Acórdão Nº 0800452-29.2014.8.24.0038 do Quinta Turma de Recursos - Joinville, 14-09-2016

Número do processo0800452-29.2014.8.24.0038
Data14 Setembro 2016
Tribunal de OrigemJoinville
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão



Apelação Criminal n. 0800452-29.2014.8.24.0038

Apelação Criminal n. 0800452-29.2014.8.24.0038, de Joinville

Relator: Juiz Yhon Tostes

APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA A ABSOLVIÇÃO DE UM DOS ACUSADOS. POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PRÓPRIO (ART. 28, CAPUT, DA LEI N. 11.343/2006).

RÉU FLAGRADO CARREGANDO CONSIGO, DENTRO DO PRESÍDIO, SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES ILÍCITAS (4,0 GRAMAS DE MACONHA E 1,3 GRAMA DE COCAÍNA). IRRELEVÂNCIA DA ANÁLISE DA QUANTIDADE DE DROGA. CONDUTA GRAVE. ATENTADO CONTRA A ORDEM E A DISCIPLINA DE UM ESTABELECIMENTO DE SEGURANÇA PÚBLICA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO NECESSÁRIA.

FIXAÇÃO DA PENA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COMUNITÁRIOS. REPRIMENDA MAIS CONDIZENTE COM A GRAVIDADE FÁTICA.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0800452-29.2014.8.24.0038, da comarca de Joinville (Juizado Especial Criminal), em que é recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e recorrido Leander André Seifert.

A 5ª Turma de Recursos decidiu, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso, condenando-se o réu à pena de prestação de serviços à comunidade pelo período de 5 meses, à razão de 1 hora de tarefa por dia de condenação. Custas legais, suspensa a sua exigibilidade em virtude da gratuidade deferida.

Participaram do julgamento, realizado no dia 14 de setembro de 2016, os Exmos. Srs. Juízes Augusto César Allet Aguiar e Denise Nadir Enke.

Funcionou como representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Promotor de Justiça Nazareno Bez Batti.

Joinville, 09 de maio de 2017.

Yhon Tostes

PRESIDENTE E RELATOR

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Estadual (fls. 107/112) contra a sentença proferida pelo Dr. Décio Menna Barreto de Araújo Filho (fls. 91/100), Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal da Comarca de Joinville, que contém a seguinte parte dispositiva:

"Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a denúncia para:

(a) absolver Leander André Seifert da imputação dos crimes previstos no art. 28 da Lei 11.343/2006 e no art. 349-A, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, III do CPP;

(b) condenar Gered Melech à pena de advertência sobre os efeitos das drogas, com fundamento no art. 28, I, da Lei 11.343/2006.

(...)."

A irresignação do Ministério Público se limita ao pedido de reforma da sentença para ver o acusado Leander André Seifert condenado pela prática do delito previsto no art. 28 da Lei de Drogas.

Devidamente contra-arrazoado pela Defensoria Pública Estadual, subiram os autos.

O órgão do Parquet atuante em 2º grau se manifestou pelo provimento do recurso.

Este é o breve relato, embora dispensável, na forma do art. 46 da Lei 9.099/95 e do art. 63, §1º, do Regimento Interno das Turmas de Recursos Cíveis e Criminais dos Juizados Especiais do Estado de Santa Catarina.

VOTO

Desde que assumi a vaga de Juiz integrante desta 5ª Turma de Recursos, tenho proferido votos (todos vencidos) acerca da inconstitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas.

Contudo, como registro em cada uma das declarações de voto vencido que elaboro, entendo que a análise da inconstitucionalidade do referido dispositivo legal deve ser feita caso a caso, de acordo com as circunstâncias fáticas que integram e permeiam cada conduta delitiva, notadamente porque o texto normativo em apreço provoca grandes controvérsias jurídicas.

Sabe-se que as concretizações de uma conduta abstratamente prevista em lei podem gerar diversas graduações valorativas de acordo com as consequências produzidas no mundo real.

Exemplificadamente, no meu entender, tenho que a ação de um indivíduo, que é detido portando pouca quantidade de droga, à noite numa rua deserta, sem demonstrar exaltação violenta de ânimo, não caracteriza o delito previsto no art. 28 da Lei de Drogas, eis que sua conduta não causou periculosidade nem lesividade minimamente aptas a transcenderem sua pessoa a ponto de lesar/ameaçar bem jurídico alheio, assim como representa a exteriorização de sua autodeterminação e liberdade de escolha de consumir aquilo que melhor lhe interessa, mesmo que não se trate de um hábito saudável.

Já um cidadão portando/consumindo pouca quantidade de drogas na frente de uma escola, no momento de saída de alunos, estaria lesando bem jurídico alheio e coletivo, pois seu ato afetaria, servindo de mau exemplo e incentivo, diversas crianças e adolescentes que presumidamente não têm discernimento nem condições de se autodeterminarem (arts. 3º e 4º, ambos do CC/02), e cujo dever de cuidado/proteção à saúde compete, dentre outras pessoas, ao Estado (art. 227 da CF/88).

Fica nítido, portanto, que duas infrações ao mesmo tipo penal podem representar consequências distintas, aferíveis tão-somente após a concretização das condutas abstratamente previstas. Aquelas condutas classificadas como não graves, em virtude da aplicação do princípio da intervenção mínima1, não merecem tutela penal. Já as graves, ao contrário e obviamente, merecem.

Não se pode olvidar que a maioria das leis brasileiras - as penais não fogem a essa regra - são feitas a toque de caixa, para atender e acalmar anseios populares emergenciais, o que gera normas atécnicas, desprovidas de ampla discussão parlamentar, sem o devido estudo científico-social, e que acabam não distinguindo eficazmente quais são as situações penalmente relevantes dentre as relativas a um tipo penal, ampliando, lamentavelmente, o espectro incriminador do Direito Penal, que deve ser o menor possível.

Some-se a isso a natural impossibilidade de o legislador, enquanto ser humano, conseguir prever com precisão cirúrgica, no momento da criação das normas, todas as situações concretas por ela abarcáveis.

A respeito desta problemática, cumpre-me destacar os ensinamentos de Fernando Capez2, que a partir de certo ponto cita as críticas lições de Juarez Tavares:

"Intervenção mínima: assenta-se na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, cujo art. 8º determinou que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias.

A intervenção mínima tem como ponto de partida a característica da fragmentariedade do Direito Penal. Este se apresenta por meio de pequenos flashs, que são pontos de luz na escuridão do universo. Trata-se de um gigantesco oceano de irrelevância, ponteado por ilhas de tipicidade, enquanto o crime é um náufrago à deriva, procurando uma porção de terra na qual se possa achegar.

Somente haverá Direito Penal naqueles raros episódios típicos em que a lei descreve um fato como crime; ao contrário, quando ela nada disser, não haverá espaço para a atuação criminal. Nisso, aliás, consiste a principal proteção política do cidadão em face do poder punitivo estatal, qual seja, a de que somente poderá ter invadida sua esfera de liberdade, se realizar uma conduta descrita em um daqueles raros pontos onde a lei definiu a existência de uma infração penal.

Ou o autor recai sobre um dos tipos, ou se perde no vazio infinito da ausência de previsão e refoge à incidência punitiva.

O sistema é, portanto, descontínuo, fragmentado (um tipo aqui, um tipo ali, outro lá e assim por diante).

Por outro lado, esta seleção, a despeito de excepcional, é feita sem nenhum método científico, atendendo apenas aos reclamos momentâneos da opinião pública, da mídia e das necessidades impostas pela classe dominante, conforme bem ressaltou Juarez Tavares, em ácida crítica ao sistema legiferante: "Analisando atentamente o processo de elaboração das normas incriminadoras, a partir primeiramente do dado histórico e depois do objetivo jurídico por elas perseguido, bem como o próprio enunciado típico das ações proibidas ou mandadas, chega-se à conclusão inicial, embora trágica, de que efetivamente, na maioria das vezes, não há critérios para essa elaboração. Isto pode parecer panfletário, à primeira vista, mas retrata fielmente a atividade de elaboração legislativa. Estudos de Haferkamp na Alemanha e Weinberger na França demonstram que, com a institucionalização do poder político, a elaboração das normas se expressa como evento do jogo de poder efetuado no marco das forças hegemônicas atuantes no Parlamento. A norma, portanto, deixaria de exprimir o tão propalado interesse geral, cuja simbolização aparece como justificativa do princípio representativo para significar, muitas vezes, simples manifestação de interesses partidários, sem qualquer vínculo com a real necessidade da nação".

Além disso, as descrições são abstratas, objetivas e impessoais, alcançando uma gigantesca gama de situações bem diversas entre si. Os tipos nesse sistema fragmentário transportam desde gravíssimas violações operadas no caso concreto até ínfimas agressões. Quando se descreve como infração penal "subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel", incrimina-se tanto o furto de centenas de milhões de uma instituição bancária, com nefastas consequências para milhares de correntistas, quanto a subtração de uma estatueta oca de gesso em uma feira de artesanato.

O tipo do furto é uma nuvem incriminadora na imensidão do céu de atipicidade, mas o método abstrato, que tem a vantagem da impessoalidade, tem o desconforto de alcançar comportamentos de toda a ordem, mesmo contando com descrição taxativa.

A imperfeição não decorre da construção abstrata do tipo, mas da fragmentariedade do sistema criminalizador, totalmente dependente de previsões genéricas, abstratas e abrangentes, incapazes de, por si sós, distinguirem entre os fatos relevantes e os irrelevantes que nela formalmente se subsumem.

Além de defeituoso o sistema de criação normativa e da excessiva abrangência dos modelos objetivos, os quais não levam em consideração a disparidade das situações concretas, concorre ainda a panaceia cultural que faz surgir, dentro do...

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