Acórdão nº 0800143-91.2020.8.14.0000 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Público, 22-05-2023

Data de Julgamento22 Maio 2023
Órgão2ª Turma de Direito Público
Número do processo0800143-91.2020.8.14.0000
Classe processualAGRAVO DE INSTRUMENTO
AssuntoDano ao Erário

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) - 0800143-91.2020.8.14.0000

AGRAVANTE: PAULO ANDRE DOS SANTOS GAIA, LEIA DIAS DOS SANTOS GAIA, L P A COMERCIO E PRESTACAO DE SERVICOS LTDA - ME

AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PARA

RELATOR(A): Desembargadora LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INADMISSÍVEL A DECRETAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE DE BENS PARA RESSARCIMENTO DE DANO PRESUMIDO. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIA REAFIRMADA PELA NOVA REDAÇÃO DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (COM REDAÇÃO DA LEI N. 14.230/21). RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (TEMA 1199 DE REPERCUSSÃO GERAL). AUSÊNCIA DE PROVAS QUE A ATUAÇÃO DOS AGRAVANTES TENHA CONCORRIDO PARA CARACTERIZAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO NA FORMA DO ART. 16 DA LEI Nº 8.429/92 COM REDAÇÃO DA LEI N. 14.230/21 C/C TEMA 1.199 DE REPERCUSSÃO GERAL.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Desembargadores da 2ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará em plenário por videoconferência, por unanimidade de votos, CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso e confirmar a sentença, consoante os termos do voto da eminente Relatora.

Belém-PA, assinado na data e hora registradas no sistema.

Desa. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO

Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento contra decisão nos autos da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa c/c Pedido de Nulidade de Ato Administrativo, afastamento Cautelar de Agentes Políticos e Boqueio de Bens para Ressarcimento ao Erário (Processo n° 0800900-68.2019.8.14.0017), proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ, que além de outras medidas determinou o bloqueio cautelar de bens no montante de R$ 3.677.174,78 (três milhões, seiscentos e setenta e sete mil, cento e setenta e quatro reais e setenta e oito centavos) para cada requerido.

Inconformados os agravantes alegam nulidade da decisão por ter sido deferida em plantão judiciário mesmo não sendo matéria correlata as hipóteses de plantão; que não provocaram nem deram causa a prejuízo ao erário e que não há provas de ilicitudes praticadas pelos agravantes; que os argumentos do MPE são meramente especulativos; que o valor do bloqueio partiu de cálculo da totalidade do investimento da Administração para o fomento do turismo na região nos anos de 2017, 2018 e 2019.

Pede a concessão liminar da tutela antecipada recursal, para declarar a nulidade da decisão agravada, ante a ausência de fundamentação, ou revogar a indisponibilidade de bens dos agravantes, diante da ausência de indícios razoáveis de improbidade, ou, alternativamente, que seja concedido efeito suspensivo ao presente recurso, afastando os efeitos da decisão agravada na duração do recurso.

Indeferi a tutela recursal na forma da decisão ID 3374357.

Contrarrazões em ID 3647869 a Promotoria de Justiça alega essencialmente que não há impedimento algum do juízo decidir em sede de plantão judicial, mesmo que não haja expressado pedido nesse sentido, considerando que restou fartamente caracterizada a urgência para apreciação da tutela, em especial a demonstração da probabilidade do direito e do periculum in mora.

Descreve que a forma adotada pelo Município para dar aparências de regularidade à contratação, foi desvirtuada propositalmente para favorecer os agravantes que não atendiam aos requisitos mínimos para participação do “credenciamento”, quanto menos sagrarem-se vencedores, bem como eivada de inúmeros vícios procedimentais devidamente apontados na Nota Técnica nº 44/2019, oriunda do Centro de Apoio Operacional da Defesa do Patrimônio Público.

Aponta que os danos causados ao erário no montante de R$3.677.174,78 representam o montante correspondente aos recursos públicos que custearam a locação do “Palco Geo Space - 20x18” utilizado como “Boate/Camarote Beach” durante o veraneio de 2018 e a somatória dos custos de contratação de todos os shows (realizados no veraneio e réveillon 2018 e veraneio 2019) que beneficiaram diretamente os agravantes.

Afirma que houve grande e rápida ascensão patrimonial dos agravantes em curto espaço de tempo passaram a promover eventos atrelados a shows de cantores famosos a nível nacional custeados com recursos públicos, e que a empresa não poderia ser optante do Simples Nacional seja pela natureza da atividade seja pela receita bruta contabilizada.

Conclui requerendo que seja negado provimento ao recurso.

O Parque de segundo grau ratificou a manifestação da Promotoria em ID3891747.

É o essencial a relatar. Passo ao voto.

VOTO

Os agravantes pretendem concessão de tutela recursal para declarar a nulidade da decisão agravada, ante a ausência de fundamentação, ou revogar a indisponibilidade de bens dos agravantes, diante da ausência de indícios razoáveis de improbidade.

Em relação ao pedido de nulidade ante a falta de fundamentação, mantenho a manifestação por ocasião da admissibilidade para indeferir de plano a preliminar posto que além de estar suficientemente fundamentada, não há que se confundir o plantão judiciário com recesso natalino, conforme se constata a partir da Resolução n. 244 do CNJ.

Em relação ao pedido de revogação da indisponibilidade de bens face a ausência de indícios razoáveis de improbidade, matéria de mérito deste recurso, cumpre-me, antes de proferir manifestação conclusiva, proceder as considerações em relação aos efeitos que a Lei n. 14.230/21 provocou sobre as medidas liminares em ações de improbidade administrativa, em especial aquelas que decretaram indisponibilidade de bens dos requeridos.

Em um juízo superficial seria possível inferir que por definição literal, a Lei n. 14.230/2021 não previu sua aplicação retroativa, razão pela qual, equivocadamente o operador do direito poderia concluir que a nova lei se aplicaria somente aos processos ajuizados posteriormente à sua publicação, por força do princípio da irretroatividade das leis estabelecido no artigo 6º da LINDB.

Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

Todavia, diante da relevância e extensão do tema improbidade administrativa, definitivamente, esta não é uma matéria para ser decidida em juízo superficial.

O princípio da irretroatividade previsto no art. 5º, XL, da CRFB que dispõe: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Não obstante a expressa referência à “lei penal”, o referido princípio deve ser aplicado, também, ao Direito Administrativo Sancionador, até mesmo porque encontra previsão no art. 9º do Pacto de São José da Costa Rica, do qual somos signatários conforme Decreto 678/92, e que não restringe a incidência do princípio da retroatividade ao Direito Penal.

Não é outro o entendimento do c. STJ sobre a questão. Vejamos, por exemplo, o julgamento do RMS 37.031/SP, Rel(a). Min(a) Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 20/02/2018:

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE.

(…)

III – Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente.

IV – Dessarte, cumpre à Administração Pública do Município de São Paulo rever a dosimetria da sanção, observando a legislação mais benéfica ao Recorrente, mantendo-se indenes os demais atos processuais.

(…)

VI – Recurso em Mandado de Segurança parcialmente provido.” (Grifo nosso).

Essa possibilidade da retroatividade da norma mais benéfica no âmbito da improbidade administrativa em decorrência dos princípios do direito administrativo sancionador, veio expressa no art. 1º, § 4º, da Lei de Improbidade Administrativa, inserido pela Lei n. 14.230/2021, que determina a aplicação do princípio constitucional específico ao sistema da improbidade. Colha-se:

“Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.

§ 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.

Para além das premissas acima, há de se considerar que, historicamente, a aplicação do art. 5º, XL da CRFB (irretroatividade da lei se há prejuízo ao réu), impediu a aplicação retroativa da Lei de Improbidade Administrativa à época (Lei n. 8.429/1992) para punir fatos praticados antes de sua vigência, em razão do seu caráter sancionatório e gravoso, é preciso, agora, reconhecer a retroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.230/2021 que sejam consideradas benéficas aos acusados de improbidade.

Colham-se exemplos de julgados referentes a irretroatividade da Lei de Improbidade Administrativa mais gravosa (sancionada no ano de 1992) no c. STJ: REsp 1.153.656/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 18.05.2011; REsp 1.206.338/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 18.12.2013; REsp 1.129.121/GO, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 15.03.2013.

Em consequência tanto da orientação constitucional quanto da jurisprudência histórica, entende-se pela natural vocação à retroatividade da norma sancionadora mais benéfica, e nesse passo replica-se a prática em relação a nova Lei de Improbidade Administrativa com amparo na cláusula constitucional do devido processo legal e...

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