Acórdão nº 0801549-16.2021.8.14.0097 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 3ª Turma de Direito Penal, 13-11-2023

Data de Julgamento13 Novembro 2023
Órgão3ª Turma de Direito Penal
Ano2023
Número do processo0801549-16.2021.8.14.0097
Classe processualRECURSO EM SENTIDO ESTRITO
AssuntoCalúnia

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) - 0801549-16.2021.8.14.0097

RECORRENTE: JOSE CLAUDIO CORREIA DE SOUSA

RECORRIDO: RAIMUNDO MENDES LIMA

RELATOR(A): Desembargador JOSÉ ROBERTO PINHEIRO MAIA BEZERRA JUNIOR

EMENTA

Processo n° 0801549-16.2021.8.14.0097

Tipo de Recurso: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO

Recorrente: JOSÉ CLAUDIO CORREIA DE SOUSA (QUERELANTE)

Recorrido: RAIMUNDO MENDES LIMA (QUERELADO)

Capitulação: ART. 138 E 140 C/C ART. 141, INCISO III, TODOS DO CP

Ação: Ação Penal

Vara e Origem: Vara Criminal de Benevides/PA

EMENTA

DIREITO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO DE REJEIÇÃO DE QUEIXA-CRIME. QUERELADO VEREADOR. IMUNIDADE MATERIAL CONSTITUCIONAL. CONDUTA PENALMENTE IRRELEVANTE. ART. 395, INCISO II E III DO CPP. REJEIÇÃO MANTIDA POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. Como se sabe, a imunidade parlamentar material consagrada no art. 29, VIII c/c art. 53, todos da CF/88, abarca condutas praticadas no exercício da função política ou em decorrência dela, ainda que fora da casa legislativa. Na hipótese dos autos, o Querelado claramente proferiu as acusações no exercício de sua função fiscalizadora (art. 29, inciso XI e 31, ambos da CF/88), enquanto vereador municipal e dentro da circunscrição municipal, tornando sua conduta penalmente irrelevante. Destarte, com fulcro no art. 395, inciso II e III do CPP, resta mantida a rejeição da peça acusatória por ausência de justa causa.

2. Recurso conhecido e desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Componentes da 3ª Turma de Direito Penal deste Egrégio Tribunal de Justiça do Pará, em Sessão de Plenário Virtual ocorrida entre os dias treze e vinte e um de novembro de 2023 (Sessão n°32), por unanimidade, em CONHECER do Recurso e NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator.

Julgamento presidido pela Exmo. Sr. Des. Pedro Pinheiro Sotero.

Belém, 27 de novembro de 2023.

JOSÉ ROBERTO PINHEIRO MAIA BEZERRA JÚNIOR

DESEMBARGADOR RELATOR

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por JOSÉ CLÁUDIO CORREA DE SOUSA, Querelante, em face de sentença terminativa proferida pelo juízo da Vara Criminal de Benevides/PA, em 22.08.2022, nos autos da Ação Penal nº 0801549-16.2021.8.14.0097 (sistema PJE), a qual indeferiu a inicial acusatória, na qual se apuraria os crimes de calúnia e injúria, previstos no art. 138 e 140 c/c art. 141, inciso III, todos do CP/40, por entender que o Querelado, RAIMUNDO MENDES LIMA, na condição de vereador, teria agido conforme o Direito diante de sua imunidade parlamentar.

Em suas razões recursais (Num. 11602186), o Querelante alega error in judicando do juízo de origem, pois a conduta do Querelado não estaria abrangida pela imunidade parlamentar, eis que as acusações e ofensas proferidas não teriam decorrido de sua função política, bem como diante do excesso da conduta. Assim, insiste que a peça acusatória deve ser admitida e, assim, a persecução criminal ter seu regular prosseguimento.

Juízo de retratação realizado em 02.09.2022 (Num. 11602188), sendo mantida a decisão ora impugnada.

O Querelado apresentou contrarrazões sob o Num. 11602195, refutando as alegações da defesa e pugnando pela manutenção da sentença em todos os seus termos.

Instado a se manifestar, o órgão ministerial de 2º grau opinou pelo conhecimento e total desprovimento do recurso, consoante parecer de Num. 13594425.

Eis o relatório.

Inclua-se em pauta de julgamento, via plenário virtual.

VOTO

I – Do Juízo de admissibilidade recursal.

Conheço do recurso, eis que preenchidos os pressupostos recursais de admissibilidade.

I – Do mérito Recursal – Do recebimento da Queixa-Crime diante da justa causa.

A acusação defende configurada a justa causa para propositura da queixa-crime, uma vez que estaria provado nos autos, por meio das mídias juntadas, as acusações proferidas pelo Querelado, que chamou o Querelante de “vagabundo” e afirmou que estaria “roubando o dinheiro do povo”. Dessa feita, entende que não há amparo jurídico para rejeição da peça, ainda que o ofensor exerça a função de vereador, pois a conduta não estaria abarcada pela imunidade parlamentar, que não poderia ser vista de modo absoluto.

Pois bem. Segundo narra a peça acusatória (Num. 11602134), o Querelante é servidor junto à Prefeitura Municipal de Santa Bárbara do Pará e estava, no dia 03.09.2021, às 18:50 horas, enchendo dois carotes de gasolina para posterior abastecimento da nova ambulância que chegaria ao Município à noite, quando então o posto de gasolina já poderia estar fechado. Nesse momento, o Querelado passou a filmar o ato e proferir ofensas à vítima e a um outro servidor, que ajudava. Na peça acusatória, o Querelante afirma que o Querelado lhe acusou de roubar o dinheiro do povo e mandado os dois servidores irem trabalhar, chamando-os de “vagabundos”.

Analisadas as mídias que Num. 11602138 a Num. 11602140, tem-se um juízo de probabilidade positivo quanto às alegações contidas na peça acusatória, pois de fato o Querelado chama o Querelante de “vagabundo” e o acusa de roubar o dinheiro do povo. Porém, a questão não se limita à mera subsunção da conduta do Querelado às elementares dos arts. 138 e 140 do CP/40. Isso fica claro da leitura da decisão, ora impugnada, constante no Num. 11602179, que assim consignou:

[...]

Considerando a informação de que o requerido é vereador e que Os vereadores, por força do art. 29, inc. VIII, da CF/88, desfrutam de imunidade absoluta, desde que as suas opiniões, palavras e votos sejam proferidos no exercício do mandato (nexo material) e na circunscrição do município (critério territorial) e , Eventual excesso praticado pelo parlamentar deve ser apreciado pela respectiva Casa Legislativa, que é o ente mais abalizado para apreciar se a postura do querelado foi compatível com o decoro parlamentar ou se, ao contrário, configurou abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional, nos termos do art. 55, § 1º, da Constituição

No presente caso, havendo sido evidenciada a relação entre o fato em tese ofensivo nos moldes narrados na peça inicial e a atividade do parlamentar, bem como tendo as declarações sido feitas nos limites da circunscrição do Município, o recorrente está abrangido pelo campo de incidência da imunidade parlamentar.

Reconheço a inviolabilidade parlamentar , não havendo justa causa para inicio ação penal , razão pela qual, rejeito a queixa-crime nos termos do artigo 395, III do CPP

[...]

Ao referir à ausência de justa causa para recebimento da peça acusatória, o julgador tomou por fundamento a imunidade parlamentar do vereador (consagrada constitucionalmente, como imprescindível à democracia instituída pela CF/88). Não se trata de privilégio, mas de prerrogativa destinada ao bom e fiel cumprimento de uma função política, inerente ao sistema de freios e contrapesos típicos de uma república, como a brasileira. Por isso a conduta praticada pelos parlamentares (federais, estaduais ou municipais) deve ser analisada de modo mais criterioso, indo além da simples proteção decorrente da liberdade de expressão, tutelando falas e acusações que se mostrem pertinentes a seu cargo e às atribuições dele decorrentes, ainda que desabonadoras.

Nesse sentido, dispõe a Lei Maior:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

[...]

VIII - inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município; (Renumerado do inciso VI, pela Emenda Constitucional nº 1, de 1992)

[...]

XI - organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara Municipal; (Renumerado do inciso IX, pela Emenda Constitucional nº 1, de 1992)

[...]

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

[...]

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

Referidos dispositivos constitucionais evidenciam que, qualquer opinião, fala ou voto do parlamentar, quando proferido no exercício do mandato ou mesmo em decorrência dele, estará acobertado pela imunidade ali consagrada. De igual modo, evidenciam como uma das funções do parlamentar, enquanto tal, a fiscalização de seu Município (no caso do vereador), mediante controle externo, servindo de peça importante na engrenagem do sistema de freios e contrapesos da tripartição dos poderes.

Portanto, dois requisitos devem ser analisados, para eventual conclusão quanto à irrelevância penal da conduta do Querelado. Primeiro, se há pertinência entre suas falas e o exercício de sua função política e se a conduta foi praticada dentro da circunscrição municipal.

No caso dos autos, as mídias apresentadas (Num. 11602139 a Num. 11602140) e mesmo a narrativa fática contida na queixa-crime (Num. 11602134) evidenciam que a conduta deu-se num posto de gasolina situado no Município de Santa Bárbara/PA, onde o Querelado exerce a função de vereador. As mesmas mídias, consistentes em vídeos gravado pelo Querelado e áudios também por ele produzido, nos quais acusa o Querelante de roubar o dinheiro do povo e de ser vagabundo, mostram que a todo momento o Querelado o faz na condição de vereador, repetindo inúmeras vezes que está filmando e falando por ser vereador e, como tal, teria o dever de fiscalizar o dinheiro do povo. Ainda que a forma como o Querelado veiculou suas falas e acusações não tenha sido a mais comedida e adequada a um ocupante de cargo político, as...

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