Acórdão nº 0800474-52.2022.8.14.0049 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Penal, 25-04-2023

Data de Julgamento25 Abril 2023
Órgão1ª Turma de Direito Penal
Número do processo0800474-52.2022.8.14.0049
Classe processualRECURSO EM SENTIDO ESTRITO
AssuntoHomicídio Qualificado

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) - 0800474-52.2022.8.14.0049

RECORRENTE: SUAMY GUSMAO DA SILVA JUNIO

RECORRIDO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargadora VÂNIA LÚCIA CARVALHO DA SILVEIRA

EMENTA

EMENTA

RECURSO PENAL EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO DOLOSO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO. CULPA INCONSCIENTE. DESCABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

1. In casu, como cediço, para se efetuar a almejada desclassificação mister se faz comprovar a certeza absoluta da ausência do animus necandi, a qual não restou evidenciada de forma clara e induvidosa, diante das circunstâncias do fato e da natureza da lesão, assim como a forma como a vítima foi atingida, ou seja, com um disparo de arma de fogo, crime este praticado por motivo torpe, mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, vez que sequer tinha conhecimento do que estava acontecendo.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da Egrégia 1ª Turma de Direito Penal, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso e negar-lhe provimento, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

Sala das Sessões do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos vinte e cinco dias do mês de abril de 2023.

Julgamento presidido pela Exma. Sra. Desa. Rosi Maria Gomes de Farias.

Belém/PA, 25 de abril de 2023.

Desa. Vânia Lúcia Silveira

Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Penal em Sentido Estrito interposto por Suamy Gusmão da Silva Júnior, contra a decisão proferida pelo Exmo. Sr. Elano Demétrio Ximenes, Juiz de Direito Titular da Vara Criminal da Comarca de Santa Izabel do Pará/PA, que a pronunciou como incurso nas sanções punitivas do art. 121, §2º, incs. I e IV, do Código Penal brasileiro.

Narra a denúncia, à ID 12699878, que no dia no dia 06/03/2022, por volta das 22h00min, na rodovia PA 140, km 03, casa 20-A, Suamy Gusmão da Silva Júnior, agindo com intenção de matar, por motivo torpe e sem dar chance de defesa, efetuou disparo de arma de fogo contra Diogo César Hungria Alves Cardoso, resultando em lesão que foi a causa de sua morte.

Que segundo consta nos autos, no dia e hora acima mencionados, a testemunha Ronald Fernandes Lopes, que prestava serviço para o aplicativo Mais Delivery, dirigia-se ao local do fato para entregar um lanche à vítima, quando parou sua motocicleta na rodovia PA 140, próximo ao bar Mangueirinha, a fim de ligar para o cliente e informar que já havia chegado ao endereço, ocasião em que foi interpelado pelo condutor de um veículo modelo Fox, de cor prata, o qual perguntou se ele era bandido. Ronald não apenas negou, como exibiu sua mochila de trabalho, informando que estava trabalhando e que faria a entrega de um lanche naquela ocasião, o que não satisfez o denunciado, que passou a afirmar que ele era ladrão.

Aduz que como a vítima logo atendeu ao telefonema, a testemunha seguiu em frente, até avistá-la, e parou a motocicleta para efetuar a entrega, no entanto, enquanto a vítima ia ao seu encontro para receber o lanche, o denunciado parou o automóvel em que se conduzia e efetuou um disparo de arma de fogo na direção deles, o qual atingiu apenas a vítima, Diogo César Hungria Alves Cardoso, que ainda foi socorrida e levada ao hospital local, porém não resistiu ao ferimento e evoluiu a óbito.

Que consumado o crime, o denunciado evadiu-se do local, tendo sido encontrado posteriormente, em sua residência, onde também foram encontrados o veículo VW/Fox, cor prata, placa NSI0C11, e a arma de fogo da marca Taurus, cor preta, modelo PT140 G2A, com dois carregadores e cinco munições intactas da marca CBC e Calibre .40, quando foi conduzido para a Delegacia de Polícia Civil, onde foi reconhecido pela testemunha Ronald Fernandes Lopes, que afirmou, com segurança, ser ele o autor do delito.

Prossegue alegando a exordial do Órgão Ministerial, que a forma como os fatos se sucedeu evidenciam que o denunciado visava ceifar a vida da testemunha Ronald Fernandes Lopes, porém, por erro na execução, atingiu a vítima, Diogo César Hungria Alves Cardoso, de modo que, como apenas esta foi atingida, trata-se de crime único, ficando a tentativa contra a vítima virtual absorvida pela conduta mais grave, em conformidade com o artigo 73 do Código Penal. No entanto, devem ser consideradas, em conformidade com a parte final do §3º do artigo 20 do Código Penal, as condições ou qualidades da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime, ou seja, da testemunha Ronald Fernandes Lopes, que estava trabalhando como entregador de pizza.

Desse modo, nota-se que o crime foi praticado por motivo torpe, uma vez que o denunciado agiu com evidente discriminação, condizente com o racismo estrutural, uma vez que ele, baseado tanto na fragilidade econômica quanto na cor da pele do entregador de pizza, insistiu em considerar que ele estaria na iminência de praticar crime de roubo.

Que o crime foi, também, praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, diante do elemento surpresa, caracterizado pelo emprego repentino de arma de fogo. Nesse aspecto, ressalte-se que apesar do denunciado insistir que o entregador de pizza praticaria crime, este demonstrou que estava trabalhando e se dirigiu para fazer a entrega, não dando sequer margem para discussão com o denunciado, que por seu turno, em momento algum exibiu arma de fogo ou anunciou que poderia atirar.

Segundo ainda a inicial acusatória, as testemunhas ouvidas no inquérito policial afirmaram que o denunciado costumava efetuar disparos de arma de fogo em via pública, geralmente quando estava consumindo bebida alcoólica; porém, perante a autoridade policial, optou por se manter em silêncio, exercendo seu direito constitucional.

Que a autoridade policial requisitou a Perícia de Necropsia, porém o laudo ainda não foi concluído, de modo que este órgão se reserva a juntá-lo oportunamente, já a arma apreendida com o denunciado foi submetida à Perícia de Mecanismo e Potencialidade, cujo laudo, Id. 61500038, concluiu tratar-se de uma pistola de assalto (forjas Taurus S/A, calibre nominal .40; modelo PT 140-G2C), numeração de série SMT53124) com dois carregadores, a qual apresentava vestígios de tiro(s) anterior(es) ao exame pericial, não se podendo precisar a recentidade do(s) mesmo(s), e que, no momento da perícia, a arma de fogo e as munições se encontravam em condições de funcionamento, apresentando potencialidade lesiva e potencialidade para detonação, respectivamente.

Assevera que há provas da materialidade e indícios suficientes da autoria do delito, como evidenciam os depoimentos das testemunhas e o laudo da Perícia de Mecanismo e Potencialidade, estando preenchidos os requisitos para o oferecimento da denúncia, pois com a conduta acima descrita, o denunciado encontra-se incurso nas sanções punitivas do art. 121, §2º, I e IV, do Código Penal (homicídio qualificado pelo motivo torpe e por emprego de recurso que tornou impossível ou dificultou a defesa da vítima). Em virtude disso, o Ministério Público oferece a presente Denúncia e requer que, após o seu recebimento, o denunciado seja citado para responder aos termos da presente ação, que na audiência de instrução sejam ouvidas as testemunhas, interrogado o acusado, produzidas todas as provas necessárias à instrução do feito, e que, ao final, ele seja pronunciado, para ser submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, de tudo ciente o órgão ministerial.

Em razões recursais, à ID 12699986, pugna a defesa, em tese única, pela desclassificação do crime foi o Recorrente pronunciado, para o delito de homicídio culposo.

Em contrarrazões, à ID 12699988, a RMP de 1º Grau, Dra. Regina Luiza Taveira da Silva, manifesta-se pelo conhecimento e improvimento do recurso, entendimento esse corroborado pelo Assistente de Acusação, à ID 12699989.

Em despacho, à ID 12699991, o Juízo a quo manteve a decisão recorrida, por seus próprios fundamentos.

Nesta Instância Superior, a Procurador de Justiça Criminal, Dra. Ana Tereza do Socorro da Silva Abucater, pronunciou-se pelo conhecimento e desprovimento do presente recurso Penal em Sentido estrito interposto.

É o relatório.

VOTO

Atendidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

-Da desclassificação delituosa

Pugna a defesa, em tese única, pela desclassificação do delito de homicídio doloso, para o crime de homicídio culposo, em razão da culpa inconsciente, por alegar que efetuou o disparo de arma de fogo somente para assustar a testemunha Ronald, pois acreditava que este se encontrava em atitude suspeita no local da empreitada delitiva, aliado ao fato de que desconhecia sobre a existência de terceira pessoa no local, no caso, a vítima Diogo César Hungria Alves Cardoso.

No caso em apreço, observa-se que os indícios de autoria delitiva em relação ao acusado Suamy Gusmão da Silva Júnior restam fartamente demonstrados, conforme depoimentos prestados pelas testemunhas Raimundo Jonas Lopes, Raimundo Alves Cunha, Raimundo Marques Cardoso, Lucivam Campos de Souza e, principalmente, pelo minucioso depoimento, todos prestados em Juízo, à ID 76197694 – PJE 1º Grau, da testemunha Ronald Fernandes Lopes, que era a vítima visada, a qual confirma, vez que presenciou o acontecimento, a veracidade dos fatos, sustentando ser o acusado a pessoa que efetuou o disparo de arma de fogo que atingiu e ceifou a vida do ofendido Diogo César Hungria Alves Cardoso.

Cumpre destacar, ainda, que o próprio réu confessou, em juízo, a prática delituosa.

Quanto a materialidade delitiva, esta encontra-se comprovada por meio do Laudo de Necropsia médico-legal da vítima, à ID 72646647, PJE 1º Grau.

Com efeito, para se efetuar a almejada desclassificação mister se faz comprovar a certeza absoluta da ausência do animus necandi, a qual não restou evidenciada de forma clara e induvidosa, diante das circunstâncias do fato, e da...

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