Acórdão nº 0802879-47.2021.8.14.0065 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Privado, 30-05-2023

Data de Julgamento30 Maio 2023
Órgão2ª Turma de Direito Privado
Ano2023
Número do processo0802879-47.2021.8.14.0065
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
AssuntoContratos Bancários

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0802879-47.2021.8.14.0065

APELANTE: OTAVIO ALVES FEITOSA

APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.

RELATOR(A): Desembargador RICARDO FERREIRA NUNES

EMENTA

FRAUDE BANCÁRIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE PESSOA ANALFABETA. CONTRATO FIRMADO À ROGO, PORÉM SEM INFORMAÇÃO DE DATA E LOCAL. AUSÊNCIA DE PROVA DA DISPONIBILIZAÇÃO DO VALOR AO AUTOR. INEXISTÊNCIA DA RELAÇÃO NEGOCIAL. DANOS MATERIAIS. MÁ-FÉ. RESSARCIMENTO EM DOBRO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, À UNANIMIDADE.

1. O Superior Tribunal de Justiça entende ser regular a contratação de empréstimo por pessoa analfabeta, desde que haja assinatura a rogo por terceiro e por duas testemunhas. No caso concreto, a cédula de crédito bancário atendeu tais exigências legais, com a ressalva de que não consta informação de data e local de sua realização. Além disso, não restou comprovada a disponibilização do dinheiro ao mutuário, pelo que a relação negocial em questão é considerada inexistente, por provável fraude bancária.

2. Quanto à repetição do indébito, a instituição financeira apelada não conseguiu comprovar a regularidade do empréstimo ora debatido, pelo que se revela intencional a conduta de descontar valores com base em contrato nulo, gerando, assim, débitos sem qualquer respaldo legal nos proventos de aposentadoria do recorrente, ato que configura má-fé e justifica a condenação nos termos do art. 42, parágrafo único do CDC.

3. É inegável o prejuízo na órbita extrapatrimonial do consumidor, tendo em vista que a falha no serviço bancário, no que tange à segurança que se espera das instituições financeiras, culminou em desconto de valores não contratados. O constrangimento supera o mero aborrecimento, pois o autor é idoso, analfabeto, aposentado e recebe recursos oriundos de benefício do INSS, cujo valor, que já é parco, sofreu maior redução em virtude da falta de zelo do apelado.

4. Recurso conhecido e PROVIDO, à unanimidade

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

ACORDAM os Excelentíssimos Desembargadores integrantes da 2ª Turma de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade de votos, em CONHECER e DAR PROVIMENTO ao Recurso de Apelação, nos termos do voto do Eminente Desembargador Relator.

RELATÓRIO

PROCESSO: 0802879-47.2021.814.0065

SEC. ÚNICA DE DIREITO PÚBLICO E PRIVADO – 2ª TURMA DE DIREITO PRIVADO

RECURSO: APELAÇÃO CÍVEL

APELANTE: OTÁVIO ALVES FEITOSA

APELADO: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.

RELATOR: Des. RICARDO FERREIRA NUNES


RELATÓRIO


Tratam os presentes autos de APELAÇÃO CÍVEL interposta por OTÁVIO ALVES FEITOSA, inconformado com a sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Xinguara/PA que, nos autos da AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO PELO RITO COMUM ORDINÁRIO, ajuizada por si em face de BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A.

Em sua exordial (ID 10473764), narrou o autor/apelante ser pessoa idosa, analfabeta, com pouca instrução e que tomou conhecimento de refinanciamento de empréstimo realizado indevidamente em seu nome – contrato número 806.641.814, não tendo autorizado a prestação de serviço e sido surpreendida com descontos em sua conta corrente, o que caracteriza fraude e inobservância do CDC na relação contratual.

Pleiteou liminarmente a suspensão dos descontos consignados referentes ao contrato de empréstimo indevido e, no mérito, a inversão do ônus da prova; a condenação da empresa requerida no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais), a título de indenização por danos morais, bem como a repetição do indébito, nos termos do artigo 42, parágrafo único, da Lei nº 8.078/90, acrescida de juros e correção monetária.

Foi deferida a gratuidade de justiça (ID 10473868).

Em contestação, o banco réu arguiu a regularidade da contratação, julgando válido o instrumento apresentado, assinado à rogo e por duas testemunhas, contendo a digital da autora, bem como apresentou print de tela, o qual defende tratar-se de comprovante de pagamento do valor objeto do pacto, não havendo motivos que fundamentem dano moral, na medida em que não se verifica a ocorrência de ato ilícito que enseje violação aos direitos à personalidade, tais como honra, imagem, reputação ou intimidade.

Esclareceu que se trata de contrato de refinanciamento, realizado para liquidar antecipadamente contrato antigo, nº 753.021.978, o qual possuía saldo devedor em aberto e que foi celebrado no valor de R$6.884,83 (seis mil, oitocentos e oitenta e quatro reais e oitenta e três centavos), a ser quitado em 72 parcelas de R$203,39 (duzentos e três reais e trinta e nove centavos), mediante desconto em benefício previdenciário (ID 10473876).

O banco BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A repugna a tese de fraude, na medida em que afirma terem sido esclarecidos os termos contratuais ao autor no momento da celebração do acordo, antes de ser colhida sua assinatura ou impressão digital com testemunhas, o que representa conduta padrão da instituição financeira em todos os casos semelhantes, de forma a não restarem dúvidas de que houve celebração de um negócio jurídico entre as partes.

Ademais, a instituição financeira defende comprovar o depósito do valor objeto da avença na conta corrente do autor, apresentando print de tela do sistema interno, pelo que requer a total improcedência da ação, em razão de inexistir defeito na prestação do serviço, restando evidenciada a regularidade da contratação. Requer, ainda, a condenação da autora em multa por litigância de má-fé, nos termos do artigo 80, incisos II e III do CPC.

Réplica à contestação (ID 10473882).

Após o processamento do feito, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva segue transcrita:

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos. Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, porém, suspensa a exigibilidade, em razão da gratuidade judiciária concedida.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação (ID 10473888), no qual insiste no argumento de que nunca autorizou o empréstimo ora discutido.

Alega que o documento trazido aos autos pelo apelado foi impugnado em réplica, tendo cessado seu valor probante, o qual não foi convalidado por prova hábil, razão pela qual não serve como meio de prova a validar o negócio jurídico discutido, mas que mesmo assim foram julgados improcedentes os pedidos constantes na inicial, considerando justa a cobrança impugnada, por entender que restou configurada a relação contratual.

Pleiteia pelo provimento do recurso para que seja anulada a sentença vergastada, julgando procedente os pedidos, reconhecendo a ilegalidade da prática do apelado, determinando a devolução dos valores pagos indevidamente, na forma do artigo 42 do CDC, acrescidos de juros e correção monetária, bem como a condenação em R$20.000,00 (vinte mil reais), a título de danos morais.

Em contrarrazões (ID 10473893), arrazoa a instituição financeira ser irrepreensível a sentença recorrida, razão pela qual defende sua manutenção integral e, por conseguinte, o desprovimento do recurso de apelação.

É o relato do necessário.

Inclua-se o presente feito na próxima sessão de julgamento do plenário virtual.

Belém, 16 de maio de 2023.

Des. RICARDO FERREIRA NUNES

Relator


VOTO

VOTO

1. Juízo de admissibilidade.

Presentes os pressupostos de sua admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

2. Razões recursais.

Trata-se de ação visando o pagamento de indenização pecuniária em face de prejuízos alegados como sofridos. Em síntese, sustenta a parte autora que está sendo cobrada indevidamente pelo requerido por valores que desconhece, referentes a contrato de empréstimo número 806.641.814.

Pois bem, entendo que a sentença deve ser reformada.

Isto porque, apesar de constar nos autos contrato assinado à rogo pela parte autora, verifico não constar no instrumento informação referente à data e local de sua realização, além de não ter sido comprovada a disponibilização do valor objeto da avença pelo banco apelado.

Em demandas análogas, a jurisprudência pátria tem entendido que a comprovação conjunta do contrato subscrito pelas partes e do comprovante de transferência do valor avençado é essencial à aferição da regularidade na contratação:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. CONTRATO APRESENTADO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA. NULIDADE DA AVENÇA. RESTITUIÇÃO SIMPLES. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. MAJORADA. SENTENÇA REFORMADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. RECURSO CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Cinge-se a controvérsia recursal em saber se houve fraude bancária e se o valor arbitrado foi proporcional ao dano supostamente sofrido pelo consumidor. 2. Observa-se que partes se enquadram perfeitamente nos conceitos de consumidor, ao menos por equiparação (artigo 17 da Lei nº 8.078/90), e fornecedor, estatuídos pelo Código de Defesa do Consumidor. 3. Para que seja aferida a regularidade da contratação é necessário saber se o contrato foi regularmente firmado e o numerário constante na avença foi efetivamente disponibilizado ao consumidor. 4. Compulsando de forma detida os autos, observa-se que o banco recorrido apresentou cópia do contrato, entretanto o pacto não cumpriu a exigência legal da assinatura das testemunhas, tampouco há demonstração do efetivo depósito do numerário na conta-corrente do apelante. 5. Resta caracterizada a falha na prestação do serviço, vez que o banco recorrido não demonstrou, na condição de fornecedor do...

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