Acórdão nº 0804913-55.2021.8.14.0045 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Penal, 21-08-2023

Data de Julgamento21 Agosto 2023
Órgão1ª Turma de Direito Penal
Número do processo0804913-55.2021.8.14.0045
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
AssuntoMedidas Protetivas

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0804913-55.2021.8.14.0045

APELANTE: JONAS GOMES LEANDRO

APELADO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargadora VÂNIA LÚCIA CARVALHO DA SILVEIRA

EMENTA

APELAÇÃO PENAL. ART. 24-A, DA LEI 11.340/2006 E ART. 147, DO CPB. PLEITO ABSOLUTÓRIO. ART. 147, DO CPB. PRINCÍPIO CONCUSSÃO. ABSORÇÃO PELO CRIME DO ART. 24-A, DA LEI 11.340/2006. IMPROCEDÊNCIA. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. DECOTE DA AGRAVANTE DO ART. 61, INCISO II, ALÍNEA “F”, DO CPB. BIS IN IDEM. AFASTAMENTO APENAS NO TOCANTE AO CRIME DO ART. 24-A, DA LEI MARIA DA PENHA. MANUTENÇÃO DA AGRAVANTE QUANTO AO CRIME DE AMEAÇA. PENA. REDIMENSIONAMENTO. REDUÇÃO DA PENA BASE. INCABIMENTO. VETORIAIS DO ART. 59 DO CPB IDONEAMENTE FUNDAMENTADAS. CONCURSO FORMAL DE CRIMES. INVIABILIDADE. AÇÕES INDEPENDENTES. REQUISITOS DO ART. 77, DO CPB NÃO CUMPRIDOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

1. As condutas referentes aos crimes de violência psicológica e de descumprimento das medidas protetivas atingem bens jurídicos diversos, tendo sido praticados mediante desígnios autônomos, sendo, pois, irrelevante que um deles tenha precedido o outro. Registre-se que o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência não é meio necessário para a realização do delito de ameaça. No tocante ao cometimento desse último, ainda que exista medida protetiva de urgência, é plenamente possível que a ameaça de mal grave e injusto possa chegar ao conhecimento da ofendida sem o descumprimento de nenhuma das condições impostas.

2. Assiste razão à defesa no tocante à aventada ocorrência de bis in idem, diante da inviabilidade de reconhecimento da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea f, do Código Penal em relação ao crime de descumprimento de medidas protetivas, tendo em vista que se trata de delito previsto na própria Lei n.º 11.340/2006, de maneira que o fato de ser cometido em contexto de violência doméstica contra a mulher trata-se de circunstância elementar do crime, que já foi levada em consideração pelo legislador ao tipificar a conduta e cominar a pena.

3. A conclusão firmada, entretanto, não se estende ao crime de ameaça, previsto no art. 147, da Lei Substantiva Penal, já que tal ilícito não possui qualquer elementar ou qualificadora em razão da violência doméstica contra a mulher. De tal maneira, o delito pode ser praticado em qualquer contexto, contra qualquer pessoa, e não apenas em relações familiares. Assim, a aplicação da agravante genérica do art. 61, II, f, do CP não configura uma dupla punição pelo mesmo fato, de modo que não há bis in idem.

4. A mensuração inicial realizada pelo Juiz monocrático merece ser mantida, não havendo que se falar em qualquer nulidade por ausência de fundamentação idônea e concreta, pois estabelecida em observância aos princípios da motivação das decisões judiciais, da proporcionalidade e da razoabilidade.

5. os desígnios de ameaçar e descumprir medidas protetivas de urgência são autônomos, sendo certo que os delitos consumaram-se de forma independente. Assim, é inviável o reconhecimento do concurso formal entre os delitos.

6. Considerando que, no presente caso, não estão presentes os requisitos previstos no art. 77, inciso II, do Código Penal, impossível é a concessão do sursis, diante da desfavorabilidade das vetoriais do art. 59, do CPB.

7. Recurso conhecido e parcialmente provido, para realizar o afastamento da agravante do art. 61, inciso II, alínea “f”, do CPB, em face do princípio do non bis in idem, apenas no tocante ao tipo penal do art. 24-A, da Lei n.º 11.340/2006, impondo ao réu a pena definitiva de 07 (sete) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto. Decisão unânime.

Vistos, etc.

Acordam os Excelentíssimos Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Penal, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e lhe dar parcial provimento, nos termos do voto do Relator.

Sessão do Plenário Virtual do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, iniciada aos vinte e um dias e encerrada aos vinte e oito dias do mês de agosto do ano de 2023.

Julgamento presidido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Rosi Maria Gomes de Farias.

Belém/PA, 21 de agosto de 2023.

JOSÉ TORQUATO ARAÚJO DE ALENCAR

Juiz Convocado – Relator designado apenas para assinatura do acórdão.

RELATÓRIO

JONAS GOMES LEANDRO interpôs recurso de apelação criminal, irresignado com a sentença prolatada pelo Juízo de Direito da Vara Criminal da Comarca de Redenção/PA (ID 13198597), que o condenou, como incurso nos tipos penais do art. 24-A, da Lei n.º 11.340/2006 e art. 147, do Código Penal Brasileiro, após o cômputo do concurso material de crimes, às penas de 08 (oito) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto.

Narra a proemial acusatória (ID 13198560):

“(...) que, no dia 21 de novembro de 2021, na Rua Maria de Sá, Setor Paraiso, cidade de Pau D’Arco, o acusado JONAS GOMES LEANDRO descumpriu as Medidas Protetivas de Urgência, presumidamente deferidas no Processo n° 0804782-80.2021.8.14.0045 (dia 10//11/2021), em favor da vítima MARIA RAYNARA CHAVES ARNOLD LOPES, sua ex-companheira.

Segundo consta, a vítima e o acusado mantiveram um relacionamento amoroso por aproximadamente cinco anos e deste relacionamento sobreveio uma filha. Consta que o casal já estava separado há um mês, porém, o acusado não aceita o fim do relacionamento e diuturnamente perturba a vítima em sua residência.

No fatídico dia, por volta das 09h30min, o acusado efetuou diversas ligações para a vítima, mesmo ciente da decisão judicial que o proibia de manter qualquer contato com a ex-companheira. A vítima não atendeu às ligações, porém, ouviu um áudio do acusado que dizia: ‘oia eu tô bem aqui em frente tua casa, eu não vou sair daqui, já te falei, chama a polícia, me prende logo, me prende logo’ (textuais).

A vítima, imediatamente, ligou para a sua mãe Vanailde Sobral Chaves a fim de informar a mesma que não abrisse o portão para Jonas. Logo depois, a vítima foi até sua residência e quando chegou no local percebeu que seu portão havia sido danificado por Jonas, o qual pretendia adentrar forçado na casa com sua motocicleta.

Temerosa, a vítima deixou rapidamente sua residência e retornou para seu local de trabalho, sendo seguida por Jonas, o qual proferiu diversas ameaças, não especificando quais.

O acusado foi interrompido por algumas pessoas que estavam no local e saiu. A polícia foi acionada e, após tomar conhecimento de medidas protetivas concedidas em favor da vítima, saíram ao encalço do acusado, o qual logo fora localizado e encaminhado para a Delegacia de Polícia Civil.

O acusado foi interrogado e exerceu seu direito constitucional de permanecer calado.

A mãe da vítima informou para os policiais que o acusado havia ido em sua residência e proferido ameaças contra a filha ao afirmar que a mataria caso ela não aceitasse reatar o relacionamento que havia rompido.”

Em razões recursais (ID 13198600), roga a defesa pela aplicação, in casu, do princípio da consunção, relativamente ao crime de ameaça, já que cometido nas mesmas circunstâncias do crime do art. 24-A, da Lei n.º 11.340/2006, pelo qual deve ser absorvido.

Clama, ademais, pelo redimensionamento da pena base irrogada a ambos os delitos, diante do inadequado recrudescimento da sanção basilar. Outrossim, que a majoração atinente às circunstâncias judiciais deva ser estabelecida na fração de 1/6 (um sexto), de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Questiona, ainda, a aplicação da agravante inserta no art. 61, inciso II, alínea “f”, do Código Penal, ao argumento de que sua incidência enseja indevido bis in idem, haja vista que os delitos em testilha foram praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Alternativamente, que a pena primária seja agravada na fração de 1/6 (um sexto).

Insurge-se no que tange à aplicação do concurso material de crimes, na medida em que configurada na hipótese a regra do concurso formal próprio, nos moldes do art. 70, do Código Penal.

Derradeiramente, requer a aplicação do art. 77, do Códex Penal, ante a sua visibilidade.

Pugna pelo conhecimento e provimento do apelo manejado.

Em contrarrazões (ID 13198605), manifesta-se o Dominus Litis pelo conhecimento e improvimento do esmero defensivo.

Nesta Superior Instância, o Custos Iuris, representado pelo Procurador de Justiça Hezedequias Mesquita da Costa, opina pelo conhecimento e parcial provimento da apelação, para ajuste do cálculo de pena, com a exclusão da agravante do art. 61, inciso II, alínea “f”, do CPB, apenas do que refere ao delito do art. 24-A, da Lei n.º 11.340/2006.

É o relatório. Sem revisão (pena de detenção).

VOTO

Atendidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

1. Pleito absolutório. Art. 147, do CPB. Princípio concussão. Absorção pelo crime do art. 24-A, da Lei 11.340/2006.

Roga a defesa pela aplicação, in casu, do princípio da consunção, relativamente ao crime de ameaça, já que cometido nas mesmas circunstâncias do crime do art. 24-A, da Lei n.º 11.340/2006, pelo qual deve ser absorvido.

Sem razão, todavia, haja vista que as condutas referentes aos crimes de violência psicológica e de descumprimento das medidas protetivas atingem bens jurídicos diversos, tendo sido praticados mediante desígnios autônomos, sendo, pois, irrelevante que um deles tenha precedido o outro.

Registre-se que o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência não é meio necessário para a realização do delito de ameaça. No tocante ao cometimento desse último, ainda que exista medida protetiva de urgência, é plenamente possível que a ameaça de mal grave e injusto possa chegar ao conhecimento da ofendida sem o descumprimento de nenhuma das condições impostas.

Nessa senda de raciocínio:

“HABEAS CORPUS. PENAL. CONCURSO APARENTE ENTRE NORMAS PENAIS INCRIMINADORAS. CONSUNÇÃO ENTRE O...

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