Acórdão nº 0805115-36.2022.8.14.0000 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 3ª Turma de Direito Penal, 18-09-2023

Data de Julgamento18 Setembro 2023
Órgão3ª Turma de Direito Penal
Número do processo0805115-36.2022.8.14.0000
Classe processualAGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL
AssuntoPena Privativa de Liberdade

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) - 0805115-36.2022.8.14.0000

AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ

AGRAVADO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargadora EVA DO AMARAL COELHO

EMENTA

PROCESSO Nº AgExe 0805115-36.2022.8.14.0000

ÓRGÃO JULGADOR: 3ª TURMA DE DIREITO PENAL

COMARCA DE ORIGEM: SANTARÉM/PA

AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO

AGRAVADO: JUÍZO DAS EXECUÇÕES PENAIS DA COMARCA DE SANTARÉM/PA

RELATOR(A): DESA. EVA DO AMARAL COELHO

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE DEFERIU PEDIDO DE AFASTAMENTO DE EQUIPARAÇÃO DE HEDIONDEZ CONTIDO NO ARTIGO 33 DA LEI Nº 11.343/2006. APENADO QUE CUMPRE PENA POR CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS EQUIPARADO A HEDIONDO. ART. 33 DA LEI Nº 11.343/2006. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PACOTE ANTICRIME QUE AFASTOU TÃO SOMENTE A HEDIONDEZ DO TRÁFICO PRIVILEGIADO PREVISTO NO §4º DO ART. 33 DA LEI DE DROGAS. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. O tráfico de drogas continua sendo crime equiparado a hediondo, mesmo após a edição da Lei n. 13.964/2019. As alterações promovidas pela Lei “Anticrime” no art. 2º, §2º, da Lei de Crimes Hediondos não retiraram a equiparação do delito do tráfico de entorpecentes a crime hediondo.

2. Aplicação do art. 112, inciso V, VI, VII e VIII da LEP. Tema Repetitivo n° 1.084.

3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

ACÓRDÃO

ACORDAM os Exmos. Desembargadores que integram a Egrégia 3ª Turma de Direito Penal do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade de votos, CONHECER do presente recurso e DAR-LHE PROVIMENTO, conforme fundamentação do voto da relatora.

Sala das Sessões do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos ________ dias do mês de _________ de 2023.

Este julgamento foi presidido por __________________________________.

RELATÓRIO

PROCESSO Nº AgExe 0805115-36.2022.8.14.0000

ÓRGÃO JULGADOR: 3ª TURMA DE DIREITO PENAL

COMARCA DE ORIGEM: SANTARÉM/PA

AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO

AGRAVADO: JUÍZO DAS EXECUÇÕES PENAIS DA COMARCA DE SANTARÉM/PA

RELATOR(A): DESA. EVA DO AMARAL COELHO

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL interpôs o presente recurso, inconformado com a decisão proferida pelo Juízo de Direito da Vara de Execução Penal da Comarca de Santarém/Pa que deferiu o pedido de afastamento da equiparação da hediondez do art. 33 da Lei 11.343/2006, em favor do apenado Joao Paulo Vieira Coelho.

Em suas razões recursais, o agravante reputa como falha a decisão agravada, ao discorrer sobre o histórico normativo no qual se insere o termo “equiparado”, que revela associação ao cenário dos crimes hediondos e serve à designação de três espécies de infração penal, a saber, a tortura, o tráfico de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo, frisando que a Constituição da República trata os três delitos de forma conjunta aos crimes hediondos, dispensando-lhe tratamento jurídico mais rigoroso, em conformidade com o disposto no art. 5º, XLIII da Carta Magna. Dessa disposição legal, conclui que a intenção do legislador é estabelecer entre os tipos mencionados um tratamento simétrico, que pode ser observado na redação dos artigos 84 e 112 da Lei de Execução Penal, pelo qual o tráfico de entorpecentes e drogas afins é crime equiparado a hediondo, salvo a sua modalidade privilegiada.

Por fim, adverte que compreender como adequada a decisão combatida é tornar inócua a prescrição legal, desconsiderando-se que a questão se trata de mera transferência do conteúdo normativo, ainda que com alguma modificação, da regra contida no hoje revogado artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei n° 8.072/1990 para os incisos do caput do artigo 112 da Lei n° 7.210/1984. Em prequestionamento, o agravante requer, caso não seja reformada a decisão agravada, a manifestação desta Egrégia Corte sobre a simetria traçada no art. 5º, XLIII, da Constituição da República, reproduzida no art. 112, V da Lei de Execução Penal, ao equiparar o crime de tráfico de drogas aos delitos de natureza hedionda, de modo a viabilizar a interposição de recursos às Cortes Superiores.

Desta forma, requer o conhecimento e provimento do presente recurso, para que seja cassada a decisão que reduziu os percentuais aplicados à pena imposta ao crime de tráfico de drogas, para a progressão de regime, determinando seja respeitado o art. 5º, XLIII, da Constituição da República, e observado o previsto no artigo 112, V, da Lei de Execução Penal.

Em contrarrazões ao recurso (ID nº 9049842 p. 49-59) o agravado refutou as alegações do agravante, pleiteando a manutenção da decisão interlocutória em todos os seus termos.

Em decisão (ID nº 9049842 p. 60), o juízo singular recebeu o presente recurso, mantendo a decisão agravada por seus fundamentos.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e provimento recursal (ID nº 14427571).

É o relatório.

VOTO

VOTO

Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

O feito se trata de pedido da defesa para afastamento da equiparação de hediondez do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, a fim de que sejam feitos novos cálculos relativos à pena a ser cumprida pelo agravado JOAO PAULO VIEIRA COELHO, condenado na Ação Penal nº 2000165-24.2022.8.14.0051, para aquisição do direito à progressão de regime (ID nº 9049842 p. 16-38)

Do exposto, bem como do restante do que consta nos autos, entendo que o recurso deve ser provido, conforme fundamentação a seguir:

O crime de tráfico de drogas, na forma do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, é equiparado aos crimes de natureza hedionda, em decorrência do que dispõe o art. 5º, XLIII da Constituição da República:

Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (grifei)

Sendo assim, tenho que o legislador constituinte, ao listar os crimes de tortura, tráfico de drogas e terrorismo no referido dispositivo, juntamente aos crimes de natureza hedionda, os equiparou a estes, o que também se repetiu no texto do art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos – Lei nº 8.072/1990, reforçando tal equiparação:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: (grifei)

I – anistia, graça e indulto;

II – fiança.

Logo, caso o legislador não quisesse efetivamente comparar tais crimes aos de natureza hedionda para todos os efeitos, não os teria listado no caput do segundo artigo da Lei de Crimes Hediondos. Do contrário, o fato de estarem inseridos no início do Diploma em questão demonstra que devem receber o mesmo tratamento (equiparados) àqueles previstos no artigo inaugural.

Portanto, sob tal cenário, o termo “crimes equiparados a hediondos” passou a ser amplamente utilizado no direito pátrio para se referir às espécies delitivas em questão, sobretudo o de tráfico de drogas, mesmo com as alterações na Lei de Execução Penal decorrentes da Lei nº 13.964/2019.

Com efeito, observa-se o disposto no art. 112 da Lei de Execução Penal, com a alteração introduzida pela Lei “Anticrime”:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:

(...)

V – 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

VI – 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

VII – 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

VIII – 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

(...)

§5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.

Sendo assim, inobstante os fundamentos lançados pelo agravado e acolhidos pelo juízo de origem, as revogações e alterações promovidas pela Lei “Anticrime” ao revogar o parágrafo segundo do art. 2º da Lei de Crimes Hediondos não se prestaram a afastar a natureza de crime equiparado ao hediondo do delito tipificado no caput do art. 33 da Lei de Drogas, mas tão somente adequar o texto legal às alterações na Lei de Execução, no tocante às porcentagens de cumprimento necessárias para a progressão de regime.

Deste modo, por consequência direta, não havendo alteração quanto à natureza do crime de tráfico, igualmente não se está a falar em nova interpretação em desfavor do apenado, mas sim em entendimento consolidado cujo cenário sobre o qual foi construído não se alterou.

Sobre a questão, o STJ já firmou pacífico entendimento, consoante enunciado do Tema n° 1.084, e o STF, o Tema n° 1.169. Eis as teses firmadas:

Tema n° 1.084. “É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados...

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