Acórdão Nº 0804355-28.2013.8.24.0064 do Primeira Câmara de Direito Civil, 01-12-2022

Número do processo0804355-28.2013.8.24.0064
Data01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0804355-28.2013.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM

APELANTE: AGROPECUARIA SANDRA LTDA (AUTOR) ADVOGADO: LEANDRO BERNARDINO RACHADEL (OAB SC015781) APELANTE: GLOBO COMERCIO DE VEICULOS E PECAS LTDA (RÉU) ADVOGADO: ALVARINO KUNEL NETO (OAB SC033119) ADVOGADO: Cesar Alexandre dos Santos (OAB SC013203) APELADO: RENAULT DO BRASIL S.A (RÉU) ADVOGADO: Adriana D`Avila Oliveira (OAB SC030632) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por AGROPECUARIA SANDRA LTDA e GLOBO COMERCIO DE VEICULOS E PECAS LTDA, contra sentença prolatada pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de São José, que nos autos da "Ação Indenizatória" n. 0804355-28.2013.8.24.0064, ajuizada pela primeira contra a segunda e contra RENAULT DO BRASIL S.A, julgou improcedentes os pedidos, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00 (hum mil reais) em relação a cada requerida (Evento 112, E1).

Inconformada com a solução jurídica, a apelante Agropecuária pugnou pela reforma integral da sentença, ao argumento de que efetivamente comprovado os danos ocasionados, pois o que se discute não é o saneamento ou não dos vícios no veículo adquirido pela autora, mas sim que o mesmo "ficou na posse da Apelada, ininterruptamente, por mais de 30 (trinta) dias, ou seja, superior ao prazo legal conferido pela Lei, para que o fornecedor cumpra o seu dever de reparação". Desta feita, requereu a devolução da quantia paga pelo produto, inclusive aduzindo que a realização ou não de perícia no automóvel não afasta o direito da apelante em desfazer o negócio pelo excesso de prazo no reparo.

Aduziu, no mais, que a venda do veículo para terceiro não inviabiliza a análise do pedido de reparação de danos, devendo o valor dos danos materiais apenas serem descontados do montante auferido com a venda realizada. Por fim, requereu a condenação das rés ao pagamento de danos morais e a inversão dos ônus sucumbenciais (Evento 120, E1).

Igualmente irresignada, a apelante Globo aduziu que o valor fixado pelo magistrado a quo a título de honorários, não atende aos critérios do §2º do art. 85 do CPC, razão pela qual devem ser modificados para percentual - 20% (vinte por cento) - sobre o valor da causa (Evento 146, E1).

Com as contrarrazões (Eventos 128, 129 e 157, E1), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

Os recursos são tempestivos e preenchem os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que deles se conhece.

1. Da ofensa ao princípio da dialeticidade

Sem maiores delongas, urge rechaçar a tese de ofensa ao princípio da dialeticidade, tecida pela parte recorrida em sede de contrarrazões (Evento 129), porquanto os argumentos recursais visam, sim, combater os fundamentos da sentença, deles sendo possível extrair o objeto da irresignação da insurgente.

Desse modo, presentes nas razões do recurso os motivos que levaram a autora a discordar da decisão de primeiro grau, deve a apelação ser conhecida, em conformidade com o entendimento predominante neste Sodalício. Confira-se:

1) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. PRELIMINAR EM CONTRARRAZÕES. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INSURGÊNCIA DA AUTORA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. PROPOSTA DE QUITAÇÃO E ENVIO DE BOLETO POR MEIO DE APLICATIVO DE MENSAGENS ELETRÔNICAS. EFETUADO O PAGAMENTO DE BOLETO FALSO. AUSÊNCIA DE PROVAS DA PARTICIPAÇÃO DA CREDORA NA FRAUDE. CULPA EXCLUSIVA DA CONSUMIDORA. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO E DANO MORAL INDENIZÁVEL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.(...) Preliminarmente, é de ser afastado o pedido de não conhecimento do recurso formulado pela apelada em suas contrarrazões. Isso porque, embora os argumentos apresentados pela recorrente apenas reiterem os mesmos levados ao conhecimento da Magistrada singular, não se verifica ofensa ao princípio da dialeticidade, pois houve impugnação aos fundamentos que ensejaram a procedência do pedido. Desse modo, estando as razões da insurgência relacionadas à fundamentação da decisão e tendo a recorrente deixado claro o interesse pela sua reforma, deve ser afastada a prefacial. (...) (TJSC, Apelação n. 5021693-91.2020.8.24.0039, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Jairo Fernandes Gonçalves, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 31-05-2022).

2) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO DE ORDEM MATERIAL E MORAL. DESCONTOS SUPOSTAMENTE INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA AUTORA.ADMISSIBILIDADE. CONTRARRAZÕES APRESENTADAS PELA PARTE RÉ. AVENTADA AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE NO RECURSO. INACOLHIMENTO. ARGUMENTOS DE FATO E DE DIREITO APRESENTADOS QUE IMPUGNAM A DECISÃO COMBATIDA. (...)"Ab initio", impende salientar que a aventada ausência de dialeticidade não merece albergue. Isso porque, da análise do apelo interposto, vê-se que a autora apresentou insurgências específicas em relação à sentença hostilizada, manifestando-se quanto à fundamentação de fato e de direito sobre a matéria controvertida. (...) RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5001213-75.2021.8.24.0001, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. André Carvalho, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 03-05-2022).

Portanto, afastada a prefacial.

2. Agravo Retido

De início, dispõe o art. 523 do Código de Processo Civil de 1973, in verbis:

Art. 523. Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação.§ 1 o Não se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal.§ 2 o Interposto o agravo, e ouvido o agravado no prazo de 10 (dez) dias, o juiz poderá reformar sua decisão.§ 3 o Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante.

No presente caso, na vigência do Código Buzaid, verifica-se que a apelada Renault interpôs o Agravo Retido arguindo as seguintes preliminares: a) ilegitimidade ativa da Agropecuária; b) ilegitimidade passiva da Renault; c) decadência; d) carência de ação; e) inaplicabilidade do CDC e da impossibilidade de inversão do ônus da prova (Evento 71).

Em suas contrarrazões pugnou pelo conhecimento e julgamento do mesmo, motivo pelo qual passa-se à análise (Evento 128).

De início, quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e à inversão do ônus da prova, sabido que casos como o presente são regidos pelo Códex Consumerista, porquanto as empresas demandadas enquadram-se de forma inconteste no conceito de fornecedor (art. 3º, caput, do CDC) e a parte autora se subsome evidentemente ao conceito de consumidor encartado no art. 2º da legislação de regência.

Desta feita, evidente a aplicação do CDC e a inversão do ônus da prova no caso.

Neste sentido:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS C/C DANOS MORAIS. [...] MÉRITO. RELAÇÃO CONSUMERISTA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INTELIGÊNCIA DO ART. 6º, DO CDC. AUTORA QUE ADQUIRIU O VEÍCULO, FABRICADO PELA PRIMEIRA RÉ, NA CONCESSIONÁRIA DEMANDADA, NA MODALIDADE ZERO QUILÔMETRO. ÓRGÃO COMPETENTE QUE IMPEDIU A ALIENAÇÃO DO BEM À TERCEIRO POR IRREGULARIDADE NA IDENTIFICAÇÃO DO MOTOR. PERÍCIA JUDICIAL QUE ATESTOU A INCOMPATIBILIDADE NA GRAVAÇÃO REALIZADA PELA MONTADORA, QUE OCORREU DIVERSAMENTE AO PADRÃO VIGENTE. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INDIQUEM QUE HOUVE ADULTERAÇÃO DO SINAL IDENTIFICADOR APÓS O RECEBIMENTO DO BEM PELA DEMANDANTE. VÍCIO DO PRODUTO CONFIGURADO.DEFENDIDA PELA FABRICANTE RÉ A IMPOSSIBILIDADE DE RESCISÃO CONTRATUAL. ALEGAÇÃO DE QUE O VÍCIO DO VEÍCULO É SANÁVEL E NÃO IMPEDE O USO DO BEM. INSUBSISTÊNCIA. REQUERIDA QUE NÃO SOLVEU A QUESTÃO NO PRAZO LEGAL DE 30 (TRINTA) DIAS. ADEMAIS, QUESTÃO QUE AFETA A LIVRE DISPOSIÇÃO DO BEM. LIBERDADE DO PROPRIETÁRIO EM DISPOR DO BEM. APLICAÇÃO DO ART. 18, DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA.[...]APELO DA AUTORA CONHECIDO E DESPROVIDO. RECLAMO DA CONCESSIONÁRIA RÉ CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA FABRICANTE RÉ CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0301792-24.2015.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. André Carvalho, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 13-09-2022).

No que tange às preliminares de ilegitimidade ativa e passiva, tem-se que devem ser afastadas. Isso porque, quanto à legitimidade passiva, sustenta a ré Renault que não pode ser responsabilizada pelos serviços prestados pela primeira demandada, ora apelante, Globo Comércio de Veículos. Todavia, como há muito pacificado, "a concessionária (fornecedora) e o fabricante de automóveis possuem responsabilidade solidária em relação ao vício do produto" (STJ, AgInt no REsp n. 1640789, Min. Marco Aurélio Bellizze).

Assim, tratando-se de o caso de vício do produto, o comerciante responde de forma solidária com os demais fornecedores, nos termos do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor.

A propósito, colhe-se a jurisprudência desta Corte de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL - DEFEITO DE FABRICAÇÃO EM PRODUTO - VEÍCULO AUTOMOTOR - CONCESSIONÁRIA - LEGITIMIDADE PASSIVA - OCORRÊNCIA - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA COM A FABRICANTEO Superior Tribunal de Justiça, em conformidade com o disposto no art. 18 do Código de Defesa do Consumidor, firmou entendimento de que "a concessionária (fornecedora) e o fabricante de automóveis possuem responsabilidade solidária em relação ao vício do produto" (AgInt no REsp n. 1640789, Min. Marco Aurélio Bellizze). [...] (TJSC, Apelação n. 0042374-88.2011.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 22-03-2022).

Da mesma forma, quanto à ilegitimidade ativa da parte autora, como já bem...

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