Acórdão nº 0804634-55.2019.8.14.0040 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Privado, 04-04-2023

Data de Julgamento04 Abril 2023
Órgão2ª Turma de Direito Privado
Ano2023
Número do processo0804634-55.2019.8.14.0040
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
AssuntoRescisão / Resolução

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0804634-55.2019.8.14.0040

APELANTE: L.M.S.E. EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA

APELADO: JORGE DE JESUS

RELATOR(A): Desembargador RICARDO FERREIRA NUNES

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DESFAZIMENTO DO CONTRATO POR CULPA DO COMPRADOR. INADIMPLEMENTO. RESCISÃO DECLARADA JUDICIALMENTE. LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. RETENÇÃO PARCIAL DOS VALORES PAGOS PELO ADQUIRENTE. POSSIBILIDADE. DESPESAS ADMINISTRATIVAS E MULTA COMPENSATÓRIA EM PERCENTUAL DENTRO DO LIMITE AUTORIZADO PELA CORTE SUPERIOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DA TAXA DE FRUIÇÃO DO IMÓVEL COM A CLÁUSULA PENAL. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE NA PACTUAÇÃO DE JUROS E DE CORREÇÃO MONETÁRIA. DIREITO DE RETENÇÃO PELAS BENFEITORIAS REALIZADAS. POSSIBILIDADE. POSSE DE BOA-FÉ. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO À UNANIMIDADE.

1. Uma vez caracterizado o inadimplemento contratual, nos termos em que se revela o contrato pactuado entre os litigantes, a rescisão do ajuste é imperativa, devendo ser observada, contudo, a devolução dos valores pagos pelo requerido/apelante com as devidas retenções.

2. A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça está orientada no sentido de permitir a retenção de 10% (dez por cento) a 25% (vinte e cinco por cento) dos valores efetivamente pagos em caso de inadimplemento do comprador. Logo, irretocável a sentença nesse ponto, ao aplicar retenção sobre os valores pagos no percentual de 20% (sendo 10% a título de multa compensatória e 10% de custos operacionais).

3. A Lei n.º 6.766/79, ao tratar dos contratos de promessa de compra e venda de loteamentos, permite a inclusão no instrumento tanto de correção monetária, quanto de juros, desde que claros e expressos os respectivos índice e taxa, bem como, o período de sua incidência.

4. A taxa de juros compensatórios de 6% (seis por cento) ao ano não se revela abusiva, pois sequer ultrapassa o limite definido no artigo 5º do Decreto n.º 22.626/33 (Lei de Usura) ou o percentual máximo dos juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês previsto na legislação civil (artigo 406 do Código Civil, cumulado com o artigo 161, § 1º. do Código Tributário Nacional). Igualmente, não há ilegalidade alguma na adoção do IGPM para correção do saldo devedor de compromisso de venda e compra de lote residencial. Inclusive, esse é o índice oficial normalmente utilizado para atualizar débitos dessa natureza, por ser derivado do índice de variação dos preços na construção civil (INCC).

5. É permitida a cumulação da taxa de fruição com a multa compensatória contratual. Isso porque a taxa de ocupação não guarda relação direta com a rescisão do contrato, como acontece com a cláusula penal, tendo natureza jurídica de aluguel e, por isso, sua aplicação se justifica para evitar o enriquecimento sem causa do comprador inadimplente.

6. Quanto ao direito de retenção pelas benfeitorias realizadas pelo adquirente, considerando sua posse de boa-fé, a sentença deve ser modificada tão somente neste capítulo a fim de garantir o direito do Apelante em permanecer na posse do imóvel enquanto não for ressarcido pela Apelada das benfeitorias/acessões realizadas no lote. Entretanto, deverá responsabilizar-se pelos encargos inerentes ao exercício dessa posse.

7. Recurso conhecido e parcialmente provido à unanimidade.

RELATÓRIO

JORGE DE JESUS interpôs APELAÇÃO face à sentença que JULGOU PROCEDENTE a AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL COM PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS contra si ajuizada por L.M.S.E. EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA.

Ao manejar a ação originária, a sociedade empresária autora aduz que o réu firmou, em 01/12/2009, dois contratos de “Promessa de Compromisso de Compra e Venda de Lote/Terreno” descritos como:

1. Lote de terras localizado na Rua N8, Quadra. 180, Lote 19, Cidade Jardim, Parauapebas, Pará, com área de 200m², formulário de n.º 1015B, no valor de R$30.758,40 (trinta mil, setecentos e cinquenta e oito reais e quarenta centavos), financiado em 180 (cento e oitenta) parcelas e R$170,88 (cento e setenta reais e oitenta e oito centavos), com vencimento em 01/02/2010, as quais seriam reajustáveis com juros compensatórios de 6% (seis por cento) ao mês e correção monetária nos parâmetros disponibilizados pelo IGPM/FGV, conforme dispõe a cláusula 2ª do contrato primitivo;

2. Lote de terras localizado na Rua N8, Quadra. 180, Lote 20, Cidade Jardim, Parauapebas, Pará, com área de 200m², formulário de n.º 1014B, no valor de R$27.340,80 (vinte e sete mil, trezentos e quarenta reais e oitenta centavos), a ser financiado em 180 (cento e oitenta) parcelas mensais reajustáveis, no valor de R$151,89 (cento e cinquenta e um reais e oitenta e nove centavos), com vencimento em 01/02/2010, reajustáveis com juros compensatórios de 6% (seis por cento) ao mês e correção monetária nos parâmetros disponibilizados pelo IGPM/FGV, conforme dispõe a Cláusula 2ª do contrato primitivo.

Por conseguinte, no dia 11/12/ 2017, as partes assinaram dois Termos de Renegociação, aditivos aos contratos acima citados, onde o comprador renegociou as suas obrigações.

No entanto, mesmo ciente de suas obrigações contratuais, o Réu deixou de quitar as prestações por ele assumidas:

1) em relação ao contrato de n.º 1015B, pagou as parcelas da 1 a 78 do financiamento, renegociou o débito, pagou o sinal da renegociação e as parcelas 1 e 2, quedando-se em mora a partir da 3ª parcela da aludida renegociação, com vencimento em 01/03/2018, bem como em relação às parcelas subsequentes;

2) em relação ao contrato de n.º 1014B, o Réu pagou as parcelas, 1 a 78 do financiamento, renegociou o débito, pagou o sinal da renegociação e as parcelas 1 e 2, quedando-se em mora a partir da 3ª parcela, com vencimento em 01/03/2018, bem como em relação às parcelas subsequentes.

Diante disso, a empresa autora pleiteou o reconhecimento da rescisão contratual perpetrada nos autos com a concessão de medida liminar para que seja promovida a sua imediata reintegração na posse do imóvel.

Considerando (I) a não configuração do pressuposto da probabilidade do direito, uma vez que a cláusula resolutória expressa no caso não opera de imediato seus efeitos, exigindo a manifestação judicial sobre a rescisão contratual e (II) a falta de regular constituição em mora do promitente comprador, haja vista que a notificação extrajudicial contida nos autos não observa o regramento específico da Lei n. 6.766 /1979 (Lei de Parcelamento do Solo), o juízo primevo indeferiu os pedidos de tutela de urgência e determinou a realização de audiência de conciliação.

Tentada a conciliação, essa restou infrutífera.

Em contestação, o réu alegou preliminarmente a carência de ação, por ser incabível reintegração de posse sem prévia rescisão judicial do contrato.

No mérito, após discorrer sobre o direito à moradia e vulneração do consumidor perante o contrato de adesão, o demandado reiterou a inexistência dos requisitos para reintegração de posse, sobretudo por não haver esbulho, e sustenta que a inadimplência decorreu da elevação exponencial do valor das parcelas, inviabilizando o pagamento. Após questionar a legalidade das cláusulas contratuais relativamente às despesas rescisórias, postulou em primeira linha de defesa pela improcedência da ação, e alternativamente, a manutenção no imóvel em homenagem ao direito à moradia, com o reequilíbrio do contrato, aplicando interpretação mais favorável ao consumidor no sentido de pagar o valor ajustado inicialmente em parcelas fixas, sem juros e correção monetária. Subsidiariamente, em caso de procedência da ação, requereu a devolução das parcelas adimplidas e indenização pelas benfeitorias.

A seu turno, o dispositivo da sentença de procedência foi lavrado nos seguintes termos:

“3. DISPOSITIVO

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente a demanda, nos termos do artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil, para:

A) DECLARAR rescindido o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto desta lide, com efeitos retroativos à citação da ré, para os efeitos legais;

B) Como consequência, consolidar a REINTEGRAÇÃO a posse do imóvel à autora, confirmando a liminar concedida;

C) Determinar a RESTITUIÇÃO das parcelas pagas (excluídos eventuais juros e multa de atraso) ao compromissário comprador, em valor único (Tema 577-RR/STJ), sobre o qual deve incidir apenas a correção monetária pelo IGPM, a partir de cada desembolso, sendo incabível a aplicação de juros de mora, porquanto a rescisão contratual deu-se por seu inadimplemento, podendo o promissário vendedor reter:

C.1) o percentual de 10% (dez por cento) sobre esse valor (item D), levando-se em conta as despesas realizadas pelo vendedor com publicidade, tributárias e administrativas, dentre outras; e

C.2) o percentual de 10% (dez por cento) sobre esse valor (item C) a título de multa compensatória pela rescisão;

D) CONDENAR parte a parte ré a pagar taxa de fruição mensal, no percentual de 0,25% (zero vírgula vinte e cinco por cento) incidente sobre o valor atualizado do contrato na data desta sentença, a partir da inadimplência até a efetiva desocupação, limitando-se, porém, a 50% (cinquenta por cento) do valor a ser restituído a título de parcelas pagas, sendo o montante o que mais se aproxima do valor de um possível aluguel;

E) A autora deverá indenizar a parte requerida das benfeitorias úteis e necessárias (ou acessões), caso comprovado nos autos sua efetiva e regular realização, a serem apuradas em liquidação de sentença, podendo compensar com os valores que terá que restituir à requerida, tudo na forma do contrato e da Lei 6.766/79.

Condeno a parte promovida ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. Contudo, sendo beneficiário da Justiça Gratuita, que defiro neste...

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