Acórdão Nº 0805768-88.2018.8.10.0000 do TJMA. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, Presidência, 2019

Ano2019
Classe processualHabeas Corpus Criminal
ÓrgãoPresidência
Tipo de documentoAcórdão


Sessão do dia 24 de setembro de 2019

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Nº Único: 0805768-88.2018.8.10.0000

Habeas Corpus – 1ª Vara Criminal da Comarca de São Luís/MA

Paciente : Sebastião Patrick Campos de Almeida Souza

Impetrantes : Roberto Charles de Menezes Dias (OAB/MA nº 7.823), Joaquim Adriano de Carvalho Adler Freitas (OAB/MA nº 10.004) e Misael Mendes da Rocha Junior (OAB/MA nº 14.929)

Autoridade Impetrada : Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Luís

Incidência Penal : Art. 121, § 2º, I e IV, do Código Penal, e art. 2º, §§ 2º e 4º, II, da Lei nº 12.850/2013 (Lei de Organizações Criminosas), em concurso material

Relator : Desembargador João Santana Sousa

Acórdão :

EMENTA. HABEAS CORPUS. CONTINUIDADE DO JULGAMENTO DO WRIT APÓS DECISÃO PROFERIDA NO INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COM RELAÇÃO AO ART. 9º, XL, DO CÓDIGO DE DIVISÃO E ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIAS DO ESTADO DO MARANHÃO, COM SUA REFORMA IMPLEMENTADA PELA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL DE Nº 188/2017. CONCESSÃO DA ORDEM EM DECORRÊNCIA DA CONFIGURAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO, COM A APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES.

1. Segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, e conforme o art. 125, § 1º, da Constituição Federal, permitido que os Tribunais de Justiça Estaduais alterem os seus Códigos de Divisão e Organização Judiciárias, para prever a especialização de varas, sejam elas cíveis ou criminais, não havendo, assim, que se falar na violação ao art. 22, I, da Carta Magna.

2. O art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, por sua vez, dispõe que é reconhecida a instituição do júri, “com a organização que lhe der a lei”, conferindo margem de discricionariedade às leis de organização judiciárias estaduais, ao passo em que, na sua alínea “d”, assegura que o júri é competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, não falando nada sobre o seu processamento. Dessa forma, conferida interpretação conforme ao art. 9º, XL, do referido Código de Divisão e Organização Judiciárias, restringindo a competência da 1ª Vara Criminal de São Luís quanto aos crimes dolosos contra a vida praticados no contexto das organizações criminosas tão somente até o trânsito em julgado da decisão de pronúncia.

3. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a Lei de Organização Judiciária Estadual poderá estabelecer que a 1ª fase do procedimento do júri seja realizada na Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, com os autos sendo remetidos, logo após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, para uma das varas do Tribunal do Júri (HC de nº 102.150/SC e ARE nº 812.668/DF). Idêntica inteligência com relação à 1ª Vara Criminal da Comarca de São Luís, a qual possui, a partir da Lei Complementar Estadual de nº 188/2017, competência para o processamento dos crimes dolosos contra a vida envolvendo organizações criminosas (overruling).

4. Não adequação (distinguishing) dos precedentes levantados pelos impetrantes.

5. Reconhecimento de excesso de prazo nas prisões do paciente no bojo das ações penais nº 13.832/2017 e 16.273/2017, que correram na 1ª Vara Criminal da Capital.

6. Habeas corpus concedido, com a aplicação de cautelares diversas da prisão, sendo vencido o relator somente com relação à aplicação da cautelar da tornozeleira eletrônica, pois não restou acompanhado pelos demais integrantes da 1ª Câmara Criminal no ponto, pois estes entenderam pela sua desnecessidade.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Maranhão, unanimemente e de acordo com o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, adequado em banca, em conceder a ordem impetrada, determinando a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, com as devidas medidas cautelares a saber; 1 - declarar, no ato de cumprimento do presente alvará de soltura, o endereço completo onde deve ser encontrado nesta cidade; 2 - comparecimento periódico mensal ao juízo de 1ª instância, para informar e justificar as suas atividades; 3 - proibição de ausentar-se desta comarca, sem comunicação e autorização do referido juízo de 1º grau, salvo para comparecimento aos atos processuais; 4 - proibição de contato, por qualquer meio de comunicação, com testemunhas e familiares das vítimas relacionadas as ações penais em epígrafe; 5 - recolhimento domiciliar no período noturno, a partir das 22:00 horas, e nos dias de folga; 6 - proibição de acesso ou frequência a festas, bares, boates ou similares; sob pena de revogação, vencido o relator somente com relação à cautelar da tornozeleira eletrônica, pois os demais membros da Câmara entenderam pela sua desnecessidade, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores João Santana Sousa, Antônio Fernando Bayma Araújo e Raimundo Nonato Magalhães Melo.

Presidência do Desembargador Antônio Fernando Bayma Araújo.

Procuradora de Justiça a Drª. Maria dos Remédios Figueiredo Serra.

São Luís (MA), 24 de setembro de 2019.

Desembargador JOÃO SANTANA SOUSA

Relator

RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado pelos advogados Roberto Charles de Menezes Dias, Joaquim Adriano de Carvalho Adler Freitas e Misael Mendes da Rocha Junior em benefício de Sebastião Patrick Campos de Almeida Souza, apontando como autoridade coatora o Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Luís.

Afirmam os impetrantes que o paciente se encontra preso por ato do magistrado da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital, cuja competência seria o processamento e julgamento dos crimes cometidos dentro do contexto das organizações criminosas, conforme a Lei Complementar Estadual nº 188/2017, que deu nova redação ao Código de Divisão e Organização Judiciárias do Maranhão.

Informam que a referida autoridade coatora, que já teve a sua competência excetuada nas ações penais nº 13.832/2017 (Inquérito Policial nº 82/2016) e 16.273/2017 (Inquérito Policial nº 19/2017), rejeitou as exceções e decretou a prisão do paciente em ambos os processos, os quais, assinalam os impetrantes, apuram a prática delitiva inserta no art. 121 do Código Penal, o qual é crime doloso praticado contra a vida e, portanto, da competência do Tribunal do Júri.

Aduzem, ainda, que o ergástulo cautelar do paciente completa 01 (um) ano no mês de julho de 2018, considerando que sua prisão, quanto ao processo nº 13.832/2017, ocorreu no dia 31/07/2017, ao passo que o encarceramento do processo de nº 16.273/2017, aconteceu em 27/07/2017.

Argumentam, desse modo, a incompetência do Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Luís para processar e julgar os crimes narrados nas ações penais supramencionadas, porque a Lei Complementar Estadual em questão não estabeleceu a competência daquela para o processamento e o julgamento de crimes praticados com violência contra a pessoa, mas, sim, para “processamento e julgamento de todos os crimes envolvendo atividades de organização criminosa”, conforme previsão descrita na Recomendação nº 03/2006 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Todavia, consoante esclarecem os impetrantes, a mencionada Recomendação do CNJ não prevê a competência das varas criadas e/ou designadas ao processamento e julgamento dos casos envolvendo organizações criminosas ainda para crimes perpetrados com violência contra a pessoa.

Assim, concluem os impetrantes, nesse jaez, que, do ponto de vista da delegação de competência estabelecida pela Lei Complementar Estadual de nº 188/2017, impossível à 1ª Vara Criminal de São Luís processar e julgar os delitos dolosos contra a vida.

Pontuam, outrossim, na mesma seara, que, ainda que a citada norma assim previsse expressamente, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, nos autos da ADI nº 1.218/RO, que os crimes dolosos contra a vida têm competência estabelecida na própria Constituição Federal, mais precisamente no seu art. 5º, XXXVIII. Em idêntico sentido, especificamente quanto à competência das Varas Criminais Especializadas em face dos crimes de organizações criminosas, o Pretório Excelso, segundo asseveram, já decidiu, na ADI de nº 4.414/AL, por conferir, em análise à Lei Estadual de Alagoas de nº 6.806/2007, interpretação conforme a Constituição aos arts. 9º e 10 daquele diploma, ao excluir da competência da 17ª Vara Criminal respectiva o processo e julgamento de todos os crimes dolosos contra a vida.

Argumentam, por consequência, a nulidade dos atos decisórios praticados por juízo incompetente, nos termos dos arts. 564 e 567, ambos do Código de Processo Penal, inclusive os de prisão preventiva e os de recebimento das denúncias, o que implica na imediata soltura do paciente.

Por último, afirmam os impetrantes que o magistrado de base não fundamentou idoneamente a prisão provisória do paciente, bem como que ausentes os seus requisitos legais, notadamente em face da ausência de indícios suficientes sobre a autoria delitiva, havendo fragilidade na imputação acusatória. E, ainda, ressaltam que o paciente possui residência fixa e bons antecedentes, restando claro que não apresenta nenhum risco à ordem pública.

Nesse último diapasão, esclarecem que, nos autos da ação nº 13.832/2017, já foram inquiridas as testemunhas de acusação e de defesa, restando só pendente o interrogatório do paciente, que estaria marcado para o dia 09/07/2018, o qual deve anteceder a apreciação do writ. Enquanto isso, no processo nº 16.273/2017, o curso da instrução não se iniciou, mas que isto não se deve à atuação da defesa, mas, sim, ao Estado, que é incompetente, inoperante e incapaz de cumprir com as suas funções.

Requerem, derradeiramente, a concessão da ordem, inclusive em sede de liminar, visando ao reconhecimento da incompetência da 1ª Vara Criminal de São Luís para processar e julgar as ações penais nº 13.832/2017 e 16.273/2017, e, por consequência, a nulidade de todos os atos decisórios nelas praticados, especialmente o recebimento das denúncias e a prisão preventiva do paciente. Caso o entendimento da Corte não seja...

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