Acórdão Nº 0801007-94.2014.8.24.0119 do Quinta Câmara Criminal, 26-08-2021

Número do processo0801007-94.2014.8.24.0119
Data26 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0801007-94.2014.8.24.0119/SC



RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER


APELANTE: CARLOS AUGUSTO MEIER (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia (evento 92 da ação penal) em face de Carlos Augusto Meier, imputando-lhe a prática delituosa disposta no artigo 316, caput, do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória:
No dia 18 de abril de 2012, em horário incerto, na Rua Orleans, n. 69, Bairro América, na Cidade de Joinville/SC, o denunciado Carlos Augusto Meier exigiu, para si, diretamente, no exercício de função pública, vantagem indevida.
Segundo apurado, no ano de 2012, visando ajuizar ação judicial para postular indenização por danos morais e obrigação de fazer, especialmente a retirada de seu nome dos cadastros de inadimplentes, o Sr. Erivaldo Ferreira Bento procurou o fórum de Garuva, solicitando orientação e assistência jurídica gratuita. Assim foi que, no dia 17 de abril de 2012, o hipossuficiente Erivaldo formulou "Solicitação de Assistência Judiciária", sendo-lhe indicado o denunciado Carlos para atuar em seu interesse (fl. 14).
No dia seguinte, Erivaldo procurou o advogado Carlos em seu escritório, localizado na cidade de Joinville, oportunidade em que o denunciado, mesmo ciente da condição de defensoria dativa, elaborou e exigiu que Erivaldo assinasse um contrato de honorários advocatícios, prevendo a remuneração de 30% sobre a verba a ser indenizada nos autos n. 0000675-34.2012.8.24.0119 (fls. 217/218), aduzindo que como o Estado não estava pagando as verbas devidas aos advogados dativos, caso Erivaldo não concordasse em assinar o contrato de honorários particular, declinaria da nomeação, pois não "estava disposto a trabalhar gratuitamente".
Temeroso com a situação, uma vez que seu nome estava inscrito nos cadastros de restrição de crédito e, assim, necessitava ajuizar a ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais, Erivaldo firmou o contrato de honorários com o advogado Carlos.
Ainda no mesmo dia - 18 de abril de 2012 - foi ajuizada a respectiva ação judicial, juntando o advogado Carlos, dentre os documentos que acompanharam a exordial, a "Solicitação de Assistência Judiciária", sendo nomeado defensor dativo de Erivaldo (fl. 38).
Portanto, o denunciado, nomeado defensor dativo em virtude de convênio firmado entre a Ordem dos Advogados do Brasil e o Poder Judiciário, logo, na condição de funcionário público, exigiu diretamente, para si, de Erivaldo Ferreira Bento, vantagem que sabia indevida, uma vez que contratou honorários advocatícios de forma particular, mesmo ciente de que deveria ser remunerado pelo poder público em razão do exercício da função pública a que tinha sido nomeado.
A denúncia foi recebida (evento 98 da ação penal) e o acusado, em causa própria, apresentou resposta à acusação (evento 101 da ação penal).
Recebida a resposta à acusação e, não sendo caso de absolvição sumária, foi designada data e hora para audiência de instrução e julgamento (evento 103 da ação penal).
Na instrução foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, bem como foi realizado o interrogatório do acusado (eventos 174 e 228 da ação penal).
Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais pelo Ministério Público (evento 231 da ação penal) e pela defesa (evento 235 da ação penal), sobreveio sentença (evento 237 da ação penal) com o seguinte dispositivo:
Diante do exposto, julgo procedente a denúncia para condenar Carlos Augusto Meier ao cumprimento da pena privativa de liberdade de dois anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto (art. 33, § 2º, "c" do CP), além do pagamento de onze dias-multa, cada qual fixado no equivalente à metade de um salário mínimo vigente no país à época do delito (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 316, caput, do CP.
Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação (evento 246 da ação penal) e em suas razões recursais pleiteia (I) sua absolvição sob alegação de atipicidade da conduta posto a inexistência de vantagem ilícita; (II) sua absolvição por atipicidade da conduta uma vez que o defensor dativo nomeado pelo Estado não é considerado funcionário público para fins do disposto no art. 327 do Código Penal; (III) sua absolvição por suposta violação a mutatio libelli e ao princípio da correlação; (IV) requer a abertura de inquérito policial para apuração do crime previsto no art. 340, c/c art. 29, ambos do Código Penal. Subsidiariamente, pugna a diminuição da pena.
O Ministério Público apresentou as contrarrazões (evento 253 da ação penal) e os autos ascenderam a este Tribunal.
Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Procurador Rogério A. Da Luz Bertoncini pelo conhecimento e desprovimento do recurso (evento n. 13).
É o relatório

VOTO


Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Como sumariado, trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo réu Carlos Augusto Meier, o qual busca a reforma da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, que condenou-o ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime aberto e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, cada qual fixado no equivalente à metade de um salário mínimo vigente no país à época do delito por infração ao art. 316, caput, do Código Penal.
1) Absolvição pela inexistência de exigência da vantagem ilícita
Aduz o apelante que deve ser absolvido, eis que não demonstrado que tenha exigido para si vantagem ilícita. Em síntese, se apoia no relato da fase judicial da vítima Erivaldo.
Contudo, a atenta análise do conjunto probatório colhido aponta em sentido contrário.
A materialidade delitiva está comprovada por meio da prova documental acostada aos autos, notadamente a cópia dos autos n. 119.12.000675-5 (evento 1, pet5-out238, da ação penal) e termos de depoimentos (evento 29, ofic267-269; evento 34 ofic320-323, ambos da ação penal), além da prova oral produzida em Juízo.
A autoria, embora negada pelo apelante, está demonstrada.
Na etapa inquisitorial a vítima Erivaldo Ferreira Bento afirmou (evento 29, ofic267-ofic269, da ação penal):
que, tinha dívidas com o Banco do Nordeste, vinculado à Casa do Empreendedor de Garuva e houve negociação dos valores no Juízo da Comarca de Garuva. O declarante saldou todas as parcelas a que se comprometeu no Fórum no dia 06 de fevereiro de 2012, entretanto, em março, após proceder a consulta no SPC em seu nome, visto que tinha intenção de adquirir bens em parcelas em loja da cidade, foi surpreendido pelo fato de que ainda constavam restrições relativas à dívida já devidamente paga. Diante de tal fato, entraram em contato com o escritório de advocacia da instituição financeira que reconheceu prontamente o equívoco, porém não providenciou a retirada da restrição de crédito do cadastro do declarante. O declarante esteve no Fórum de Garuva buscando orientação de como proceder para a retirada da restrição de crédito em seu nome, momento em que lhe foi nomeado advogado dativo Carlos Augusto Meier. O depoente entrou em contato com o advogado Carlos Augusto Meier e este marcou uma reunião na residência do advogado onde aquele informou que ingressaria com ação de danos morais em desfavor da instituição financeira que não retirou a restrição de crédito do nome do declarante. Na oportunidade o advogado Carlos Augusto Meier, mesmo ciente de que se tratava de advogado dativo, elaborou contrato de honorários advocatícios e solicitou que o declarante o assinasse. Carlos Augusto Meier informou mesmo tendo sido nomeado como advogado gratuito, o Estado não o vinha pagando por tais serviços e caso o declarante não assinasse tal contrato, aquele declinaria da nomeação, pois não estava disposto a trabalhar gratuitamente. Toda a documentação apresentada pelo advogado ao declarante foi assinada e que o declarante ficou no aguardo de maiores informações da movimentação de sua ação judicial. Dois anos se passaram e o referido advogado apenas entrou em contato como depoente por duas vezes e jamais o posicionou acerca do andamento de sua ação judicial e se as restrições de crédito em seu nome já haviam sido levantadas. O declarante ligou inúmeras vezes para o advogado, o qual não atendia as suas ligações e não lhe dava qualquer retorno. Diante da inércia do advogado, o declarante esteve no fórum a fim de tomar ciência do andamento de sua ação judicial em desfavor da instituição financeira e teve informação do cartório de que sua ação estava, há muito, parada, visto que o advogado tinha sido intimado a se manifestar e não o fizeram por algumas vezes. Que diante de tal informação e inconformado com o fato de que passados dois anos do amplo e irrestrito pagamento da dívida que havia gerado a restrição de crédito em seu nome, tal situação ainda não havia se resolvido, buscou nova profissional para que esta lhe representasse e, por ser de justiça, efetivamente alcançasse seu intento. No próprio prédio do fórum foi auxiliado por outra profissional do direito a qual aceitou o encargo de lhe representar, entretanto, esclareceu que não poderia fazê-lo gratuitamente, mas o faria através de contrato de risco, ou seja, receberia 20% do valor da causa. Diante de tal situação, o declarante revogou a procuração concedida ao advogado dativo Carlos Augusto Meier e concedeu procuração para a advogada Adélia Asencio Silva a qual passou a representá-lo. Diante da informação de que houve revogação da procuração e da manifestação da nova representante judicial do declarante, Carlos Augusto Meier entrou em contato com o depoente e lhe proferiu inúmeros xingamentos por telefone. Dias depois o depoente recebeu...

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