Acórdão nº 0800438-21.2019.8.14.0047 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Público, 25-03-2024

Data de Julgamento25 Março 2024
Órgão2ª Turma de Direito Público
Ano2024
Número do processo0800438-21.2019.8.14.0047
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
AssuntoConselho de Direitos da Criança e Adolescente

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0800438-21.2019.8.14.0047

APELANTE: ADEILDA FELIX DA SILVA FELIPE

APELADO: IARA RODRIGUES LEMES

RELATOR(A): Desembargadora LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO

EMENTA

DIREITO PÚBLICO. APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO UNIFICADO DE ESCOLHA DE MEMBROS CONSELHO TUTELAR. EDITAL 001/2019. PARENTESCO POR AFINIDADE EM TERCEIRO GRAU. IMPEDIMENTO. ART. 140 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ECA. RESOLUÇÃO 140/2012 DO CONANDA. CONSELHEIRO TUTELAR. DESEMPENHO DE FUNÇÃO PÚBLICA. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PREVISTOS NO ART. 37 DA CF/88. SENTENÇA DENEGATÓRIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO DESPROVIDO.

1. De acordo com o §1º do art. 1.595 do CC/2002, para fins cíveis, o parentesco por afinidade é deveras limitado ao segundo grau.

2. No caso sob exame, o candidato classificado na primeira colocação é filho do irmão do cônjuge da apelante, configurando parentesco de 3º grau por afinidade.

3. Se for levada em consideração apenas a legislação civil a priori seria possível entender pelo acolhimento da pretensão recursal, notadamente quando mencionado nas respectivas razões o “entendimento de alguns Tribunais Superiores” sobre a questão. No entanto, o que a recorrente colacionou foram julgados de outros tribunais estaduais, obviamente não consistindo em precedentes de observância obrigatória, tendo mera função persuasiva, mas não vinculativa.

4. Além disso, os julgados que a apelante fez alusão apreciaram a controvérsia apenas sob o enfoque da legislação civil, não sendo examinada a natureza jurídica dos conselhos tutelares e dos seus respectivos conselheiros.

5. Os Conselhos Tutelares são órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (art. 131 do ECA), ademais o exercício efetivo da função de conselheiro tutelar constituirá serviço público relevante, inclusive estabelecerá presunção de idoneidade moral (art. 135 do ECA com redação dada pela Lei nº 12.696/2012).

6. Consistindo a função de conselheiro tutelar em serviço público consequentemente há na espécie incidência dos princípios basilares da administração pública previstos no art. 37 da CF/88.

7. É exatamente sob este viés publicista que deve ser interpretado o art. 140 do ECA, quando considerou o parentesco por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, para fins de impedimento ao exercício da função pública junto aos conselhos tutelares.

8. A Resolução nº 170, de 10 de dezembro de 2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA perfilha a mesma compreensão.

9. Os conselhos tutelares são fruto de intensa mobilização da sociedade brasileira na busca por efetivar e consolidar o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, do qual também fazem parte juízes, promotores e defensores públicos, conselheiros de direitos da criança e adolescente, educadores sociais, profissionais que trabalham nas políticas públicas de educação, saúde e assistência social, policiais, profissionais e voluntários de entidades de defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes.

10. Não se deve perder da memória que esse sistema integrado de proteção faz com que os municípios direcionem recursos públicos para viabilizar o funcionamento dos conselhos tutelares, inclusive no que concerne ao pagamento da remuneração dos respectivos membros (art. 134 do ECA com redação dada pela Lei nº 12.696/2012).

11. Com efeito, o conceito de parentesco estabelecido no Código Civil não tem o mesmo alcance para fins de obediência aos princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência, os quais legitimam a vedação (impedimento) previsto no art. 140 do ECA e no art. 15, da Resolução nº 140/2012 do CONANDA.

12. Apelação conhecida e desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e aprovados em Plenário Virtual os autos acima identificados, ACÓRDAM os Excelentíssimos Desembargadores que integram a 2ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso, na conformidade do Relatório e Voto, que passam a integrar o presente Acórdão.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Desembargadores José Maria Teixeira do Rosário (Presidente), Luzia Nadja Guimarães Nascimento (Relatora) e Luiz Gonzaga da Costa Neto.

09ª sessão do Plenário Virtual da 2ª Turma de Direito Público, no período de 25/03 a 03/04/2024.

Belém/PA, assinado na data e hora registradas no sistema.

Desa. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO

Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de recuso de apelação interposto contra sentença do Juízo da Vara Única da Comarca de Rio Maria Cível, pretendendo ver afastado o impedimento ao exercício da função da conselheira tutelar, decorrente de parentesco com outro candidato (classificado em 1º lugar).

A apelante participou do 4º Processo Unificado de Escolha dos Membros do Conselho Tutelar do Município de Bannach, destinado a prover 05 (cinco) vagas para membros titulares e 05 (cinco) suplentes.

Nesse certame a apelante obteve 102 (cento e dois) votos e, assim, sendo classificada em 3º (terceiro lugar).

Após constatar a existência de parentesco por afinidade com o candidato classificado em 1º lugar, Senhor Reginaldo Monteiro, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA declarou o impedimento da apelante com base no art. 140 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Isso resultou no deslocamento da apelante para suplência.

A apelante, entretanto, sustentou haver restrição do parentesco por afinidade ao segundo grau consoante disposto no art. 1.595 do CC/2002. Outrossim, asseverou ser inapropriado conferir interpretação extensiva ao art. 140 do ECA.

Conclusivamente, requereu o provimento do apelo, no sentido de reformar a sentença determinando anulação do ato que classificou a apelante como primeiro suplente, bem como determinar sua diplomação, nomeação e posse no cargo de Conselheira Tutelar do Município de Bannach.

A apelada apresentou contrarrazões sustentando o acerto da sentença e pugnando pelo desprovimento do apelo interposto.

A Procuradoria de Justiça se pronunciou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Data e hora registradas eletronicamente pelo sistema.


Desa. LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO

Relatora


VOTO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA LUZIA NADJA GUIMARÃES NASCIMENTO - RELATORA:

Preenchidos os pressupostos conheço do recurso.

O art. 1.595 do Código Civil estabelece:

“Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.

§1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.”

De acordo com a supracitada norma, para fins cíveis, o parentesco por afinidade é deveras limitado ao segundo grau.

No caso sob exame, o candidato classificado na primeira colocação (Reginaldo Monteiro) é filho do irmão do cônjuge da apelante, configurando parentesco de 3º grau por afinidade.

Apenas levando em consideração a legislação civil a priori seria possível entender pelo acolhimento da pretensão recursal, notadamente quando mencionado nas respectivas razões o “entendimento de alguns Tribunais Superiores” sobre a questão. No entanto, o que a recorrente colacionou foram julgados de outros tribunais estaduais, obviamente não consistindo em precedentes de observância obrigatória, tendo mera função persuasiva, mas não vinculativa.

Além disso, esses julgados que a apelante fez alusão apreciaram a controvérsia apenas sob o enfoque da legislação civil, não sendo examinada a natureza jurídica dos conselhos tutelares e dos seus respectivos conselheiros.

Os Conselhos Tutelares são órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (art. 131 do ECA), ademais o exercício efetivo da função de conselheiro tutelar constituirá serviço público relevante, inclusive estabelecerá presunção de idoneidade moral (art. 135 do ECA com redação dada pela Lei nº 12.696/2012).

Consistindo a função de conselheiro tutelar em serviço público consequentemente há na espécie incidência dos princípios basilares da administração pública previstos no art. 37 da CF/88.

É exatamente sob este viés publicista que deve ser interpretado o art. 140 do ECA, quando considerou o parentesco por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, para fins de impedimento ao exercício da função pública junto aos conselhos tutelares.

A Resolução nº 170, de 10 de dezembro de 2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA perfilha a mesma compreensão senão vejamos:

“Art. 15. São impedidos de servir no mesmo Conselho Tutelar os cônjuges, companheiros, mesmo que em união homoafetiva, ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive.

Parágrafo único. Estende-se o impedimento do caput ao conselheiro tutelar em relação à autoridade judiciária e ao representante do Ministério Público com atuação na Justiça da Infância e da Juventude da mesma comarca estadual ou do Distrito Federal.”

Registre-se, oportunamente, os conselhos tutelares são fruto de intensa mobilização da sociedade brasileira na busca por efetivar e consolidar o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, do qual também fazem parte juízes, promotores e defensores públicos, conselheiros de direitos da criança e adolescente, educadores sociais, profissionais que trabalham nas políticas públicas de educação, saúde e assistência social, policiais, profissionais e voluntários de entidades de defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes.

Não se deve perder da memória que esse sistema integrado de proteção faz com que os municípios direcionem recursos públicos para viabilizar o funcionamento dos conselhos tutelares, inclusive no que concerne ao pagamento da...

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