Acórdão nº 0800862-80.2022.822.0000 de TJRO. Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, Segundo Grau, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Classe processualDIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Número do processo0800862-80.2022.822.0000
ÓrgãoTribunal Pleno

Tribunal Pleno Judiciário / Gabinete Des. Álvaro Kalix Ferro



Processo: 0800862-80.2022.8.22.0000 - DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (95)

Relator: Des. ÁLVARO KALIX FERRO



Data distribuição: 08/02/2022 12:57:40

Data julgamento: 06/02/2023

Polo Ativo: MUNICIPIO DE PORTO VELHO

Polo Passivo: CAMARA MUNICIPAL DE PORTO VELHO


RELATÓRIO
Trata-se de AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE promovida pelo PREFEITO DO MUNICÍPIO DE PORTO VELHO (Hildon de Lima Chaves), baseado no art. 88, IV, da Constituição do Estado de Rondônia – CE/RO, em face da Lei Municipal n. 2.573/19, de Porto Velho/RO, que “dispõe sobre o atendimento preferencial aos doadores de sangue em estabelecimentos comerciais, de prestação de serviços e similares, no âmbito do Município de Porto Velho”.
O requerente sustenta (id. 14696719) que a Lei Municipal n. 2.573/19, de Porto Velho/RO, é formalmente inconstitucional por vício de iniciativa, pois entende que a competência para tratar de matéria de direito comercial é exclusiva da União (art. 22, I, da CF) e, de produção e consumo, concorrente entre União, Estados e Distrito Federal (art. 24, V, da CF).

Ademais, aponta que a lei municipal viola a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre atos de gestão de suas secretarias e órgãos.

Alega, ainda, a inconstitucionalidade material da Lei Municipal n. 2.573/19, pois, a seu ver, viola o princípio da livre iniciativa.

Adiante, argui que o art. 6º da Lei n. 2.573/19, de Porto Velho/RO, é inconstitucional, pois o Poder Legislativo não pode estipular prazo para que o Executivo regulamente lei em geral.

Assim, pugna pela declaração de inconstitucionalidade formal e material da Lei Municipal n. 2.573/19, com efeitos ex tunc, por afronta aos arts. , 22, I, 23, 24, 84, II, e 170, todos da Constituição Federal, e aos arts. , 39, §1º, II, d, e artigo 65, VII, da Constituição Estadual, em simetria.

Por outro lado, a Câmara Municipal de Porto Velho requer a improcedência desta ação (id. 15865040), pois entende que a Lei Municipal n. 2.573/19, de Porto Velho/RO, traz efetividade aos artigos n. 149, V, 150 e 236 da Constituição Estadual de Rondônia.

Entende, ainda, que a referida lei municipal não viola o princípio da livre iniciativa, pois o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 3512, adotou uma interpretação extensiva e declarou constitucional a Lei n. 7.737/04, do Estado do Espírito Santo, que garantia meia-entrada aos doadores regulares de sangue, afirmando que não havia ofensa à livre iniciativa.

A Procuradoria-Geral do Município de Porto Velho, notificada, fez remissiva à sua petição inicial (id. 16004018).

A Procuradoria de Justiça, em sede de parecer (id. 16452140), opina pela inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 2.573/19, de Porto Velho/RO.
Esta demanda seguiu o rito da Lei n. 9.868/1999 (dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal).

É o relatório.






VOTO
DESEMBARGADOR ÁLVARO KALIX FERRO
Observa-se que a ação tem cabimento com base nos artigos 87 e 88 da Constituição do Estado de Rondônia, a competência do Órgão Pleno é certa, há legitimidade e interesse processual.

No caso em apreço, a Lei Municipal n. 2.573/19, de Porto Velho/RO, tem por origem projeto de autoria de membro do Poder Legislativo Municipal, que dispõe:
Art. 1° - Os doadores de sangue terão atendimento preferencial e prioritário em todos os estabelecimentos comerciais, bancários, de prestação de serviços e similares no âmbito do Município de Porto Velho.
Parágrafo único - A preferência e prioridade de que trata esta Lei, compreende a adoção de medidas que tornem ágeis o atendimento e a prestação de serviços, inclusive a adoção de fila preferencial.
Art. 2º - Os estabelecimentos previstos no artigo 1º deverão, obrigatoriamente, afixar, em local visível, o texto completo da presente Lei.
Art. 3º - O não cumprimento do disposto nesta Lei, sujeitará o infrator às seguintes sanções: I - Notificação para adequação à Lei; II - Em caso de não atendimento à Notificação: a) - Multa de 50 UPF’s; b) - Multa de 100 UPF’s; na primeira reincidência; c) - O dobro do valor da multa anterior, a partir da segunda reincidência.
Art. 4º - A qualidade de “doador de sangue” será comprovada por meio de documento expedido pelo órgão oficial de coleta de sangue, bem como por meio de laudo ou atestado médico.
Art. 5º - O Poder Executivo Municipal, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, promoverá campanhas de estímulo à doação de sangue.
Art. 6º - A presente Lei será regulamentada, por ato do Chefe do Poder Executivo, no prazo de 30 (trinta) dias, contados de sua publicação.
Art. 7º - As despesas decorrentes da execução dessa Lei, correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 8º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Pois bem.

Da inconstitucionalidade formal
O requerente alega que a Lei n. 2.753/19, de Porto Velho/RO, é formalmente inconstitucional, pois a competência para legislar sobre direito comercial é privativa da União e, sobre produção e consumo, da União, Estados e Distrito Federal.
Veja-se a Constituição Federal:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”.
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...) V - produção e consumo”

Quanto a esta alegação, entendo que a matéria trazida pela Lei Municipal em questão diz respeito à saúde pública, pois, oferecendo atendimento preferencial e prioritário em todos os estabelecimentos comerciais, bancários, de prestação de serviços e similares àqueles que são doadores de sangue, o Município promoverá uma maior conscientização/divulgação a respeito da importância da doação de sangue e trabalhará na prevenção, proteção e defesa da saúde daqueles que precisam dessa doação para sobreviver dignamente.
Não se pode olvidar que, não raras vezes, os bancos de sangue enfrentam escassez e até fazem campanhas para a regularização de seus estoques. A exemplo, veja-se notícia oficial de 28.7.2022: https://rondonia.ro.gov.br/publicacao/com-niveis-baixos-no-estoque-de-sangue-fhemeron-pede-ajuda-a-populacao/.
No mais, é cediço que a proteção e a defesa da saúde pública é competência da União, Estados e Distrito Federal (art. 24, XII, da CF e art. 9º, XI, da CE/RO, em simetria):

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
Art. 9º - Compete, ainda, ao Estado legislar, de forma concorrente, respeitadas as normas gerais da União, sobre:
XI - previdência social, proteção e defesa da saúde;

Por outro lado, o Município pode (art. 30, I, da CF e 7º, X, da LO/PVH):

Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;

Art. 7º Ao Município compete prover tudo quanto diga respeito ao seu particular interesse e ao bem-estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições:
X - legislar sobre assuntos de interesse local;

Logo, como não há regulamentação em âmbito estadual (Rondônia) e federal (Brasil), o município, entendendo que este é um assunto de interesse local, legislou-o.

Realça-se que, em leis de matéria semelhante à da Lei Municipal n. 2.753/19 e de iniciativa do Legislativo, o TJSP já decidiu:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 3.117, de 26 de abril de 2019, do Município de Arujá que "dispõe sobre o atendimento preferencial aos doadores de órgãos, sangue e medula óssea em Arujá". Pretendida a inconstitucionalidade por violação ao artigo 111 da Constituição Estadual. Parcial procedência. Instituição de atendimento preferencial, bem como de carteira de doador deve prevalecer. Não restou caracterizado o vício de iniciativa, tampouco violação ao princípio da separação de poderes. Precedentes. Possível, entretanto, adoção da técnica de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto do inciso III, do artigo 6º, da referida Lei. Penalidade que, se aplicada ao serviço público, acarretará em iminente dano a prestação de serviços essenciais ao cidadão. Parcial procedência da ação apenas para declarar a parcial inconstitucionalidade sem redução de texto do inciso III, do artigo 6º, a fim de se excluir a incidência da penalidade às entidades prestadora de serviço público.
(TJ-SP - ADI: 21401538820198260000 SP 2140153-88.2019.8.26.0000, Relator: Péricles Piza, Data de Julgamento: 06/11/2019, Órgão Especial, Data de Publicação: 07/11/2019)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei nº 3.900, de 28 de abril de 2022, do Município de Andradina que "Dispõe sobre atendimento preferencial aos doadores de sangue, órgãos, tecidos e medula óssea, e, ainda, aos inscritos no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea – REDOME" – Lei que prevê atendimento preferencial a doadores de órgãos, sangue, tecidos e medula óssea em estabelecimentos comerciais, bancários, de serviços e similares no Município de Andradina – Ato normativo que não versa
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT