Acórdão nº 0807736-78.2019.8.14.0301 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 1ª Turma de Direito Público, 21-08-2023

Data de Julgamento21 Agosto 2023
Órgão1ª Turma de Direito Público
Year2023
Número do processo0807736-78.2019.8.14.0301
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
AssuntoIndenização por Dano Moral

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0807736-78.2019.8.14.0301

APELANTE: R. M. F. B., R. S. F. B.

APELADO: SUPERINTENDENCIA DO SISTEMA PENITENCIARIO DO ESTADO DO, ESTADO DO PARÁ
REPRESENTANTE: PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO PARÁ

RELATOR(A): Desembargador ROBERTO GONÇALVES DE MOURA

EMENTA

EMENTA: AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO. DETENTO. MORTE EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. SUICÍDIO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS À SUA CONFIGURAÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A SUPOSTA CONDUTA DESIDIOSA ESTATAL E O DANO SOFRIDO. RECURSO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

ACÓRDÃO

Vistos, etc.

Acordam os Excelentíssimos Senhores Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade de votos, conhecer o recurso de agravo interno e lhe negar provimento, tudo nos termos do voto do Desembargador Relator.

Plenário Virtual da Primeira Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, sessão realizada no período de vinte e um a vinte e oito dias do mês de agosto do ano de dois mil e vinte e três.

Turma julgadora: Desembargadores Roberto Gonçalves de Moura (Relator), Ezilda Pastana Mutran (Vogal) e Maria Elvina Gemaque Taveira (Vogal).

Julgamento presidido pela Exma. Desembargadora Rosileide Maria da Costa Cunha.

Belém/PA, 28 de agosto de 2023.

Desembargador ROBERTO GONÇALVES DE MOURA

Relator

RELATÓRIO

RELATÓRIO

O EXMO. SR. DES. ROBERTO GONÇALVES DE MOURA (RELATOR):

Trata-se de AGRAVO INTERNO interposto por RENATA MAYTE FERREIRA BRAGA e RENATO SAVENAY FERREIRA BRAGA contra decisão monocrática de minha lavra constante no id. 7441874 que negou provimento ao recurso de apelação cível interposto pelos agravantes em desfavor do ESTADO DO PARÁ e da SUPERINTENDÊNCIA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO DO PARÁ - SUSIPE, sendo o veredito assim ementado:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DETENTO. MORTE EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. SUICÍDIO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS À SUA CONFIGURAÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A SUPOSTA CONDUTA DESIDIOSA ESTATAL E O DANO SOFRIDO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO.

Os agravantes alegaram, em suma, em suas razões do recurso de agravo interno (id. 7861505) que, como a morte do detento ocorreu em estabelecimento penitenciário, a responsabilidade civil objetiva do Estado deveria ser reconhecida, sendo cabível a condenação em danos morais e materiais.

Aduziram que a análise da culpa do apelado é irrelevante para que seja responsabilizado civilmente pelo fato decorrente de sua atuação, bastando para tal a demonstração do nexo de causa entre o dano e a atividade estatal.

Defenderam que restaram evidenciados o nexo de causa entre a atividade de risco desempenhada pelos pelados - atividade carcerária - e o dano causado pela morte do de cujus.

Asseveraram existir na hipótese o dano moral in re ipsa.

Pugnaram, ao final, pelo conhecimento e provimento do presente recurso.

Foram apresentadas contrarrazões pela parte agravada no id. 8419576.

É o relatório.

VOTO

VOTO

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR ROBERTO GONÇALVES DE MOURA (RELATOR):

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço o presente recurso de agravo interno e passo a analisá-lo.

Consigno, desde já, que não assiste razão ao recorrente, pelas razões que passo a expor.

A controvérsia recursal cinge-se à possibilidade ou não da aplicação da responsabilidade civil objetiva na hipótese, imputando-se, assim, aos apelados, a responsabilidade pela morte, no ambiente de carceragem da Susipe, do custodiado, pai dos apelantes, fato esse que restou incontroverso.

No direito público, predomina a teoria do risco administrativo, segundo a qual cabe ao Estado responder pelos danos causados pelos seus agentes que, nessa qualidade, violarem direitos dos administrados, nos termos do § 6º do art. 37 da CF/88:

Art. 37 (...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Com efeito, os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do poder público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do poder público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.

Assim, o dever de indenizar, mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva do poder público, supõe, dentre outros elementos, a comprovada existência do nexo de causalidade material entre o comportamento do agente e o eventus damni, sem o que se torna inviável, no plano jurídico, o reconhecimento da obrigação de recompor o prejuízo sofrido pelo ofendido [RE 481.110 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 6-2-2007, 2ª T, DJ de 9-3-2007.]

Destarte, em que pese a teoria do risco administrativo dispensar a análise da culpa da Administração, ela exige que haja nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano causado ao particular. É dizer: não se pode imputar ao poder público, segundo essa teoria, a reparação de danos que não decorram das suas atividades, mas de fatos exclusivamente atribuíveis a terceiros, à própria vítima, ou mesmo derivados de caso fortuito ou força maior.

Vale dizer que o nexo de causalidade entre essas omissões e os danos sofridos pelos particulares só restará caracterizado quando o poder público ostentar o dever legal específico de agir para impedir o evento danoso, não se desincumbindo dessa obrigação legal. Entendimento em sentido contrário significaria a adoção da teoria do risco integral, repudiada pela Constituição Federal.

No caso em comento, como ficou consignado na decisão agravada, não restou configurado o nexo causal, pressuposto primário determinador do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do poder público.

Isso porque não basta, para que se configure a responsabilidade civil do ente público no mister da execução penal, a pura e simples inobservância do mandamento constitucional de que existia a obrigação de que a morte do preso sob custódia fosse evitada, sendo necessário, também, que o poder público tenha a efetiva possibilidade de agir nesse sentido. Deveras, sendo inviável, na espécie, a atuação estatal para evitar a morte do interno em seu sistema carcerário, é imperioso reconhecer que se rompe o nexo de causalidade entre essa pressuposta omissão e o dano.

No caso dos autos, não há comprovação de que o detento tinha sintomas e indícios perceptíveis pela ciência psiquiátrica de um estado mental instável e tendente à prática de um ato autodestrutivo, o que poderia ser comprovado com um prontuário médico indicando tratamento, situação em que a omissão estatal seria previsível.

Com efeito, da leitura do relatório conclusivo da sindicância instaurada pela Susipe para apuração do suicídio ( id.7330677), extrai-se que “a causa morte ocorreu de forma imprevisível e sem qualquer auxílio, instigação ou induzimento ao suicídio do referido interno por parte dos agentes prisionais, não podendo atribuir suposta omissão às suas condutas, pois como exposto anteriormente nos referidos depoimentos, não houve nenhum tipo de alarde de internos”, o que leva à conclusão que o suicídio relatado foi um ato repentino e isolado, praticado num momento de angústia exacerbada e absolutamente imprevisível ao mais atento carcereiro, médico ou até mesmo aos mais próximos entes queridos do falecido, sendo, portanto, causa de exclusão da responsabilidade civil do Estado.

Assim, a produção probatória se mostrou insuficiente para embasar um decreto condenatório como pretendido pelos recorrentes.

No sentido de ausência de responsabilidade civil do Estado em casos tais, o Supremo Tribunal Federal pacificou o tema, em repercussão geral, no julgamento do RE 841526, senão vejamos:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. 3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal). 4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a...

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