Acórdão nº 0800371-36.2020.8.14.0107 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Privado, 30-05-2023

Data de Julgamento30 Maio 2023
Órgão2ª Turma de Direito Privado
Ano2023
Número do processo0800371-36.2020.8.14.0107
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
AssuntoIndenização por Dano Moral

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0800371-36.2020.8.14.0107

APELANTE: RAIMUNDA CONCEICAO SANTOS DA COSTA

APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.

RELATOR(A): Desembargador RICARDO FERREIRA NUNES

EMENTA

FRAUDE BANCÁRIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE PESSOA ANALFABETA. CONTRATO NÃO ASSINADO À ROGO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. INEXISTÊNCIA DA RELAÇÃO NEGOCIAL. DANOS MATERIAIS. MÁ-FÉ. RESSARCIMENTO EM DOBRO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, À UNANIMIDADE.

1. O Superior Tribunal de Justiça entende ser regular a contratação de empréstimo por pessoa analfabeta, desde que haja assinatura a rogo por terceiro e por duas testemunhas. No caso concreto, a cédulas de crédito bancário não atendeu tais exigências legais, bem como não foi comprovada pelo banco apelado a disponibilização do dinheiro ao mutuário, logo as relações negociais em questão são inexistentes por provável fraude bancária.

2. Quanto à repetição do indébito, a instituição financeira não conseguiu comprovar a regularidade do empréstimo ora debatido, sendo intencional a conduta do banco recorrido em descontar valores com base em contrato nulo, gerando, assim, débitos sem qualquer respaldo legal nos proventos de aposentadoria da recorrente, ato que configura má-fé e justifica a condenação nos termos do art. 42, parágrafo único do CDC.

3. É inegável o prejuízo na órbita extrapatrimonial do consumidor, tendo em vista que a falha no serviço bancário, no que tange à segurança que se espera das instituições financeiras, culminou em desconto de valores não contratados. O constrangimento supera o mero aborrecimento, pois a autora é idosa, analfabeta, aposentada e percebe recursos oriundos de benefício do INSS, cujo valor, que já é parco, sofreu maior redução em virtude da falta de zelo do apelado.

4. Recurso conhecido e provido, à unanimidade.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

ACORDAM os Excelentíssimos Desembargadores integrantes da 2ª Turma de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade de votos, em CONHECER e DAR PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, nos termos do voto do Eminente Desembargador Relator.

RELATÓRIO

PROCESSO: 0800371-36.2020.814.0107

SEC. ÚNICA DE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO – 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO

RECURSO: APELAÇÃO CÍVEL

APELANTE: RAIMUNDA CONCEIÇÃO SANTOS DA COSTA

APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.

RELATOR: Des. RICARDO FERREIRA NUNES

RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de APELAÇÃO CÍVEL interposta por RAIMUNDA CONCEIÇÃO SANTOS DA COSTA, inconformada com a sentença prolatada pelo MM. Juízo da Vara Única da Comarca de Dom Eliseu/PA que, nos autos da AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, ajuizada por si em face de BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A., julgou improcedente a pretensão formulada.

Em sua exordial (ID 10406046), narrou a autora/apelante ser pessoa idosa, analfabeta, com pouca instrução e que tomou conhecimento de empréstimo realizado indevidamente em seu nome – contrato número 578626683, não tendo autorizado a prestação de serviço e sido surpreendida com descontos em sua conta corrente, o que caracteriza fraude e inobservância do CDC na relação contratual.

Pleiteou liminarmente a suspensão dos descontos consignados referentes ao contrato de empréstimo indevido e, no mérito, a inversão do ônus da prova; a condenação da empresa requerida no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais, bem como a repetição do indébito, nos termos do artigo 42, parágrafo único, da Lei nº 8.078/90), acrescida de juros e correção monetária.

Foi deferida a gratuidade de justiça e o pedido de tutela de urgência formulados na inicial, determinando a suspensão imediata dos descontos efetuados junto ao benefício previdenciário da apelante, referentes ao contrato número 578626683 (ID 10406049).

Em contestação, o banco réu arguiu a regularidade da contratação, julgando válido contrato de empréstimo apresentado, assinado por duas testemunhas, contendo a digital da autora, bem como apresentou print de tela, o qual defende tratar-se de comprovante de pagamento do valor objeto do pacto, não havendo motivos que fundamentem dano moral, na medida em que não se verifica a ocorrência de ato ilícito que enseje violação aos direitos à personalidade, tais como honra, imagem, reputação ou intimidade.

Esclareceu que o contrato foi celebrado no valor de R$760,00 (setecentos e sessenta reais), a ser quitado em 60 parcelas de R$24,83, mediante desconto em benefício previdenciário, que começaram a ocorrer no mês de maio de 2011, já tendo sido descontadas todas as parcelas (ID 10406059).

O banco BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A repugna a tese de fraude, na medida em que afirma que o contrato foi instruído com os documentos originais da autora e que, se alguém fez uso indevido deles, foi por sua negligência, por não ter observada a diligência necessária para protegê-los.

Ademais, a instituição financeira defende comprovar o depósito do valor objeto da avença na conta corrente da autora, apresentando print de tela do sistema interno, pelo que requer a total improcedência da ação, defendendo a tese de que inexiste defeito na prestação do serviço, restando evidenciada a regularidade da contratação do empréstimo. Requer, ainda, a condenação da autora em multa por litigância de má-fé, nos termos do artigo 80, incisos II e III do CPC.

Réplica à contestação (ID 10406069).

Após o processamento do feito, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva segue transcrita:

Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do Novo Código de Processo Civil, julgo totalmente improcedente o pedido formulado na inicial e condeno a autora em litigância de má-fé, nos termos acima.

Condeno a autora ao pagamento de honorários advocatícios em 10% (dez por cento) do valor da causa, e de custas, suspendendo-se, contudo, a exigibilidade face a assistência judiciária gratuita deferida, enquanto perdurar a condição de hipossuficiência, observado o disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/50.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação (ID 10406072), no qual insiste no argumento de que nunca autorizou o empréstimo ora discutido.

Alega que o apelado não trouxe aos autos documento válido que comprove formalização expressa de sua adesão ao serviço, nem juntou prova de pagamento do empréstimo, mas que mesmo assim foram julgados improcedentes os pedidos constantes na peça vestibular, considerando justa a cobrança impugnada, por entender que restou configurada a relação contratual e recebido o valor do empréstimo.

Pleiteia, assim, pelo provimento do recurso para que seja anulada a sentença vergastada, julgando procedente os pedidos, reconhecendo a ilegalidade da prática do apelado, determinando a devolução dos valores pagos indevidamente, na forma do artigo 42 do CDC, acrescidos de juros e correção monetária, bem como a condenação em R$10.000,00 (dez mil reais), a título de danos morais.

Em contrarrazões (ID 10406078), arrazoa a instituição financeira apelada, ser irrepreensível a sentença recorrida, razão pela qual defende sua manutenção integral e, por conseguinte, o desprovimento do recurso de apelação.

É o relato do necessário.

Inclua-se o presente feito na próxima sessão de julgamento do plenário virtual.

Belém, 16 de maio de 2023.

Des. RICARDO FERREIRA NUNES

Relator


VOTO

VOTO

1. Juízo de admissibilidade.

Presentes os pressupostos de sua admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

2. Razões recursais.

Trata-se de ação visando o pagamento de indenização pecuniária em face de prejuízos alegados como sofridos. Em síntese, sustenta a parte autora que está sendo cobrada indevidamente pelo requerido por valores que desconhece, referentes a contrato de empréstimo número 578626683.

Pois bem, entendo que a sentença deve ser reformada.

Isto porque, de fato, não consta nos autos documento válido que comprove expressamente a adesão do referido empréstimo consignado pela parte autora, na medida em que o contrato juntado aos autos não está assinado à rogo, constando apenas a sua digital e assinatura de duas testemunhas, não tendo sido comprovada, ainda, a disponibilização da quantia na conta corrente da autora.

Cabia ao banco réu ter agido com cautela no momento da contratação, para se desincumbir do ônus de demonstrar a inexistência de falha na prestação do serviço. Nesse sentido, em demandas análogas, a jurisprudência pátria tem entendido que a comprovação conjunta do contrato subscrito pelas partes e do comprovante de transferência do valor avençado é essencial à aferição da regularidade na contratação:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. CONTRATO APRESENTADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. NULIDADE DA AVENÇA. RESTITUIÇÃO SIMPLES. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. MAJORADA. SENTENÇA REFORMADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. RECURSO CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Cinge-se a controvérsia recursal em saber se houve fraude bancária e se o valor arbitrado foi proporcional ao dano supostamente sofrido pelo consumidor. 2. Observa-se que partes se enquadram perfeitamente nos conceitos de consumidor, ao menos por equiparação (artigo 17 da Lei nº 8.078/90), e fornecedor, estatuídos pelo Código de Defesa do Consumidor. 3. Para que seja aferida a regularidade da contratação é necessário saber se o contrato foi regularmente firmado e o numerário constante na avença foi efetivamente disponibilizado ao consumidor. 4. Compulsando de forma detida os autos, observa-se que o banco recorrido...

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