SERVIDOR PÚBLICO. ODONTOLOGISTAS DA REDE PÚBLICA. AUMENTO DA JORNADA DE TRABALHO SEM A CORRESPONDENTE RETRIBUIÇÃO REMUNERATÓRIA. DESRESPEITO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. 1. O assunto corresponde ao Tema nº 514 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do Supremo Tribunal Federal na internet e está assim descrito: “aumento da carga horária de servidores públicos, por meio de norma estadual, sem a devida contraprestação remuneratória”. 2. Conforme a reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não tem o servidor público direito adquirido a regime jurídico remuneratório, exceto se da alteração legal decorrer redução de seus rendimentos, que é a hipótese dos autos. 3. A violação da garantia da irredutibilidade de vencimentos pressupõe a redução direta dos estipêndios funcionais pela diminuição pura e simples do valor nominal do total da remuneração ou pelo decréscimo do valor do salário-hora, seja pela redução da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária, seja pelo aumento da jornada de trabalho sem a correspondente retribuição remuneratória. (...) (ARE 660010/PR. Relator: Min. DIAS TOFFOLI Julgamento: 30/10/2014. Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

Se observa dos autos que o Município não comprova a existência de qualquer procedimento administrativo prévio capaz de ensejar na redução da carga horária do servidor, tampouco juntou documentos que justifiquem a...

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