Acórdão nº 0800209-03.2021.8.14.0076 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Privado, 07-03-2023

Data de Julgamento07 Março 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Ano2023
Número do processo0800209-03.2021.8.14.0076
AssuntoReconhecimento / Dissolução
Órgão2ª Turma de Direito Privado

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0800209-03.2021.8.14.0076

APELANTE: CARMEN MARIA DURAN BURLAMAQUI

APELADO: NEYLA NOBRE PAIXAO

RELATOR(A): Desembargadora MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL N. 0800209-03.2021.8.14.0076

APELANTE: CARMEN MARIA DURAN BURLAMAQUI

APELADA: NEYLA NOBRE PAIXÃO

RELATORA: DESª. MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES

EXPEDIENTE: 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL PÓS MORTEM – PRELIMINAR DE DESERÇÃO SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES: REJEITADA – MÉRITO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – DECISUM VERGASTADO QUE RECONHECEU A EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL PÓS MORTEM ENTRE A APELADA E A DE CUJUS – PROVAS DOCUMENTAIS E TESTEMUNHAIS QUE ATESTAM PEREMPTORIAMENTE A EXISTÊNCIA DE AFFECTIO MARITALIS NA RELAÇÃO CONJUGAL – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES – DESCABIMENTO SENTENÇA ESCORREITA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1.1 Preliminar de deserção do recurso suscitada em contrarrazões: Rejeitada. Preparo devidamente recolhido.

2. Mérito.

2.1. A união estável é entendida como a convivência com vocação de permanência, por um tempo considerável (duradoura), pública e contínua, não eivada de ilegitimidade, entre homem e mulher, que se sentem reciprocamente compromissados e como tal se apresentam em sociedade.

2.2. Provas testemunhais e documentais aptas a caracterizar a união estável. Documentos acostados após o ingresso da demanda. Possibilidade. Observância do contraditório e ampla defesa.

2.3. Acervo probatório que demonstra a existência de união pública, estável, dotada de recíproca assistência moral e material e, de affectio maritalis, entre a autora/apelada e a de cujus.

3. Pedido de aplicação de multa por litigância de má fé suscitada em contrarrazões. Inocorrência.

4. Recurso de Apelação Conhecido e Desprovido.

ACÓRDÂO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, onde figuram como partes as acima identificadas, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores membros da Colenda 2ª Turma de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, em plenário virtual, por unanimidade de votos, em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO ao Recurso de Apelação nos termos do voto da Exma. Desembargadora Relatora Maria de Nazaré Saavedra Guimarães.

MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES

Desembargadora Relatora

RELATÓRIO

APELAÇÃO CÍVEL N. 0800209-03.2021.8.14.0076

APELANTE: CARMEN MARIA DURAN BURLAMAQUI

APELADA: NEYLA NOBRE PAIXÃO

RELATORA: DESª. MARIA DE NAZARÉ SAAVEDRA GUIMARÃES

EXPEDIENTE: 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos eletrônicos de recurso de APELAÇÃO interposto por CARMEN MARIA DURAN BURLAMAQUI contra sentença proferida pelo Juízo da Vara da Única da Comarca de Acará que, nos autos da AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA POST MORTEM CUMULADA COM TUTELA ANTECIPADA proposta por NEYLA NOBRE PAIXÃO, julgou procedente o pedido da inicial.

Consta das razões deduzias na exordial pela ora apelada que constituiu, juntamente com a de cujus ISABEL MARIA ARIAS DURAN DE MIRANDA durante 13 (treze) anos, relação estável homoafetiva, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, até quando ambas foram acometidas do vírus COVID – 19, o que culminou com o falecimento da Sra. Isabel em 08/03/2021, salientando que a de cujus teria deixado bens a inventariar, mas que a sua irmã, ora Requerida, é quem se apresenta como inventariante do espólio nos autos do inventário, razão pela qual ingressou com a demanda sob exame.

O feito seguiu seu trâmite regular até a prolação da sentença (ID 10512629), que julgou procedente a pretensão exordial, nos seguintes termos:

(...) RATIFICO em todos os seus termos a TUTELA ANTECIPADA concedida no documento 30357977 - pág. 4 , e julgo PROCEDENTE o pedido formulado por NEYLA NOBRE PAIXÃO contra CARMEN MARIA DURAN BURLAMAQUI, para declarar por sentença a UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA e a sua DISSOLUÇÃO c/c a partilha dos bens entre NEYLA NOBRE PAIXÃO e ISABEL MARIA ARIAS DURAN DE MIRANDA. Os bens descritos na inicial, devem ser partilhados entre as partes na forma legal, ou seja, 50%(cinquenta por cento) dos bens adquiridos durante a união estável que, ficará para cada uma das partes, mesmo que tenham sido adquiridos por apenas um dos participes, na forma equiparada pelo regime de comunhão parcial de bens, e extingo o processo nos termos do art. 487, I, do CPC.

Inconformada, a ré CARMEN MARIA DURAN BURLAMAQUI, interpôs Recurso de Apelação (ID 10512630).

Sustenta, inicialmente, a necessidade de anulação da sentença, em razão da ausência de litisconsórcio necessário, uma vez que a recorrida teria deixado de arrolar mais uma das irmãs da de cujus.

Alega que as provas produzidas nos autos seriam insuficientes a para demonstrarem a existência da alegada relação conjugal homoafetiva entre a autora/apelada e a de cujus, bem assim que não teria restado caracterizada relação de dependência da recorrida com a falecida.

Afirma que o que existia entre ambas seria tão somente relação de amizade, pleiteando, assim, pelo provimento do recurso apelatório para que seja reformada a sentença objurgada, julgando-se improcedente a pretensão exordial.

A recorrida apresentou contrarrazões (ID 10512637), pugnando, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso pela deserção e requerendo aplicação de multa por litigância de má-fé.

Coube-me por distribuição a relatoria do feito.

Instada a se manifestar, a Douta Procuradoria de Justiça deixou de exarar parecer, afirmando inexistir interesse público capaz de ensejar a sua intervenção (ID 11757467).

É o relatório.

VOTO

VOTO

Prima facie, passo a apreciação da questão preliminar suscitada em sede de contrarrazões pelo ora apelado, relativa à própria admissibilidade recursal, cuja sua análise precede às demais matérias trazidas.

PRELIMINAR: DESERÇÃO

A referida preliminar não há que prosperar, considerando a comprovação de pagamento das custas relativas ao preparo constante no documento ID 10512634, pago na mesma data da emissão do relatório de contas do processo, o que afasta qualquer alegação de deserção ventilada pela ora apelada.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, REJEITO a preliminar.

Preenchidos os pressupostos processuais, conheço do recurso e passo a proferir o voto.

MÉRITO

Cinge-se a controvérsia recursal à possibilidade de extinção do feito em razão da ausência de litisconsórcio passivo necessário, bem assim em razão da ausência dos requisitos para reconhecimento de união estável pós mortem entre a autora/apelada e a de cujus.

Quanto a questão relativa à ausência de litisconsórcio passivo necessário, importante mencionar que, tal como entendeu a Min. Nancy Andrighi, em seu voto, no julgamento datado de 23.06.2020, em que pese a existência de interesse por parte dos herdeiros colaterais da falecida, nos autos da presente demanda de reconhecimento de união estável, tal interesse não é direto e imediato, mas secundário, haja vista que, in casu, não há pedido diretamente dirigido ou prejuízo a ser experimentado pelo espólio.

No mais, impende consignar que encontra-se em andamento ação de inventário, que, inclusive a herdeira colateral mencionada pela ora apelante ainda não compõe, de sorte que, naqueles autos sim, faz-se imprescindível a sua atuação, posto que eventuais direitos assegurados a si seriam diretamente afetados.

É o entendimento:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. Decisão que determinou emenda à inicial a fim de ser incluído no polo passivo da ação os herdeiros do agravado ou, inexistindo, a municipalidade e ainda, que se juntasse cópia da certidão de óbito dos genitores e irmãos do agravado e certidão negativa de testamento. Inconformismo da autora. Alegação de desnecessidade. Matéria pacificada nos Tribunais Superiores. Desnecessidade de inclusão, no polo passivo da demanda de reconhecimento e dissolução de união estável, dos parentes colaterais do falecido. Decisão anulada, com determinação para prosseguimento do feito. RECURSO PROVIDO, com determinação. (TJ-SP - AI: 21654257920228260000 SP 2165425-79.2022.8.26.0000, Relator: Benedito Antonio Okuno, Data de Julgamento: 27/10/2022, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/10/2022)

Noutra ponta, argui ainda a recorrente que a união estável alegada na exordial não teria sido demonstrada, ressaltando a ausência de elementos capazes de ensejar a procedência da demanda, pugnando pela reforma integral da sentença.

Com efeito, sabe-se que o ordenamento jurídico pátrio consagra a família como base da sociedade e, com este status, passou a ser titular de primordial proteção estatal.

A evolução do conceito de família, conferiu a esta, maior amplitude, exasperando a definição limitada apenas pelo homem e mulher civilmente casados e seus descendentes, conforme previsão insculpida no art. 226 da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

[...]”.

Nesse sentido, destaca a jurista Maria Berenice Dias:

“O Direito de Família, ao receber o influxo de Direito Constitucional, foi alvo de profunda transformação, que ocasionou verdadeira revolução ao banir discriminações no campo das relações familiares. Num único dispositivo, o constituinte espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Foi derrogada toda a legislação que hierarquizava homens e mulheres [...]. Também se alargou o conceito de família para além do casamento”.

(DIAS, Maria Berenice. As Uniões...

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