Acórdão nº 0802214-14.2018.8.14.0040 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Privado, 28-03-2023

Data de Julgamento28 Março 2023
Órgão2ª Turma de Direito Privado
Ano2023
Número do processo0802214-14.2018.8.14.0040
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
AssuntoCompra e Venda

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0802214-14.2018.8.14.0040

APELANTE: L.M.S.E. EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA

APELADO: GERALDO TEOTONIO JOTA

RELATOR(A): Desembargadora GLEIDE PEREIRA DE MOURA

EMENTA

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE APELAÇÃO. DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C NULIDADE DE CLÁUSULAS ABUSIVAS E RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE LOTE URBANO. INADIMPLÊNCIA DO COMPRADOR. POSSIBILIDADE DE RESCISÃO CONTRATUAL. RETENÇÃO DE VALORES. 20% DOS VALORES PAGOS PELOS COMPRADORES. DESPESAS REALIZADAS COM PUBLICIDADE, TRIBUTÁRIAS E ADMINISTRATIVAS, BEM COMO CLÁUSULA PENAL. OBSERVÂNCIA AO LIMITE ESTABELECIDO PELO STJ. TAXA DE FRUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CLAUSULA PENAL JÁ CONSIDERADA PARA O MESMO FIM. IMPOSSIBILIDADE DE BIS IN IDEM. SENTENÇA ESCORREITA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

I - O art. 6º, inciso V, da Lei nº 8.078/90 instituiu o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do "pacta sunt servanda" e permitindo ao consumidor a revisão do contrato, especialmente, quando o fornecedor insere unilateralmente nas cláusulas gerais do contrato de adesão obrigações claramente excessivas, suportadas exclusivamente pelo consumidor.

II – O percentual arbitrado em 20% pela sentença, compreendidos a taxa de retenção que leva em conta as despesas realizadas pela vendedora com publicidade, tributárias e administrativas, dentre outras, bem como a Cláusula Penal encontra-se dentro do limite estabelecido pelo STJ.

III – A taxa de fruição cumulada com a disposição contratual de pagamento de multa compensatória, caracteriza vedado bis in idem.

RELATÓRIO

SECRETARIA ÚNICA DE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO – 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO

APELAÇÃO CÍVEL N.º 0802214-14.2018.8.14.0040

APELANTE: L.M.S.E. EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA

ADVOGADO: ROSEVAL RODRIGUES DA CUNHA FILHO

APELADO: GERALDO TEOTONIO JOTA

ADVOGADO: LETICIA MOREIRA GUIMARAES E OUTRO

RELATORA: DESA. GLEIDE PEREIRA DE MOURA

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RELATÓRIO

Trata-se de Recurso de Apelação interposto por L.M.S.E. EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA visando modificar sentença proferida em AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C NULIDADE DE CLÁUSULAS ABUSIVAS E RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS movida por GERALDO TEOTONIO JOTA.

Em sua peça vestibular o Requerente narrou que firmou com a Requerida contrato de compra e venda de lote urbano, sendo que no ato de aquisição do lote pagou a título de entrada o valor de R$ R$ 140.531,51 (cento e quarenta mil, quinhentos trinta e um reais e cinquenta e um centavos).

Ocorreu que não teve como dar continuidade aos pagamentos mensais, sendo assim buscou a rescisão administrativa do contrato, com a restituição do sinal e das parcelas pagas, contudo a empresa requerida apresentou a proposta de restituição de apenas 50% (cinquenta por cento) dos valores pagos e da entrada, deduzida a quantia paga de corretagem, mediante ainda pagamento parcelado da restituição, o que não foi aceito pelo requerente.

Requereu a declaração de nulidade das cláusulas abusivas, com a fixação de retenção de somente 10% dos valores já pagos, sem qualquer outro encargo, por conseguinte, a devolução de 90%, que, na presente data corresponde a R$ 126.478,36 (cento e vinte e seis mil, quatrocentos e setenta e oito reais, trinta e seis centavos), com a ressalva de que à época do pagamento, deve a referida importância ser devidamente atualizada.

O feito foi contestado.

Ao proferir sentença, o Juízo Singular julgou parcialmente procedente o feito para declarar rescindido o contrato, determinar a restituição dos valores efetivamente pagos ao promissário comprador, ora requerentes, sobre os quais deve incidir apenas a correção monetária, a partir de cada desembolso, sendo incabível a aplicação de juros de mora, porquanto a rescisão contratual deu-se por vontade do promitente comprador, podendo o promissário vendedor reter o percentual de 10% (dez por cento) desse valor a ser efetivamente pago, levando-se em conta as despesas realizadas pela vendedora com publicidade, tributárias e administrativas, dentre outras, bem como fixar o percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor efetivamente pago pelo promitente comprador, a título de cláusula penal, devidamente atualizado, sem cumulação com perdas e danos, sob pena de enriquecimento ilícito por parte da demandada, devendo ser compensada com o valor a ser restituído ao promissário comprador e limitada a este.

Inconformado, o Requerido interpôs recurso de apelação aduzindo que a sentença não observou os termos pactuados, que fazem lei entre as partes.

Afirmou que os negócios jurídicos somente podem ser revistos ou anulados diante da existência de fraude, coação ou dolo, conforme preconizam as normas elencadas nos artigos 138 ao 155 do Código Civil, o que não teria ocorrido no presente caso.

Alegou que ao deixar de condenar o Apelado ao pagamento de fruição mensal, acaba por estabelecer norma que não está no contrato, o qual também não inquinou de ilegalidade nesse particular e, ainda não se teve pedido ou argumento do Apelado nesse sentido.

Foram apresentadas Contrarrazões.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

À Secretaria para inclusão em pauta virtual com pedido de julgamento.

Belém, de 2023

Desa. GLEIDE PEREIRA DE MOURA

Relatora

VOTO

SECRETARIA ÚNICA DE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO – 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO

APELAÇÃO CÍVEL N.º 0802214-14.2018.8.14.0040

APELANTE: L.M.S.E. EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA

ADVOGADO: ROSEVAL RODRIGUES DA CUNHA FILHO

APELADO: GERALDO TEOTONIO JOTA

ADVOGADO: LETICIA MOREIRA GUIMARAES E OUTRO

RELATORA: DESA. GLEIDE PEREIRA DE MOURA

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VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do presente recurso e passo à sua análise.

Trata-se de Recurso de Apelação interposto por L.M.S.E. EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA visando modificar sentença proferida em AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C NULIDADE DE CLÁUSULAS ABUSIVAS E RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS movida por GERALDO TEOTONIO JOTA.

Inicialmente a Apelante suscita o pacta sunt servanda e o princípio da segurança jurídica, entretanto, ressalto que o art. 6º, inciso V, da Lei nº 8.078/90 instituiu o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do "pacta sunt servanda" e permitindo ao consumidor a revisão do contrato, especialmente, quando o fornecedor insere unilateralmente nas cláusulas gerais do contrato de adesão obrigações claramente excessivas, suportadas exclusivamente pelo consumidor.

No tocante à Clausula 16ª do Contrato, destaco que apesar de ser lícita a estipulação de cláusula que autorize a retenção de parte dos valores, sua incidência não pode, em contratos de consumo, como no presente caso, acarretar desvantagem exagerada ao consumidor, pois tal prática é vedada pelo artigo 51, inciso IV, do Estatuto Protetivo, já que reforçando a necessidade de se proteger a dignidade humana.

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;”.

Concluo, assim como o Juízo de Piso, que a cláusula contratual prevendo a retenção de 20% (vinte por cento) dos valores pagos não deve prevalecer.

Isso porque, apesar do empenho da recorrente para conferir legalidade aos termos da cláusula contratual, não há como deixar de reconhecer sua abusividade, que coloca o adquirente em evidente desvantagem e acarreta enriquecimento ilícito.

No caso, seria desproporcional admitir perda no percentual previsto na cláusula contratual, levando-se em consideração, ainda, que do total do contrato representaria valor considerável, sem que fosse apontada qualquer justificativa para tanto (aplicação do art.413 do CC). Mesmo que a apelada tenha deixado de adimplir as demais parcelas, considerada a ausência de apontamento das despesas administrativas e ainda da possibilidade de revenda do lote, 10% é quantia adequada para atender à finalidade da cláusula penal, estando ainda dentro do limite consagrado pelo próprio STJ para a hipótese, que é de até 25% (vinte e cinco por cento).

Nesse sentido, vejamos precedente jurisprudencial da Corte Cidadã:

“DIREITO CIVIL PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. INADIMPLÊNCIA. RESCISÃO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. CABIMENTO. RETENÇÃO DE ATÉ 25% EM BENEFÍCIO DO VENDEDOR.

1. A rescisão de contrato exige que se promova o retorno das partes ao status quo ante, sendo certo que, no âmbito dos contratos de promessa de compra e venda de imóvel, em caso de rescisão motivada por inadimplência do comprador, a jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de admitir a retenção, pelo vendedor, de parte das prestações pagas - que pode variar de 10% a 25% - como forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados. Precedentes.

2. No caso, o Tribunal a quo, com base no contexto fático-probatório dos autos, entendeu que a previsão de perda da totalidade das parcelas pagas seria abusiva (fl. 165), devendo ser retidos 10% sobre

esse valor, percentual que reputou suficiente para reparar todos os prejuízos da empresa recorrente. Incidência da Súmula 7 do STJ.

3. Recurso especial a que se nega seguimento.

(STJ - Resp n° 1269059 SP 2011/0158858-9, Relator: Ministro Luís Felipe Salomão, Data de Publicação: DJ 17/06/2015).” (Negritou-se).

Acerca da indenização pela “fruição” do bem, conforme pretende a Apelante, o Magistrado Singular assim se manifestou:

Nesse passo, a cláusula penal, também...

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